Por que UFMG trava batalha contra corrida de rua da Stock Car em Belo Horizonte

Categoria enfrenta guerra contra Universidade Federal de Minas Gerais e moradores: ruído dos carros pode provocar grave impacto em estudos que são desenvolvidos por pesquisadores nos prédios situados nos arredores do Mineirão, onde será montado circuito

A Stock Car enfrenta dura resistência para realizar uma inédita corrida nas ruas de Belo Horizonte neste ano. Ativistas, moradores do entorno e membros de laboratórios de pesquisas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) protagonizam uma intensa batalha contra a etapa na capital mineira praticamente desde o anúncio do evento, no fim de 2023 — quando a cidade assinou acordo de cinco anos com a categoria. O caso chegou aos tribunais.

E por ora, a disputa segue aberta, restando pouco menos de uma semana para o evento. No fim de julho, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) havia negado um pedido de liminar proposto pela UFMG conexo com a Ação Civil Pública nº 6032015- 20.2024.4.06.3800, que solicitava a suspensão imediata dos preparativos para a corrida, programada entre os dias 15 e 18 de agosto. Acontece que, nesta quarta-feira (7), o desembargador Lincoln Rodrigues de Faria, relator do caso, deferiu parcialmente o pedido do Ministério Público Federal, que também intentou Ação Civil Pública paralela (Proc nº 6032071-53.2024.4.06.3800), determinando que a organização da corrida da Stock Car submeta a proposta para reduzir o efeito dos ruídos dos carros a um assistente técnico, indicado pelo MPF.

De fato, a história parece sem fim. A discussão em torno da realização da prova se dá diante do temor de um sério impacto ambiental na região. O circuito elaborado para a corrida está localizado nos arredores do Estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão. A escolha foi inspirada nas corridas de rua em Belo Horizonte nas décadas de 1960 e 1970, quando era tradição realizar provas nos arredores do estádio aos fins de semana. Inclusive, nomes importantes do automobilismo brasileiro, como os irmãos Wilson e Emerson Fittipaldi, fizeram participações em uma das edições da velha geração do evento mineiro.

O GRANDE PRÊMIO obteve informações detalhadas sobre os extensos questionamentos levantados tanto pela UFMG quanto por diversos grupos de moradores. Todos apontam para uma lista de efeitos negativos devido à realização da corrida — que vão desde preocupação com o trânsito, passando pelo corte de árvores e reformas gerais, até o receio quanto à interferência sonora. Houve reuniões entre a comunidade e a organização da Stock Car desde os primeiros meses deste ano. E, embora os promotores tenham falado sobre os processos de mitigação do impacto ambiental, a resposta dos moradores da região foi sempre a mesma: contrariedade diante da etapa na região da Pampulha.

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Stock Car trabalha nos preparativos para a etapa em Belo Horizonte (Foto: Reprodução)

A realidade é que a rejeição não é necessariamente contra a Stock Car, mas, sim, contra o local da corrida. O traçado por onde os carros vão passar inclui as avenidas Presidente Carlos Luz, Rei Pelé e Coronel Oscar Paschoal. Só que, a poucos metros de onde será instalada a pista, estão também diversos prédios da UFMG, como, por exemplo, o Hospital e a Escola de Veterinária, a Faculdade de Farmácia, o Biotério Central e o Instituto de Ciências Biológicas (ICB).

O Hospital Veterinário da UFMG é o maior da América Latina e atende animais atropelados nas rodovias, do Zoológico de Belo Horizonte, além de animais de estimação, como cachorros e gatos. O local também faz pesquisas com diferentes membros da fauna.

O ICB, por sua vez, é um dos principais institutos de pesquisa do Brasil e da América Latina. O local realiza análises variadas, desde estudos básicos envolvendo mecanismos celulares e moleculares, até pesquisas já aplicadas, como para identificar a melhor plataforma para o desenvolvimento de uma vacina. Aliás, vacinas também são produzidas por lá, ainda que em pequena escala. O instituto trabalha também com o desenvolvimento de fármacos para doenças neurodegenerativas, pesquisas na área de reprodução humana e animal, estudos com células-tronco e desenvolvimento das espécies, tanto animal quanto botânica.

Quando o projeto para a realização da Stock Car neste local veio a público, ficou claro que seria preciso um pacote de reformas que envolveu, entre outras medidas, o corte de mais de 60 árvores, mas com um trabalho de compensação, com replantio em outra área — garantido pela organização do evento. Porém, o efeito do ruído dos carros gerou maior preocupação, porque é considerado uma ameaça aos animais situados por ali, principalmente aqueles sob os cuidados da UFMG. A partir daí, a Universidade iniciou uma ampla campanha contra a corrida neste ponto da cidade, e a discussão foi parar na Justiça.

