Bate-bate na volta final em Indianápolis levanta questão: corrida virtual é séria?

Com o hiato de corridas reais, as provas virtuais ganharam ainda mais importância e atraíram praticamente todos os pilotos das principais categorias. Mas o final grotesco cheio de acidentes da Indy 175 nos faz questionar o quão a sério as devemos levar

Em tempos de pandemia e de esporte quase zero no mundo real, os eSports vão ganhando cada vez mais espaço e destaque. No automobilismo, grande parte dos grids de F1, MotoGP, Fórmula E e Indy está envolvida em provas que ocupam espaços que seriam das corridas previamente programadas no calendário antes do surto de coronavírus. E foi justamente na Indy, talvez quem mais esteja vendendo essas provas, que surgiu o maior questionamento acerca das disputas virtuais.
 
A categoria norte-americana fez uma série de seis provas virtuais que denominou de Indy iRacing Challenge, percorrendo mistos e ovais como Austin, Motegi e, claro, Indianápolis. O grid, recheado de titulares, foi talvez o mais forte do esporte a motor no ano, com patrocinadores e equipes reais colocando suas marcas nas disputas.
 
E, de fato, o nível das provas estava excelente, com grandes disputas, variação de vencedores, surpresas com convidados triunfando e tudo indicava para o ápice na despedida, nas 70 voltas no oval de Indianápolis, corrida que foi chamada de Indy 175. Mas o que se viu foi o oposto.
A Indy 175 teve um grid cheio de pilotos titulares (Foto: IndyCar)
A corrida foi bem animada, cheia de estratégias, ultrapassagens, trocas de liderança, batidas espetaculares, mas teve um final que acabou com qualquer clima de festa e, mais do que isso, levantou importantes questionamentos em relação à seriedade do evento.
 
Quando Lando Norris partia para a vitória, o então retardatário Simon Pagenaud avisou para seu spotter que tentaria tirar o inglês da corrida. E assim o fez, ficando muito lento e entrando na frente de Norris, que não conseguiu desviar, acertou a traseira da Penske do rival e rodou, deixando a disputa dos primeiros lugares.
 
Lando, que havia vencido na estreia em Austin e era convidado da Indy e da McLaren, ficou bastante irritado e cobrou Pagenaud nas redes sociais, especialmente após ver, no Twitch do rival, a gravação com a ideia de tirá-lo da disputa. 
 
"Grande estratégia, amigo. Isso é incrível. Até disse antes ‘Pagenaud quer me tirar da corrida’, e meu spotter estava dizendo que veríamos sobre isso. 2s mais tarde e estava rodando. Tão mentiroso. Grande ato de classe. Até mesmo seu spotter está dando risada”, escreveu Norris após Pagenaud ter tido que estava indo para os boxes na hora da colisão. O francês não se defendeu em seu perfil no Twitter.
Norris sofreu acidente a poucas voltas do fim (Foto: Reprodução)
Outros dois lances que passaram longe da esportividade aconteceram já na última volta. Primeiro, Pato O'Ward atingiu Marcus Ericsson em disputa que também valia a liderança. O sueco foi mais um a ir para sua página no Twitter reclamar do rival, que se defendeu e defendeu a manobra que fez. Não adiantou, Marcus manteve o ponto de vista e a irritação com o adversário.
 
"Boa manobra, O'Ward. Valeu, camarada", ironizou o sueco marcando o mexicano no post, que não aliviou: "Desculpe, cara, achei que ia usar o mesmo espaço que você usou para me ultrapassar. Os carros estavam andando lado a lado a corrida toda, sem problemas. Mas, de qualquer jeito, foi uma briga divertida pela vitória na última volta".
 
A discussão acabou com um novo tweet de Ericsson, que não quis entrar na onda de que foi divertido bater no final da corrida.
 
"Discordo, cara. A manobra que você fez, naquela curva em específico, não estava rolando. Você simplesmente foi direto na minha roda traseira. Uma pena isso depois de uma briga boa", completou.
A Indy 175 virtual foi cheia de acidentes (Foto: Reprodução)
Metros adiante, já na reta de chegada, Santino Ferrucci virou bruscamente o carro e deu no meio de Oliver Askew, que partia para a vitória. Os dois colidiram, é claro, e acabou que Scott McLaughlin, que era quinto na última curva, venceu sem passar ninguém. Askew, no entanto, levou mais na brincadeira ao dizer que Ferrucci "deve um copo de leite", simbolizando a vitória em Indianápolis.
 
