Lendas do Rali dos Sertões: Zé Hélio Rodrigues

Zé Hélio Rodrigues tem uma trajetória de sucesso no rali cross-country brasileiro, sendo consagrado como um dos maiores pilotos sob duas rodas da história do país. Hoje com 33 anos e retornando a competir nos carros, o paulista relembrou um pouco da sua carreira no Rali dos Sertões e destacou a rivalidade com Cyril Després, tetracampeão do Dakar

Consagrado como um dos maiores pilotos da história do rali cross-country do Brasil, José Hélio Rodrigues Filho, ou simplesmente Zé Hélio, abandonou as competições em duas rodas no começo deste ano, quando disputou pela última vez o Dakar nas motos, mas deixou uma carreira coberta de glórias. Nascido em São Paulo, o piloto, hoje com 33 anos, venceu o Rali dos Sertões em cinco oportunidades (1999, 2003, 2007, 2008 e 2009), é bicampeão brasileiro cross-country (em 2007 e 2010) e reúne ainda três participações no Dakar.

Ao lado de Jean Azevedo, Zé Hélio é o maior vencedor do Sertões nas motos. Jean estará entre os pilotos que vai disputar a histórica 20ª edição da prova, com início marcado para 18 de agosto, em São Luís. Mesmo que o piloto de São José dos Campos supere Zé Hélio, a história do ‘parrudo’ piloto paulistano ficará eternizada como uma das maiores da competição.

Isso porque, além do pentacampeonato, Rodrigues realizou uma façanha para poucos, e em duas oportunidades: em 2007 e 2008, o brasileiro bateu o ‘império austríaco’ da KTM, que tinha, na sua equipe de fábrica, nomes consagrados como Cyril Després, Marc Coma e David Casteu.

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A íntegra da terceira entrevista da série ‘Lendas do Rali dos Sertões’, feita para compor reportagem especial publicada na Revista WARM UP 28, Zé Hélio relembrou seu início na principal prova cross-country do Brasil, em 1995, quando revelou ter disputado a primeira prova com documentos falsos, destacou a evolução do profissionalismo da competição e falou, claro, sobre a rivalidade com Després.

Por telefone, direto da pousada gerida por sua família, na paradisíaca cidade baiana de Trancoso, Zé Hélio falou também sobre a despedida das competições de motos, no Dakar deste ano. O paulista deixou claro sua revolta com as decisões ‘à francesa’ da ASO — Amaury Sports Organisation —, empresa que promove o maior rali do mundo e que, de maneira polêmica, acabou beneficiando Després e o ajudou a conquistar o tetracampeonato em janeiro.

Confira a entrevista com o pentacampeão Zé Hélio Rodrigues:

Grande Prêmio: Zé Hélio, como você iniciou sua trajetória no Sertões? Quais foram as dificuldades todas para começar essa caminhada?

José Hélio Rodrigues: Eu já fazia algumas corridas de moto. Tudo bem light, nada muito profissional. E eu escutei uma história de uma corrida que saía de Campos do Jordão até Natal, no Rio Grande do Norte. Aí a gente foi atrás, para ver o que era e tal. E aí a gente viu que era o Rali dos Sertões, que na época ainda era o Rali São Francisco. Quando teve o primeiro Sertões, meu irmão participou, mas não pude competir porque ainda era bastante jovem. Mas ‘fiquei louco’, porque era aquilo que, correndo de moto, a minha paixão, eu gostaria de fazer. Então eu comecei a trabalhar para fazer isso dar certo.

Eu lembro que em 1995 foi a minha primeira participação de moto, com uma Suzuki, e eu tinha 16 anos de idade, era proibido na época, fui correr com documento falso e tudo. Mas já paguei por isso (risos). E foi ali que tudo começou.

Já no começo da minha carreira muita gente vinha falar que eu era bom, que era diferenciado, mas você nunca acredita muito, né? Mas aí as coisas começaram a dar certo, vi que eu tinha condições, e eu arrisquei. Aí acabou dando certo.

Lenda do Rali dos Sertões, Zé Hélio não disputa 20ª edição (Foto: Doni Castilho/Mundo Press)

GP: Desde 1995 até 2010, sua última participação no Rali dos Sertões, o que evoluiu na estrutura da prova? O que mais melhorou em sua opinião?

ZHR: Mudou demais. Transformou de uma aventura para uma prova extremamente profissional. Hoje em dia é algo tão profissional que é considerado o segundo maior rali do mundo, só atrás do Dakar. A evolução foi como um todo. As motos evoluíram, os pilotos evoluíram, a organização evoluiu, os sistemas evoluíram, mas o principal, em minha opinião, foi a evolução da prova. Eles conseguiram transformar isso tudo em um dos ralis mais importantes do mundo: deixaram de ser amadores para fazer uma prova vista em todo o mundo.

GP: Dentre todos os títulos alcançados no Rali dos Sertões, qual foi o mais marcante na tua carreira? Por quê?

ZHR: Ah, sem dúvidas, foi em 2007, quando tive de brigar com equipe KTM completa, que era o time mais forte, e eu tive de brigar com eles sozinho e com uma moto [Honda] quase 100% original de fábrica, nem suspensão e nem motor modificados, foi uma superação incrível. Foi o mais difícil, o mais importante e o mais brigado de todos. Em 2008 eu também tive de brigar com a escuderia KTM completa, e fora os outros, mas eu já tinha um equipamento relativamente melhor em relação a 2007; nem tinha comparação com o que eles tinham, mas era melhor em relação ao que eu tinha no ano anterior. Sem sombra de dúvidas, foram esses os anos mais difíceis.

