Análise: prodígios, Márquez e Vettel reagem aos problemas de formas opostas

Prodígios da MotoGP e F1, Marc Márquez e Sebastian Vettel são constantemente comparados — especialmente pelos fãs —, mas não poderiam ser mais diferentes, especialmente na forma como se adaptam às circunstâncias

Tal qual Sebastian Vettel fez em sua época, Marc Márquez desembarcou na elite do motociclismo com o rótulo de prodígio. Depois de encantar nas categorias de acesso, o espanhol foi alçado à classe rainha pela poderosa Honda e, de cara, mostrou que não era apenas uma aposta. 
 
Já em sua primeira corrida, Márquez encarou Valentino Rossi, o astro-mor da MotoGP, e, na sequência, conquistou o oeste norte-americano com uma atuação para lá de dominante na estreante pista de Austin.
 
Errando aqui e ali, Márquez conseguiu se colocar em posição de vencer o campeonato, mesmo tendo de encarar o experiente — e igualmente talentoso — Jorge Lorenzo.
Marc Márquez decidiu domar o touro da Honda na unha (Foto: Xavi Bonilla/Grande Prêmio)
No ano seguinte, depois de conseguir a liberação da Honda para reunir seu ‘dream team’ de mecânicos e engenheiros, Márquez escandalizou o mundo com uma sequência de dez triunfos nas dez primeiras provas da temporada. Foi sua singela maneira de retribuir a gentileza da fábrica da asa dourada.
 
O domínio imposto na primeira parte do Mundial tornou Márquez imbatível na classificação, mas já em 2014 a Yamaha deu sinais de que estava se preparando para o combate do ano seguinte, com Rossi e Lorenzo conquistando uma sequência de quatro vitórias para a casa de Iwata — San Marino, Aragão, Japão e Austrália.
 
Mas o domínio estrelar chegou ao fim com o virar do ano. Ao contrário do que aconteceu na F1 de Vettel, que pagou o preço de uma mudança de regulamento que introduziu os motores V6 turbo no lugar dos V8 aspirados, a MotoGP vive dias de regras estáveis e a mudança na ordem vigente deve-se, exclusivamente, ao trabalho das fábricas. 
 
Historicamente apaixonada por motores fortes, a Honda aumentou a potência do propulsor da RC213V, o que resultou em reclamações dos pilotos no teste de Valência, realizado imediatamente após o fim da temporada 2014. Os engenheiros, então, fizeram mudanças que pareceram dar resultado — no calor e na alta umidade — no teste da Malásia, mas a agressividade voltou a dar as caras em Losail.
 
Sem mais tempo para mudanças, a Honda selou o agressivo motor e vai ter que se virar com ele pelo resto da temporada.
 
Guardadas da devidas diferenças, a fase zicada da Honda na MotoGP encontra um paralelo com o que Vettel viveu na F1 ano passado, no seu último ano correndo pela Red Bull. Assim como o Márquez, Seb foi sensação da categoria nos últimos anos, deixou de ser menino prodígio para conquistar um incrível e genuíno tetracampeonato, mas enfrentou inúmeras dificuldades em 2014 com a falta de performance do motor Renault e com o próprio RB10 em si.
 
 O fato é que Vettel não conseguiu se adaptar ao manhoso carro taurino, que se saiu muito mais ao estilo de pilotagem de Daniel Ricciardo, que chegou à Red Bull em 2014 vindo da Toro Rosso. Foi justamente o australiano, e não o alemão, o piloto do time de Milton Keynes capaz de quebrar a supremacia das Mercedes de Lewis Hamilton e Nico Rosberg e vencer três corridas na temporada, um feito bastante notável por si só, e mais incrível ainda por bater Seb na classificação final do Mundial de Pilotos.
 
Enquanto Ricciardo abria seu enorme sorriso e fazia até mais do que era possível com o carro (e com o fraco motor) que tinha em mãos, Vettel se abateu de tal forma, como se reconhecesse a derrota acachapante para seu companheiro de equipe. Os resultados mostram a discrepância de performance da outrora dupla da Red Bull. Enquanto Daniel somou 238 pontos, com três vitórias e cinco pódios, Seb teve como ápice três terceiros lugares, ficando a 71 pontos do australiano.
Sebastian Vettel se deixou abater pelos problemas da Red Bull em 2014 (Foto: Drew Gibson/Getty Images)
Depois de alcançar seu auge F1, Vettel parecia estar em decadência, ofuscado pelo brilho reluzente de Ricciardo. Até que o tetracampeão surpreendeu o mundo ao deixar a Red Bull e realizar seu sonho de vestir as cores da Ferrari. Foi um ganho de motivação incrível desde sua apresentação em Maranello, e tudo isso se refletiu em seu trabalho na pista e no seu entrosamento com Maurizio Arrivabene e seus comandados.
 
Tido como um dos grandes pilares deste momento de reconstrução da Ferrari, ao lado de Arrivabene e do novo presidente Sergio Marchionne, Vettel conseguiu conduzir a escuderia italiana de volta às vitórias já na segunda corrida de 2015, quando triunfou no GP da Malásia de forma espetacular. Motivado, de time novo e com o talento sendo colocado à prova na equipe mais forte e tradicional do grid, Vettel mostrou que o ano de 2014 foi apenas uma exceção.
 
