‘As pioneiras’: Laia Sanz – multicampeã de Trial e enduro e ‘rainha’ do Rali Dakar

No capítulo desta sexta-feira da série ‘Pioneiras’, o GRANDE PRÊMIO traz um perfil de Laia Lanz, multicampeã de Trial e enduro e uma das estrelas do Rali Dakar. A espanhola de Corbera de Llobregat defende o time de fábrica da KTM

Laia Sanz é praticamente sinônimo de esporte a motor. 13 vezes campeã do Mundial Feminino de Trial, a espanhola de Corbera de Llobregat foi se aventurar no mundo enduro para realizar um sonho de infância: correr o Rali Dakar.

 
Aos 33 anos, Laia soma, além de cinco títulos do Mundial Feminino de Enduro, nove participações na maior prova off-road do planeta. E, apesar dos muitos desafios do rali, Sanz tem o impressionante histórico de ter completado todas as edições de que participou de forma ininterrupta desde a estreia, em 2011.
 
Sempre dominante nas modalidades que disputou, Laia tem um currículo impressionante no Dakar. O melhor resultado veio em 2015, quando a espanhola terminou a prova no nono posto na classificação geral.  Neste ano, apesar de não ter tido uma preparação ideal por questões de saúde, a titular da KTM alcançou seu segundo melhor desempenho, uma 11ª colocação.
Laia Sanz venceu a categoria feminina do Dakar em 2019 (Foto: KTM)
 
“Eu comecei a pilotar por paixão, porque meu pai tinha algumas motos de Trial. Eu comecei a pilotar com meu pai e meu irmão e eu gostava muito”, disse Laia. “Comecei como um hobby e aí foi ficando mais sério a cada ano até se tornar uma profissão”, resumiu.
 
Depois de uma bastante bem sucedida carreira no Trial, Sanz entendeu que era o momento de buscar o sonho do rali e, por isso, recorreu ao enduro.
 
“Eu sempre sonhei com o Dakar, mas, para mim, era como se fosse impossível. Como agora vendo a F1”, comparou. “Eu comecei a correr no enduro só para aprender para ir para o Dakar. No início, eu era só uma pilota de Trial, mas eu sempre sonhei com o Dakar”, seguiu. 
 
“Eu tive a chance de correr o meu primeiro Dakar e eu comecei a correr de enduro para aprender como pilotar, aprender a técnica da velocidade, mas acho que eu mudei porque eu realmente precisava”, reconheceu. “Eu passei muitos, muitos anos fazendo apenas Trial e acho que eu ainda poderia estar lá tentando vencer, mas acho que precisava de algo novo, novas metas, novos desafios. Essa foi a razão”, contou.
 
Apesar da diferença entre as modalidades, Sanz segue vendo o Trial como a mais difícil, já que a exigência da disciplina é bastante alta.
 
“Acho que Trial é o esporte a motor mais difícil. Acho que é realente técnico e você leva a vida toda para aprender a pilotar motos de Trial”, apontou. “Para atingir um bom nível no Trial, é incrível quantas horas você precisa e o quanto trabalho você precisa fazer. Claro, o rali raid, o cross-country, é difícil e perigoso, tem muita velocidade e o nível hoje é muito alto, mas, para mim, o Trial ainda é o mais difícil esporte que já fiz”, defendeu.
 
Entre as dificuldades do rali, o sono é uma das principais, já que os competidores dormem pouco e não conseguem descansar devidamente entre uma especial e outra. As paisagens, no entanto, compensam um pouco das agruras. 
 
“Acho que o pior do Dakar para mim é que normalmente você não dorme o bastante. Depois de muitos dias assim, fica muito difícil no final. A comida também não é perfeita lá. E são muitas, muitas horas na moto. Para mim, o maior problema é o tempo que você não tem para dormir o suficiente para poder se recuperar para o dia seguinte”, descreveu. “A melhor parte é que você pode pilotar em alguns lugares incríveis, com paisagens incríveis, e também é muito divertido pilotar em alguns lugares, como as dunas ou outros tipos de terreno, então isso é bem divertido”, continuou.
 