Marco Andretti e Sage Karam foram dois pilotos que criticaram em suas páginas a atitude de Ferrucci, que se defendeu dizendo que era "só videogame", expressão usada também por outros membros do grid, e citou até a experiência que vem tendo em corridas virtuais da Nascar.
 
"Vi todo mundo tirando o pé na última curva. Estava buscando Askew e, ultimamente, tenho corrido virtualmente em várias categorias, então tentei bater porta com ele no estilo da Nascar. Fiquei muito perto dele e aí virei de forma muito agressiva, erro meu ali. Não queria ter exagerado, mas, no fim das contas, estamos jogando videogame, ele em primeiro, eu em segundo, fiz o que dava para vencer aquela corrida", declarou.
 
Mas será mesmo que vale tudo por ser videogame? O que os patrocinadores acham de ter suas marcas expostas em eventos assim? O que os fãs acham de pilotos que agem assim?
 
Atitudes assim rodam o mundo, viralizam e mancham imagens da modalidade e, claro, dos pilotos envolvidos. Nos comentários em tempo real durante a Indy 175, por exemplo, eram torcedores indignados no mundo todo com o bate-bate, especialmente com o que fizeram Pagenaud e Ferrucci. 
Simon Pagenaud venceu a Indy 500. Já na Indy 175… (Foto: Reprodução)
Só videogame mesmo? Foi em um evento parecido da Nascar que Kyle Larson, um dos pilotos mais famosos da categoria, perdeu todos os patrocinadores e o emprego na Ganassi ao usar um termo pejorativo de cunho racista – 'nigga' é até usado como 'N-word' tamanho seu peso negativo.
 
É claro que o caso de Larson vai além do esporte e atinge a esfera criminal, mas o ponto é que não se trata de um mundo paralelo. Em um evento oficial, com tantas marcas e cobertura ampla, Ferrucci e Pagenaud foram de uma antidesportividade imensa e pedem uma reflexão acerca do que aconteceu.
 
Para Ferrucci, foi mais um episódio bastante controverso na carreira de alguém que só tem 21 anos, mas que coleciona polêmicas e atitudes pouco convencionais. Na F2, quando era reserva da Haas, bateu de propósito no companheiro Arjun Maini depois da corrida em Silverstone e acabou suspenso por duas etapas. De lá, foi para a Indy, se envolvendo em nova confusão ao acertar em cheio Spencer Pigot em Detroit, que o acusou de não respeitar aqueles que já faziam parte do grid da categoria.
Santino Ferrucci é protagonista constante de polêmicas (Foto: Indycar)
2019 foi um ano em que Ferrucci parecia disposto a mudar sua imagem, ficou longe de confusões na maior parte do tempo e impressionou com algumas grandes performances, especialmente nos ovais. No entanto, quase mudou o rumo do campeonato em Gateway, quando perdeu o controle ao tentar roubar o pódio de Tony Kanaan e achou por bem voltar no meio da pista quase causando uma colisão gravíssima com Josef Newgarden, que desviou, rodou, evitou a batida com Ferrucci e o muro e, de quebra, garantiu o título semanas depois.
 
Mas e Pagenaud? Aqui estamos falando do atual vencedor da Indy 500, de um campeão da Indy, atual vice. É um cara com currículo gigante no automobilismo e que, do nada, resolve atrapalhar a vitória de um convidado da F1 na prova. Foi longe, bem longe do que se espera de um campeão.
 
Agora, está tudo nas mãos da Indy, da Penske e da Dale Coyne. É hora de cobrar as atitudes dos pilotos e de aplicar punições. Caso contrário, todos vão deixar claro que levam as corridas virtuais como uma grande brincadeira e, do ponto de vista de competição e informação, o interesse nisso é praticamente nulo.

Procurada pelo GRANDE PRÊMIO para saber o que seria feito com Pagenaud, a Penske não quis se pronunciar: "Não temos nada a declarar da nossa parte e não podemos responder pelo lado da Indy".


 
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