Sorte salvou MotoGP em domingo de ‘Premonição’. Mas Red Bull Ring precisa mudar

Circuito com a maior média de velocidade do calendário, o traçado de Spielberg precisa de mudanças para aumentar a segurança para as corridas de moto. A sorte se fez presente no domingo (16), mas não dá para contar sempre com ela

Foi a quarta etapa da temporada 2020 da MotoGP, mas pareceu mais uma refilmagem do thriller de terror ‘Premonição’. Por duas vezes no espaço de milésimos, Valentino Rossi escapou em cheio de ser atingindo pelas motos desgovernadas de Franco Morbidelli e Johann Zarco enquanto contornava a curva 3 do Red Bull Ring.

Mas ao contrário de Alex Browning, personagem do eterno ‘Gasparzinho’ Devon Sawa, no filme de 2000, Rossi não teve uma visão das motos voando em sua direção. O piloto de 41 anos contou apenas com a sorte para escapar ileso de um acidente com potencial trágico. Quanto mais imagens a MotoGP divulga, mais parece que testemunhamos um milagre.

Ainda na nona volta da corrida, Johann tentou passar Morbidelli se valendo da superioridade do motor Ducati. Ao contornar a curva 2, o francês se colocou à frente do ítalo-brasileiro e, na sequência, freou para preparar a entrada na Remus, uma curva de 90°. Sem ter como reagir, Franco colidiu com a GP19 e caiu, junto com Zarco.

Franco Morbidelli e Johann Zarco após o acidente (Foto: Divulgação/MotoGP)

A YZR-M1 da SRT escorregou pelo trecho de grama e, em um desnível do piso, acabou catapultada, passando entre os dois companheiros de Yamaha. A Ducati de Johann, por sua vez, cortou a área de escape sem perder muita velocidade na brita e reencontrou Maverick Viñales e Rossi, que tinham acabado de contornar o ápice da curva.

Rossi mal conseguiu ver as duas “balas” que vieram em sua direção. O italiano contou que achou que a sombra no asfalto fosse resultado do helicóptero da transmissão da TV.

“Eu estava passando pelo hairpin com Viñales, freando na curva 3, e vi uma sombra se aproximando. Pensei que era o helicóptero, pois as vezes acontece de o helicóptero passar por cima dos pilotos durante a corrida e fazer uma sombra”, comentou Rossi em entrevista à emissora Sky Italia. “Ao invés disso, vieram duas balas: eu vi bem a Ducati de Zarco, mas a moto do Morbidelli eu nem vi. Só vi mais tarde nas fotos”, contou.

“O santo dos motociclistas fez realmente um grande trabalho hoje. Foi muito perigoso”, comentou.

O espanhol, ao contrário, conseguiu ver de relance uma moto voando em sua direção e ainda teve tempo de reagir e proteger a cabeça com os braços.

“Hoje tivemos sorte, isso é o mais importante. Estamos bem. Essas coisas podem acontecer nas corridas, sempre tem um risco. E essa curva, a curva 3, dizemos todos os anos que é realmente perigosa. Precisam fazer algo, porque é muito fácil cair ali”, defendeu. “Durante o incidente na primeira corrida, eu, honestamente, não vi nada. Eu só ouvi o som das motos caídas se arrastando e aí ouvi o impacto da moto atingindo o muro. Aí, quando olhei, vi uma moto vindo na minha direção e cobri a minha cabeça, e ela pulou. Com certeza, tivemos muita sorte hoje. Alguém salvou a gente e isso é o mais importante”, frisou.

Desde que entrou no calendário da MotoGP, a segurança do Red Bull Ring sempre alvo de questionamentos. Aposentado desde 2012, Casey Stoner comentou antes mesmo da primeira prova no traçado: “Não tem muita área de escape se você cai em uma velocidade estimada de 340 km/h, especialmente se estiver molhado… Mas, ei, é só a minha opinião”, escreveu o australiano em julho de 2016, ano em que o traçado de Herman Tilke voltou à programação.

De acordo com os dados consolidados no fim da temporada passada, a MotoGP registrou até 2019 um total de 157 quedas no Red Bull Ring, mais de 39 tombos por etapas. Em termos de curvas, até o ano passado, foram registrados 44 acidentes na Remus, uma média, portanto de 11 quedas por ano.

Na análise dos acidentes curva a curva, a média neste grampo é superior aos outros pontos do traçado na análise dos quatro anos. Outros dois trechos críticos, a curva quatro tem uma média de 9,5 quedas por ano, contra a marca de 8,5 da curva 1.

Levando em conta os dados divulgados pela Brembo, essas três curvas são as mais exigentes com o sistema de freios por conta da alta redução de velocidade em um curto espaço. Na curva 1, por exemplo, a velocidade inicial é de 301 km/h, contra uma marca final de 98 km/h em um intervalo de 223 metros. Na 3, a velocidade passa de 309 para 63 km/h em 244 metros. Na 4, os pilotos chegam a 297 km/h e baixam para 83 em 259 metros.