Ao contrário do tetracampeão da F1, entretanto, Márquez não se abate. O jovem de Cervera já entendeu que não há saída para resolver o problema do motor da Honda, então decidiu ‘domar o touro na unha’. Ironicamente, a moto nipônica tem uma presença maior da marca da Red Bull em seu layout em 2015.
 
Com os motores selados, a Honda não tem como solucionar facilmente a agressividade do propulsor da RC213V, que tornou a moto difícil de controlar na entrada da curva e com problemas de aderência na saída. Assim, sobra à marca nipônica brincar com a eletrônica e com o chassi. E aí mora um outro problema.
 
Por conta da eterna busca pela redução de custos e do aumento da competitividade, a MotoGP vai adotar em 2016 um eletrônica única, com hardware e software oferecidos pelos promotores. Para que as fábricas aceitassem essa opção, Dorna e FIM (Federação Internacional de Motociclismo) permitiram que elas trabalhassem em conjunto com a Magneti Marelli no desenvolvimento desse pacote.
 
Com isso, também ficou acordada uma data limite para a evolução da eletrônica atual: 1 de julho. Assim, em menos de 15 dias, a Honda terá apenas a opção de trabalhar com o chassi, já que só serão permitidas alterações que estejam relacionadas à segurança.
 
Conhecedor da situação, Márquez vê a dupla da Yamaha correr em direção à sua coroa com um ritmo muito superior e não enxerga outra opção a não ser partir para o combate com aquilo que tem em mãos.
 
 A Honda de 2015 não é nem de longe tão problemática quanto a Red Bull de 2014. Porém, desde que estreou na MotoGP, em 2013, Marc vive seu maior jejum de pódios e esteve no top-3 em apenas duas das sete provas disputadas aqui — uma vitória em Austin e um segundo lugar em Jerez de la Frontera.
 
A RC213V segue sendo uma moto rápida, tanto é que Márquez foi o autor das melhores voltas dos GPs da Itália e da Catalunha, mesmo tendo completado apenas duas voltas em Montmeló, e conquistou três poles até aqui. O problema é que o desvio comportamental da moto se agrava com o desgaste dos pneus.
Marc Márquez tem metade dos pontos de Valentino Rossi na classificação da MotoGP (Foto: Honda)
É fato que Márquez poderia lançar mão do ‘modo Vettel’ de resolver problemas e pontuar aqui e ali, controlando os danos. Mas o espanhol não sabe — e possivelmente não quer aprender — a correr assim. 
 
“Claro que eu posso terminar a corrida 20s atrás deles, mas vocês sabem que este não é o meu estilo”, explicou o #93 após o abandono de Barcelona.
 
Marc é um piloto que guia no fio da navalha, esse é o estilo ao qual ele sempre foi fiel e que encantou fãs, jornalistas, pilotos e dirigentes por todas as partes do mundo. O espanhol está disposto a treinar mais e a cair, mas não vai abrir mão de sua mentalidade. Se for para fazer uma prova burocrática, ele fica em casa. 
 
A dificuldade é que a agressividade do motor Honda anula uma das principais qualidades do piloto: sua habilidade na freada. Ao entrar na curva, a traseira da moto derrapa de tal forma que é difícil conseguir fazê-la parar, até mesmo para um piloto que gosta da traseira escorregando.
 
Se está ciente dos problemas, porque, afinal, Márquez partiu para cima de Lorenzo na Catalunha como se não houvesse amanhã? Ora, porque é isso que ele faz. Com o atraso que tinha na classificação, Marc não podia mais perder pontos e precisava tentar acompanhar o ritmo do rival para, quem sabe, encontrar uma porta que desse justo no topo do pódio.
 
Após a queda, as criticas ao estilo agressivo de Márquez voltaram à baila, mas foi o sempre sensato Bradley Smith que tratou de minimizar a preocupação. O jeito do bicampeão é um problema, única a exclusivamente, para a integridade dele.
 
“Ele sempre resolve suas coisas. Ele nunca leva outro piloto com ele. Quando ele tem seus problemas, ele garante que não vai envolver ninguém e leva seus problemas para fora da pista”, afirmou o piloto da Tech3. “É a mesma coisa de que estávamos falando em Jerez no primeiro ano dele. O fato é que ele quase acertou a traseira de todo mundo e todo mudo disse que era perigoso. Sim, é perigoso, mas se você não vai atingir outro piloto, não há do que reclamar”, defendeu.
 
O irmão mais velho de Álex precisa de uma moto que lhe permita errar, porque ele sabe lidar com as próprias falhas, mas, como a RC213V não permite isso, ele vai continuar extrapolado o limite da moto até conseguir vencê-lo.
 
Com exatamente a metade dos pontos de Valentino na classificação do Mundial, Márquez tem pouquíssimas chances de conseguir reverter a situação, mas ele não está em crise. Ele apenas está trabalhando do jeito dele com aquilo que tem nas mãos.
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