Hoje titular da KTM, a equipe que domina o Dakar há 18 anos, Sanz se vê integrada ao time e, pela primeira vez na carreira, dispondo dos mesmos recursos de seus companheiros.
Laia Sanz ressaltou o bom tratamento que recebe de seus companheiros de KTM (Foto: KTM)
“Eu estou na KTM desde 2015 e, para mim, é uma honra”, declarou Laia ao GP. “Eu me sinto realmente bem nesta equipe, porque eles me tratam realmente bem. Acho que é o único time que, durante a minha carreira, me tratou da mesma forma que o resto do time, como os homens. Eles têm a mesma moto, exatamente a mesma moto, e isso é muito bom. Eu tenho as mesmas condições para treinar, para testar, e eles me tratam realmente como um piloto normal, eles me tratam como todos os pilotos, então isso é realmente bom”, seguiu. 
 
“Além disso, os meus companheiros de equipe são legais comigo, eles sabem o quão difícil e perigoso é esse esporte, então acho que eles me respeitam muito. Eu me sinto muito confortável nesta equipe e espero ficar aqui por muito tempo”, torceu.
 
Mesmo confortável no time, Laia sofreu para chegar ao Dakar deste ano, já que esteve acometida por duas enfermidades. Primeiro, a espanhola teve o vírus Epstein Barr, o mesmo que fez Jonas Folger se afastar da MotoGP, e, depois, contraiu  a febre Q, uma infecção bacteriana.
 
Apesar do revés, Sanz saiu do rali com um resultado positivo e, perguntada pelo GRANDE PRÊMIO, reconheceu sua surpresa com o desempenho.
 
“Sim, foi realmente surpreendente terminar o Dakar na 11ª posição, especialmente porque em novembro e no início de dezembro eu não tinha certeza se poderia disputar esse Dakar. Quando me senti melhor, decidi ir, mas não sabia sequer se poderia terminar o primeiro dia”, afirmou Laia. “Para mim, foi muito bom me sentir bem durante o Dakar, só um pouco cansada, mas isso é normal depois de ficar doente por muito tempo. Mas eu me senti até que bem, estava bem forte depois de tudo isso”, seguiu. 
 
“Mas, sim, foi realmente surpreendente, porque foi o meu segundo melhor resultado. Às vezes, é assim. Eu também tive um pouco de sorte, porque nada aconteceu comigo, na cometi grandes erros, meu ritmo de corrida não foi realmente rápido, mas foi seguro, e isso me fez terminar com um resultado incrível”, reconheceu.
 
O sofrimento deste ano, porém, não conseguiu tomar o lugar do Dakar de 2009 no coração de Sanz, embora a pilota reconheça que a performance dos últimos dois anos é mais expressiva.
Laia Sanz (Foto: KTM)
“Claro que o ano que terminei na nona colocação será sempre o melhor até aqui, porque foi o melhor resultado, mas acho que agora o nível é tão alto que, para mim, também é realmente importante ter terminado o ano passado em 12ª e este em 11ª. Acho que isso é ainda mais difícil do que quando terminei em nona antes”, explicou. “Por exemplo, acho que meu melhor Dakar, um dos meus melhores Dakar, foi no ano passado, quando eu estava realmente em forma, num nível muito bom de pilotagem, tudo estava realmente bem, mas eu terminei em 12ª. Então no Dakar você também nunca sabe. Às vezes, você não consegue o resultado que merece e às vezes você tem sorte, mas o Dakar é assim. Muitas coisas podem acontecer”, ponderou.
 
Dona de uma carreira para lá de vitoriosa, Sanz tem entre seus maiores orgulhos o fato de ter ajudado a pavimentar o caminho do esporte para outras mulheres.
 