GP: Sua carreira no Rali dos Sertões ficou muito marcada pela grande rivalidade com o Cyril Després. Como é competir contra o Després? E como foi batê-lo?

ZHR: Olha, competir com o Després não é uma coisa muito agradável, mas bater o Després é a coisa mais gostosa que existe. Porque, apesar de ele ser um grande campeão, ele não é uma pessoa muito bem quista, não só no Brasil, mas em qualquer lugar. Ninguém gosta muito do cara. E eu já competi também de igual para igual com Marc Coma, com outros pilotos que são até melhores que o Després, e é uma competição extremamente prazerosa, com gente que tem caráter, que gosta de esporte, que faz parte da competição, então tudo é mais agradável. E com o Després o clima é outro: ele não é lá uma pessoa muito sociável… Então, competir com ele é um pouco desagradável, mas ganhar dele é muito bom!

GP: E já que estamos falando em Després, saindo um pouco do Sertões e indo ao Dakar 2012, como foi toda a repercussão da atitude polêmica dele ao ser ajudado pelo Paulo Gonçalves, em um atoleiro, e não retribuir a ajuda, abandonando o luso e seguindo sua prova?

ZHR: Eu acompanhei isso de perto. Primeiro porque o Paulo era da minha equipe [Husqvarna], também tive esse problema, fiquei lá atolado. A repercussão lá no acampamento não foi de muita surpresa, já que todo mundo já sabe um pouco o caráter dele e já sabia que isso era esperado. A repercussão foi até maior em cima do Paulo, por ele ter feito aquilo e ter voltado para ajudar, porque já era quase certeza que ele ia ficar lá. E também, outra coisa, a repercussão ficou maior ainda em cima da organização, a ASO. Falam muito que a organização defende os pilotos franceses. Eu, particularmente, não acreditava muito não, mas depois daquilo, infelizmente aí eu passei a acreditar.

A organização tirou o tempo de atraso dele, porque, com o atolamento, o Marc Coma assumiria a liderança com dez minutos e pouco à frente, e eles devolveram o tempo do Després, que ficou lá atolado. Devolveram só para ele. Para os outros 50 pilotos que, como eu, ficaram atolados lá, como o Felipe Zanol, inclusive, devolveram só para os três primeiros, só para não falar que devolveram apenas para o Després. Agora, devolver o tempo só para os três primeiros? Eu não sei. Todo mundo atola em uma prova de rali como essa: atola na lama, atola na duna, atola no ‘areião’ às vezes. Então ficou algo meio sem nexo e que acabou virando muito mais para cima da organização do que contra ato que ele cometeu.

Essa foi a minha última prova, já fiz para competir, e não para ganhar, mas saí um pouco decepcionado com o esporte. A gente vê uma organização como a ASO tomar uma atitude como essa. Saí feliz pela carreira vitoriosa que eu tive, foi muito legal para mim ter encerrado a minha carreira na rampa de chegada do Dakar, mas ao mesmo tempo, saí com um gosto ruim pelo fato de a prova ter sido definida no tapetão.

GP: Voltando ao Sertões e ao rali aqui no Brasil, como está sendo voltar a competir nos carros? E existe alguma chance de você voltar ao Sertões, dessa vez, nas quatro rodas, aproveitando o bom desempenho na Mitsubishi Cup?

ZHR: Na verdade, estou aprendendo e não reaprendendo. Eu fiz dois Sertões de carro, com meu irmão, em 1996 e 1997, e naquela época era muito mais uma aventura do que qualquer outra coisa. Estou aprendendo, estou gostando, é uma grande paixão minha. E também é menos perigoso do que andar de moto. A minha adaptação está sendo mais rápida do que eu imaginava. Mas, financeiramente, é um pouco mais complicado. Como se eu gastasse nos carros 6 X, enquanto nas motos eu gastava X. É muito bom, mas o custo é muito mais elevado.

De volta aos carros, Zé Hélio ficou surpreso com bom desempenho na Mitsubishi Cup (Foto: Cadu Rolim/Mundo Press)

Eu tenho um projeto muito legal para 2013 e 2014. Como eu não esperava ir tão bem na Mitsubishi Cup nesse ano, então eu não me planejei para estar no Rali dos Sertões de 2012 nos carros, e eu já me arrependi. Então estou correndo atrás, ainda estou tentando um patrocinador para correr no Sertões, mas tá muito difícil, acho que não vai dar. Meu projeto para os próximos anos é competir com carro de ponta e lutar pela vitória. Eu não ia conseguir competir só por competir.

GP: Gostou do novo roteiro desenvolvido para o Sertões 2012? Qual sua opinião a respeito do trajeto saindo de São Luís e terminando em Fortaleza?

ZHR: Eu achei muito interessante. Sou da época que o Sertões ainda largava na Praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu, e agora, ver a prova começar de São Luís, é muito bom. Nosso país é muito propício para o rali, principalmente o Norte-Nordeste, então acho que vai ser uma prova muito interessante, nas dunas e para dentro do sertão.

GP: Por fim, agora que você não vai mais estar no Sertões — pelo menos não nas motos — quem você elege como seu sucessor, digamos assim, na prova?

ZHR: Eu acredito muito no Felipe Zanol. Ele já mostrou que tem capacidade, tanto no Sertões quanto no Dakar. Ele ainda é muito novo no rali, mas mesmo assim, sendo um novato, ele já mostrou capacidade. Ele pode e deve se tornar um grande campeão.

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