A estatística de quedas consolidada em 2019 contabiliza os acidentes na curva 3 (Foto: Reprodução)

Neste ano, desde que chegaram ao traçado, os pilotos alertaram para os riscos do Red Bull Ring, especialmente com a previsão de chuva. Após a corrida, o coro só fez aumentar.

“Toda vez que existe esse tipo de layout, é normal que, caso aconteça alguma coisa, você atinja ou outros, o que não é muito seguro, mas não dá para fazer as pistas sempre da mesma forma”, disse Andrea Dovizioso, vencedor da corrida. “Para melhorar a segurança ― e nós falamos sobre isso na Comissão de Segurança [onde os pilotos se reúnem toda sexta-feira] ―, o muro da esquerda normalmente é um pouco mais perigoso”, apontou.

Terceiro colocado na corrida de domingo, Jack Miller recordou o acidente que sofreu em Le Mans em 2017 e se disse preocupado com o que pode acontecer no futuro.

“Outro grande ponto é que esta área da pista, não podemos ter todas as pistas iguais, é que existem alguns elementos de perigo lá, mas já estive na posição de ultrapassar alguém ali e você tem de levar em conta os riscos”, ponderou. “A moto já está se movendo, o vento faz muita diferença, mas o principal, com certeza, é que você trava [uma das rodas], vai para o muro da esquerda e isso não seria bonito, como aconteceu comigo em Le Mans. Eles já moveram [o muro] uma vez, mas precisa afastar mais”, defendeu.

Cal Crutchlow também apontou a necessidade de mudança, mas reconheceu que não existem muitas boas alternativas para aquele ponto do traçado.

“Se colocar uma grade ali, se você estende essa grade, o que acontece se você sair da pista? Aquele lugar não é seguro”, apontou. “Infelizmente, não existe uma maneira de contornar [o problema]”, comentou.

“Se escapar da pista ali ou assim, se estiver sozinho em um treino, pode potencialmente passar pela grama, ir reto ou o que quer que seja. Mas se você coloca alguma coisa ali, você vai direto para isso. É uma situação em que não tem como ganhar,infelizmente”, lamentou. “Fiquei chocado de ver, fiquei chocado com o que aconteceu. E não sei o que podem fazer”, completou.

Na visão de Aleix Espargaró, o vento e a aerodinâmica das motos atuais tornam o trecho entre as curvas 2 e 3 ainda mais difícil.

“Uma coisa que posso dizer é que, quando você está na pista, o vento pode ajudar muito naquele lugar, porque ajuda a virar a 325 km/h e a manter a roda dianteira no chão. Quando você está freando, tem mais downforce. Há três, quatro anos, quando a Aprilia não tinha asas, lembro que [a dianteira] quicava ali. Isso não acontece mais, por causa das asas”, apontou.

“Mas quando você está seguindo alguém, as asas criam turbulência. Com a turbulência, balança, você pode perder a frente”, considerou. “É um lugar muito difícil, muito perigoso. Nós falamos sobre isso na Comissão de Segurança e hoje tivermos azar, pois vimos como esse circuito é perigoso. Mas temos de ficar felizes, pois nada aconteceu”, completou.

Pista de maior média do calendário, o Red Bull Ring tem sua maior velocidade média de velocidade justamente no trecho entre as curvas 2 e 3, um ponto onde os pilotos também precisam frear para o grampo.

Veja as fotos do assustador acidente do GP da Áustria de MotoGP: clique na imagem abaixo.

A carcaça da Ducati de Zarco sobrevoa e quase atinge a cabeça de Maverick Viñales (Foto: Reprodução)

“É um pouco complicado na curva 2, pois, se algo acontece ali, é possível que a moto escorregue na direção de alguém na curva 3. Não é um problema tão grande nas motos menores, mas com uma moto de MotoGP, você está a mais de 300 km/h e puxando o freio dianteiro com 50° de inclinação, então é bem normal perder a frente, o que é assustador”, explicou Brad Binder. “A área de escape é o suficiente, o problema é que se acontece alguma coisa na 2, você pega quem está se preparando para a 3”, completou o sul-africano, que classificou Rossi como o “cara mais sortudo do mundo”.

Rossi, por sua vez, também entende que os pilotos precisam ser responsáveis e preservarem as vidas uns dos outros.

“Tudo bem ser agressivo, é normal, mas o respeito pelos rivais está se perdendo um pouco. Fazemos um esporte perigoso, é preciso ter respeito por quem está na pista com você”, defendeu. “Temos de entender que, nessas velocidades, nossas motos são balas. Em minha opinião, estamos indo um pouco longe demais”, concluiu.

Mesmo que as alternativas não sejam tão variadas, a MotoGP precisa de uma solução para o problema da curva 3. E, se não existir nenhuma, melhor se despedir mais uma vez do GP da Áustria. A segurança dos pilotos não pode depender de sorte ou intervenção divina.

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