Homem de mil vidas, Kubica renasce no esporte, faz caminho inverso ao de Räikkönen e se encontra no rali

O protagonista da seção Conta-giro desta terça-feira (2) é Robert Kubica. Homem de sorte e ‘mil vidas’ após escapar de gravíssimos acidentes, o polonês, estrela ascendente na década passada, começa a retornar à elite do automobilismo mundial, mas no rali, modalidade onde se encontrou para retomar a carreira e se recuperar plenamente para, no futuro, talvez tentar voltar à F1

Relembre as imagens mais marcantes da carreira de Robert Kubica

O dia 6 de fevereiro de 2011 acabou sendo o divisor de águas na carreira de um dos pilotos mais promissores do automobilismo nos últimos tempos e apontado, por muitos, como um futuro campeão mundial de F1. Naquela manhã de domingo, dois dias depois do fim da primeira bateria de testes da pré-temporada, Robert Kubica, que começava sua segunda temporada pela Renault, sofreu um acidente que por um triz não tirou sua vida. Na disputa do Rali Ronde di Andora, o polonês perdeu o controle do seu Skoda Fabia e bateu forte em um guard-rail, que rasgou seu carro no meio e acertou em cheio o lado direito do piloto que, por milagre, escapou da morte e do risco de amputação da mão direita. Sua carreira, entretanto, foi posta em xeque. Naquelas condições, era mesmo muito difícil um dia imaginar que Kubica pudesse voltar a competir.


Mas Robert Kubica (ou Roberta Kubicy, em polonês) contrariou todas as previsões acerca do seu futuro. Depois de quase dois anos de uma árdua recuperação física e realização de trabalhos para aperfeiçoar a mobilidade do seu braço e mão direita, Kubica assinou contrato com a equipe mais vencedora do rali no mundo nos últimos tempos, a Citroën Racing. Sua estreia pela montadora francesa aconteceu no fim de março, no Rali das Ilhas Canárias, prova válida pelo Campeonato Europeu de Rali. 

De maneira impressionante, o polonês liderou todo o primeiro dia de prova e parecia despontar para a vitória, mas sofreu outro acidente grave e quase despencou de um penhasco. Homem de mil vidas — por ter escapado de gravíssimos acidentes ao longo da sua carreira como, por exemplo, na F3 Inglesa, em 2003, e no GP do Canadá de 2007, quando corria na BMW —, Kubica não sofreu qualquer ferimento.
Robert Kubica se encontrou no rali e retomou sua carreira no automobilismo (Foto: Citroën Racing)

Aliás, esse acidente em Montreal, um ano antes de Robert conquistar sua primeira e única vitória na F1, acabou antecipando a estreia de Sebastian Vettel na F1. Com Kubica lesionado e sem condições de participar do GP dos Estados Unidos de 2007, a BMW recorreu ao seu piloto de testes, Vettel, de apenas 19 anos, para substituí-lo em Indianápolis e virar esse fenômeno do esporte que está na boca do povo nos dias de hoje.

Desde que começou a dar provas, ainda que tímidas, de recuperação do acidente em Gênova no rali, Kubica acabou procurando justamente a modalidade pela qual é apaixonado para voltar a acelerar e conseguir voltar de vez ao cenário do esporte. Embora estivesse sempre envolvido em rumores a respeito de um eventual retorno à F1 — sendo apontado, inclusive, como futuro sucessor de Felipe Massa na Ferrari —, Robert se encontrou no rali. E é no rali que o polaco, hoje com 28 anos, vai voltar a disputar, ainda que em uma classe inferior, uma etapa de um campeonato mundial. Entre os dias 11 e 14 de abril, Kubica vai participar do Rali de Portugal, etapa do Mundial de Rali, na classe WRC2, uma espécie de segunda divisão do certame.

Paralelamente à sua recuperação e afirmação como um dos nomes mais promissores do rali mundial na atualidade, Kubica acompanhou, ainda que de longe, uma F1 em transformação. O piloto teve, ainda que indiretamente, sua participação no retorno de um grande piloto à principal categoria do automobilismo mundial. Seu nome? Kimi Räikkönen. 
Antes de Gênova, o mais grave acidente de Kubica aconteceu no GP do Canadá de 2007 (Foto: Getty Images)

A Renault começou aquela temporada de 2011 de forma bem promissora. Voltando a usar a lendária pintura preta e dourada que tanto caracterizou a Lotus nos tempos de Emerson Fittipaldi, Mario Andretti e Ayrton Senna, a escuderia francesa, que à época era patrocinada pela Lotus — então, marca de propriedade da malaia Proton —, contava com Vitaly Petrov como segundo piloto, mas Kubica era a principal estrela e líder de um time que contava com um carro, o R31, de bastante potencial.

O carro aurinegro parecia ser tão bom que o polonês registrou o melhor tempo da primeira semana da pré-temporada, realizada no circuito Ricardo Tormo, em Valência. Aí veio o acidente de Robert em Gênova e, desde então, praticamente todo o planejamento feito por Enstone se perdeu.


O ano, que parecia ser muito interessante, foi praticamente jogado fora. Não havia, à época, um grande piloto disponível no mercado. Räikkönen, cujo retorno à F1 era especulado aqui e ali, se dizia muito feliz no WRC e entrava no seu segundo ano na categoria correndo pela Ice1 Racing, sua própria equipe em parceria com a Citroën. Sem muitas alternativas, Eric Boullier recorreu a Nick Heidfeld, que ganhou um duelo com Bruno Senna e ocupou o lugar de Kubica naquela temporada e fez dupla com o russo Petrov.