“Quando eu comecei a pilotar e a correr, eu era normalmente a única menina. Agora, quando eu vou ver crianças competirem perto da minha cidade, eu vejo muitas meninas lá e isso me faz sentir muito orgulhosa”, relatou. “Acho que fico muito mais orgulhosa por isso do que pelo campeonato, porque acho que ajudei um pouquinho que alguns pais comprassem motos também para as meninas, não só para os meninos. Acho que ajudei nisso e me sinto muito orgulhosa”, desabafou.
 
No entanto, Laia ainda é uma das poucas em um ambiente predominantemente masculino. Mas, como nove ralis nas costas, a pilota entende que já conseguiu ganhar o respeito de seus pares.
 
“No meu primeiro ano, a meta era diferente, era terminar. Todos estavam felizes que eu estava lá, mas, claro, agora acho que tenho muito respeito de todos os pilotos, dos times e de todos, porque eu conquistei bons resultados”, avaliou. “É claro que eles olham para mim de um jeito diferente. Acho que eles olham para mim como um piloto, não como uma mulher, e acho que eu mereci esse respeito. Fico feliz com isso”, contou.
 
Questionada pelo GP se já se sentiu discriminada ou desacreditada por ser uma mulher dentro de um esporte dominado por homens, Sanz foi clara: “Sim. Infelizmente, muitas vezes”. 
 
“Isso é uma coisa que melhora a cada dia, mas é claro que durante a minha carreira eu me senti muito mal muitas vezes por ser uma mulher”, relatou. “Em algumas equipes, eu não tive a mesma moto que os meus companheiros de equipe, as mesmas condições, muitas, muitas vezes. Acho que eu senti coisas ruins muitas vezes por causa disso e eu também tive de lutar muito para estar na equipe. Eu estou muito feliz agora, mas é claro que eu tive momentos ruins por esta razão. Eu sinto também que eu sempre tive de demonstrar mais do que os outros pilotos”, frisou.
 
Mesmo vendo mudanças nesse cenário, Sanz entende que, tal qual na sociedade, o esporte ainda tem um caminho a percorrer.
 
“Nós ainda não temos muitas mulheres correndo, mas é claro que isso está melhorando. Acho que o tempo todos nós temos mais ajudas de fábricas, de equipes, porque eles estão mais interessados em pilotos mulheres. Também acho que a FIM tem de pressionar e as federações de cada país”, opinou. “Nós precisamos de ajuda, mas acho que tudo está melhorando na sociedade. Mas ainda tem um longo, longo caminho. E é um processo lento”, admitiu.
 
Perguntada, então, se acredita na necessidade de categorias unicamente para mulheres, Laia manifestou sua predileção pelo formato do Dakar.
Laia Sanz completou todos os nove Dakar que disputou (Foto: Marcelo Maragni/Red Bull Content Pool)
“Acho que é muito bom e interessante como é no Dakar, porque nós temos uma categoria feminina, mas nós fazemos exatamente os mesmos estágios, a mesma corrida, com a mesma moto, então também estamos na classificação geral. Isso, para mim, é o melhor, porque você pode estar nas duas classes, pode estar na geral, onde estão todos, e também na categoria feminina”, defendeu. “Mas, em alguns esportes, é difícil fazer desse jeito, porque, no Trial, por exemplo, os setores precisam ser diferentes, então é bem difícil de fazer, mas eu gosto de termos os dois no Dakar. É divertido ver que resultado você pode fazer na categoria geral”, comentou.
 
Dentro do esporte, não é raro ver campanhas publicitárias com apelo sensual envolvendo atletas mulheres. Sanz reconhece que esta é uma realidade e defende que é a imagem de esportista que deve ser valorizada.
 
“É, acho que é uma coisa que acontece muito. Eu já vi muitas mulheres fazendo isso e eu não gosto, pois estamos lutando muito para não sermos usadas como sex symbols e, às vezes, isso acontece”, respondeu Laia ao GP. “Mas acho que nunca me deixei ser usada desta forma. Eu prefiro que seja assim, pois acho que é algo bem importante. A sua imagem precisa ser importante como atleta, mas não como sex symbol ou algo assim”, concluiu.
 
 
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