Coluna Indy Rocks, por Hugo Becker: Entre a cruz e a espada

No automobilismo sempre haverá riscos. Para um piloto como Helio, que disputa a reta final de um campeonato equilibradíssimo na Indy, ou para um sujeito complexo e excepcional como Kubica, que se preparava para a temporada que poderia representar o início de sua consagração na F1, seria necessária, talvez, a imposição de alguns importantes limites

Helio Castroneves saudado em Ribeirão Preto (Foto: Rafael Gagliano/Hyset/RF1)
Helio Castroneves foi o piloto que mais repercutiu no automobilismo tupiniquim no último fim de semana. O brasileiro, líder do campeonato na Indy com 453 pontos – 31 a mais que o segundo colocado, Scott Dixon – e favorito absoluto à conquista de seu primeiro título naquela que é uma das maiores principais categorias do planeta, cumpriu o prometido e foi a Ribeirão Preto participar da sétima etapa da temporada 2013 da Stock Car.
 
Nativo da cidade e ídolo local, o piloto da Penske roubou a cena e as atenções no belíssimo município do interior paulista. No entanto, seu protagonismo não se resumiu à popularidade prevista: Helinho sofreu um acidente violentíssimo na última sexta-feira (9), durante um treino livre no improvisado circuito urbano nas ruas ribeirão-pretanas.
 
As cenas mostram com precisão a agressividade do impacto. Mesmo já tendo alertado a direção da categoria a respeito do risco que o muro curvado no final da reta poderia trazer aos pilotos em caso de problema nos freios naquele ponto, Castroneves foi vítima exatamente do que temia: graças a uma falha na frenagem, virou passageiro do próprio carro, raspou no muro e foi lançado à proteção de pneus. Estava a quase 200 km/h.
 
A frente de seu Chevrolet Sonic ficou totalmente destruída. O brasileiro saiu no lucro, portanto, se considerarmos a gravidade do acidente em contraste com seus três pontos na perna e um leve problema muscular no pescoço por conta da desaceleração brusca. As consequências poderiam, sim, ter sido muito mais graves. Diante disso, Helinho foi vetado de participar das demais atividades ao longo do fim de semana e não disputou a etapa.
 
Voltando ao início: depois de dois vice-campeonatos da Indy – em 2002 e 2008 –, o piloto da Penske é o principal favorito ao título de 2013 e lidera o campeonato com 31 pontos de vantagem para seu adversário mais próximo, Dixon, da sempre competitiva Ganassi.
 
O "se" não decide campeonato, mas… E se Castroneves estivesse um pouco mais rápido no momento do acidente? E se o impacto tivesse sido de outra forma? E se ele não fosse prudentemente vetado, participasse da corrida e, já debilitado, batesse novamente?
 
Faltam apenas cinco etapas para o fim da temporada da categoria norte-americana. Com inteligência, Helio pode levar o título. Mas se o impacto em Ribeirão Preto tivesse sido pouco mais grave, o piloto poderia perder talvez dois ou três dos últimos cinco GPs.
 
E então, de quem seria a culpa? Porque evidentemente, haveria um culpado.
 
Helio, por ter aceitado correr? A Penske, por ter liberado? O patrocinador do piloto?
 
A questão é mais complicada do que parece.
 
Deixemos de lado, por um instante, a situação vivenciada no último fim de semana.

Há muitos, muitos exemplos, de pilotos titulares de uma determinada categoria que comprometeram suas carreiras – ou até mesmo perderam a vida – durante disputas esporádicas em outra competição. São inúmeros casos. Mas há, sem dúvida, a memória recente do que ocorreu com Robert Kubica, que em 2011, como titular da Renault e considerado um dos mais promissores e competentes do grid da F1, quase morreu durante o rali Ronde di Andora, na Itália, após acidente no qual por pouco não perdeu um braço.

Kubica venceu a morte ao escapar com vida do grave acidente em Gênova (Foto: Divulgação)
Sob contrato com a escuderia francesa – que, na época, já corria sob o preto e dourado da atual Lotus, comandada pelo grupo Genii –, o polonês decidiu disputar a prova off-road durante um intervalo na pré-temporada daquele ano. Após o episódio, a sobrevivência de Robert – considerada um milagre por seu estado depois do impacto – não foi capaz de evitar uma incômoda verdade: o piloto jamais poderia retornar a um carro da categoria que o consagrou e na qual era tido como um dos expoentes, ao lado de outras estrelas do quilate de Fernando Alonso, Jenson Button, Lewis Hamilton e Sebastian Vettel.
 
Em 1971, Jo Siffert vivia a melhor fase de sua carreira. Embalando bons resultados e aproveitando o excelente momento da BRM no campeonato, o suíço, que também sofria da mesma sanha de Castroneves e Kubica –  a de ser apaixonado por praticamente todos os tipos de competição –, decidiu disputar, como era de costume, uma etapa extra-campeonato da F1 no belo e traiçoeiro circuito de Brands Hatch, na Inglaterra. 
 
Siffert largou na pole-position, em uma prova que contava, entre outras estrelas da época, com Jackie Stewart e Emerson Fittipaldi. No entanto, o helvético sofreu um toque na largada e prosseguiu na pista até perder o controle de seu monoposto, batendo em um barranco fora da pista. O carro explodiu. Jo morreu carbonizado dentro do carro.
 
É difícil entender a mente de um piloto. São seres que, positivamente, possuem alguns neurônios a menos. Kubica, Siffert, Castroneves, Tony Kanaan, Valentino Rossi, Kimi Räikkönen e Michael Schumacher são alguns exemplos clássicos disso. Os caras gostam de velocidade, seja como for, em qual categoria for. O problema é que no automobilismo sempre haverá riscos. De forma que, para um piloto como Helio, que disputa a reta final de um campeonato equilibradíssimo na Indy, cujo título será decidido por detalhes, ou para um sujeito complexo e excepcional como Kubica, que se preparava para a temporada que poderia representar o início definitivo de sua consagração na F1, seria necessária, talvez, a imposição de alguns limites que poderiam percorrer desde o período de pré-temporada até a última corrida do ano, para evitar riscos demasiados tanto ao piloto quanto à quem o emprega. Porque sim, a vida tem suas regras, formais ou informais. Elas existem, ponto.

É evidente que a existência humana, como conceito, vale infinitamente mais do que qualquer glória mundana – o salário dos sonhos, a ascensão na empresa, o carro do ano, um título como esportista. A vida abrange estas coisas, mas estas coisas não representam a vida em si, como um todo. Nem de longe.

 
E é por isso que, por outro lado, como proibir um esportista – acima de tudo, um ser humano – de fazer o que lhe der na telha? O conceito, por si só, é absurdo. Qualquer tipo de proibição parece insana, em qualquer situação. A Penske poderia ter vetado, por contrato, a participação de Castroneves na etapa de Ribeirão Preto da Stock Car? Seria correto? Talvez não fosse, mas e se o brasileiro perdesse duas das cinco provas restantes da temporada 2013 da Indy por conta de um acidente aleatório em uma categoria que não é a dele, por uma equipe que não o emprega, em uma realidade que não lhe pertence? 
 
O tema é extremamente complexo e merece um longo debate. Eu não tenho a solução, tampouco carrego a pretensão de tê-la. Mas é um assunto que, claramente, precisa ser discutido. É preciso haver um meio termo. Não queremos mais Kubicas ou Sifferts no automobilismo, promessas que ficaram pelo caminho por imprudência.
 
Bom senso nunca será demais – tanto dentro quanto fora das pistas.

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