Tanto é fato que a Renault tinha um carro ajeitadinho naquele começo de ano em que Petrov, surpreendentemente, foi pódio em Melbourne, na primeira corrida do campeonato. Heidfeld repetiu a façanha no GP da Malásia e conquistou um terceiro lugar. Tudo parecia melhor que o script, mas depois veio a dura realidade e a dupla teuto-russa não fez um bom trabalho no desenvolvimento do R31, que fora construído ao estilo de pilotagem do piloto polonês.

Os resultados da Renault a partir de então foram, no máximo, discretos. Com Petrov trazendo muito dinheiro de patrocinadores locais, a equipe escolheu Heidfeld para deixar a equipe e trouxe Senna, reserva, para assumir seu lugar a partir do GP da Bélgica e reforçar o caixa com dinheiro brasileiro. Mas o primeiro-sobrinho foi até pior que Nick e somou apenas dois pontos, sendo nono lugar no GP da Itália. 2011, que indicava ser promissor e bem-sucedido, foi um fracasso para os aurinegros, que abandonaram o projeto do R31 depois da proibição do difusor aquecido e, principalmente, do mapeamento de motores, uma das polêmicas daquele ano.
Na F1, Kubica pintou como um dos pilotos mais promissores dos últimos anos (Foto: Getty Images)

Era preciso revolucionar aquele time. Sem um líder nato e com Kubica ainda em processo de recuperação — mas ainda figurando no site da equipe como um dos seus pilotos —, a Renault, passando a se chamar Lotus no ano seguinte, após acordo com Tony Fernandes, que batizaria a sua Lotus ‘verde’ de Caterham —, dispensou Senna e Petrov e surpreendeu o mundo ao anunciar a contratação de Räikkönen. Três anos depois, a F1 tinha de volta o irreverente finlandês no grid.

De certa forma, pode-se dizer que o retorno de Kimi à F1 foi motivado pela ausência de Kubica. É fato que Räikkönen foi cortejado pela Williams, que desejava formar uma dupla forte com Pastor Maldonado, montando uma combinação perfeita entre um campeão do mundo e um piloto que garantisse o orçamento. Mas entre uma equipe decadente e outra com maior capacidade técnica, o finlandês encerrou sua epopeia no rali mundial e optou pela Lotus para voltar à F1 como um dos astros de uma categoria que já contava com outros cinco campeões do mundo: Sebastian Vettel, Fernando Alonso, Lewis Hamilton, Jenson Button e Michael Schumacher.

Aí deu no que deu: a Lotus acertou em cheio ao trazer Kimi de volta. Trouxe um grande piloto e, de quebra, um cara capaz de elevar a escuderia também em termos de marketing. Era o cara que uma equipe como a Lotus precisava para se firmar de vez entre as grandes. Mas muito provavelmente Räikkönen não seria tão bem-sucedido assim se estivesse correndo em outro time, como a Williams, por exemplo. De certa forma, mesmo que bem indiretamente, a ausência de Kubica acabou por ajudar Kimi a se firmar de volta na F1 e a tornar a Lotus — que não é aquela Lotus, mas sim uma quarta geração de Toleman, Benetton e Renault — uma das grandes do grid.
Homem de mil vidas, Kubica venceu a morte após superar o grave acidente em Gênova (Foto: Divulgação)

Na contramão de toda essa história, Kubica fez exatamente o caminho inverso de Kimi, o que é curioso e interessante. Enquanto Räikkönen brilha no carro preto e dourado, que era de Robert, o polonês, que flertou com o DTM e até fez uma bateria de testes pela Mercedes naquele mesmo circuito de Valência, assumiu um lugar na Citroën Racing, que antigamente apoiou o campeão mundial de F1 em 2007, e começa a trilhar um caminho que parece ser bem promissor no rali. Prova disso é seu grande desempenho no primeiro dia do Rali das Ilhas Canárias, em sua estreia pela montadora francesa. 

O acidente, no fim das contas, acaba fazendo parte de uma modalidade tão extrema como é o rali. E Kubica, embora tenha participado de competições menores pela Europa, ainda está engatinhando na categoria, mas já desponta com um futuro promissor e pode, sem dúvidas, chegar à divisão principal do Mundial de Rali, o WRC, em um futuro próximo. Potencial não lhe falta. Vontade de triunfar no rali, também não. Por isso, a F1 parece ter ficado em segundo plano.
Robert Kubica estreou pela Citroën no Rali das Ilhas Canárias, em março (Foto: Citroën Racing)

Em uma entrevista bem interessante ao diário espanhol ‘AS’, Kubica disse que, por enquanto, não quer saber da ‘máxima’. “Não penso muito na F1. Minhas limitações não me deixam guiar um F1 no limite em alguns dos circuitos mais exigentes fisicamente. Também tenho limitações para correr nos ralis e, por isso, vou trabalhar duro neste ano”, comentou. Ao fim da sua afirmação, Robert disse, porém, que a F1 ainda não acabou para ele: “Se minhas limitações me permitirem, terei tempo para pensar em voltar à F1”, garantiu.

E parece que a própria Lotus pode lhe estender um tapete vermelho caso esteja pronto para voltar à categoria em breve. Nesta semana, Boullier disse que, se Kubica tiver condições físicas, é um dos candidatos a assumir um lugar de titular na escuderia de Enstone no ano que vem, talvez, no lugar de Räikkönen, que tem contrato somente até o fim desta temporada.

Kubica pode mesmo brilhar no rali, tem todas as condições para isso. Mas não seria nenhum absurdo acreditar que, num futuro não muito distante, ele possa voltar à Lotus para dar sequência ao trabalho iniciado em 2011 e voltar a lutar por vitórias e por um título. Para uma equipe que surpreendeu o mundo ao trazer Räikkönen de um período nos ralis, não seria inimaginável fazer o mesmo e colocar Kubica de volta a um cockpit após três anos, num retorno que, se ocorrer, será triunfal.
 
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