O GRANDE PRÊMIO conversou com Marcelo Guilherme de Dias, Mestre em fisiologia animal e doutorando em ecologia na UFMG, e com Gleide Fernandes de Avelar, médica veterinária e docente na UFMG no Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), para entender o impacto da corrida nas pesquisas em desenvolvimento naquela região.

Isso porque o regulamento da Stock Car diz que, “dentro dos boxes, todos os veículos, com os motores acionados, deverão, obrigatoriamente, usar silencioso na ponteira do escapamento” e que “o ruído máximo tolerado não pode ser superior a 110 decibéis (A), com o motor a 4.500 RPM e pedal da embreagem acionado”. Por isso, a preocupação quanto ao impacto sonoro na região.

A Stock Car fechou um contrato de cinco anos com Belo Horizonte (Foto: Marcelo Machado de Melo)

“Nossa preocupação maior é com a intensidade sonora que vai atingir níveis elevados. Temos esse receio porque os animais têm uma sensibilidade auditiva absurdamente alta. Então eles percebem sons dentro de um intervalo muito maior do que o nosso. Eles percebem infrassom, ultrassom, tudo em um comprimento de onda diferente”, explicou Fernandes de Avelar.

“O Guia Brasileiro de Experimentação Animal, documento que foi editado e produzido pelo Concea (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal), é onde temos diversas resoluções que tratam sobre cuidados com os animais experimentais. Neste guia encontramos orientações sobre todas as espécies e lá deixa claro que elas não devem ser expostas a intensidade sonora acima de 85 dB. O regulamento diz que o limite é 110 dB nos boxes. Tudo bem, pode existir uma certa distância e o som pode ser reduzido até chegar ao laboratório, mas a gente precisa que eles façam uma aferição do ruído de dentro do nosso prédio”, seguiu o docente.

Dias também explicou que o ruído pode causar um nível elevado de estresse nos animais e levá-los à morte. É algo que, consequentemente, também tem condições de impactar em pesquisas de doutorado ou no desenvolvimento de medicamentos que são estudados nos laboratórios. “Alguns estudos de comportamento animal mostram que esse estresse pode gerar mortes. Aí, imagina, você faz um doutorado estudando problemas de hipertensão arterial. Você tem todo seu protocolo, mas chega na segunda-feira pós-corrida e encontra boa parte de seus bichos mortos por estresse”, apontou o doutorando.

“A corrida está apontada para o lado que mais tem laboratórios de experimentação animal, que é o da bioquímica, imunologia, genética e Biotério Central. Teria de parar todas as pesquisas de doutorado relacionadas à experimentação animal, pesquisa de vacinas, e as que seguirem possivelmente vão ser prejudicadas”, seguiu.

“A chance de um animal sob estresse ter um ataque cardíaco, um problema de arritmia, é muito maior. O animal não sabe que todo aquele barulho é por causa de uma corrida. E essas mortes podem prejudicar o resultado das pesquisas. O medicamento que está sendo desenvolvido talvez até possa ser efetivo, mas seu rato morreu por causa do estresse a que foi submetido, e não necessariamente pela ineficácia da medicação”, analisou.

O Biotério Central ainda é responsável pela produção de linhagens de camundongos e de ratos para pesquisas. O local atende também a escola de medicina e outras instituições de fora do eixo da UFMG, que podem comprar de lá o animal experimental.

Além disso, o ICB trabalha com linhagem transgênica, que são bichos geneticamente modificados para caracterizar algum aspecto específico, por exemplo, de uma proteína humana, para realizar teste de algum medicamento ou vacina. Esse tipo de linhagem no Brasil só é encontrado no ICB. Elas são compradas no exterior e trazidas para o país, e existe uma legislação para lidar com esses animais, isso sem mencionar o alto custo.

“Imagina quantos desses animais podem ter características autistas? A sensibilidade dele é diferente. Existem muitos detalhes que talvez não estejam sendo levados em consideração. É importante ter um estudo bem delineado para que se garanta que não haverá impacto dentro dessas instalações”, disse Avelar.

“O som ultrapassando 85 dB gera condições de sofrimento ao animal. Há trabalhos na literatura que apontam que até faixas inferiores a essa são suficientes para causar alterações fisiológicas significativas. E isso interfere em todo o sistema orgânico. Pode alterar a reprodução e experimentos em andamento”, completou a veterinária.

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Stock Car iniciou os trabalhos na região do Mineirão ainda no início do ano (Foto: Reprodução)

Os responsáveis pela organização da Stock Car em Belo Horizonte defenderam um plano para construir uma barreira de som para amenizar o ruído na região, principalmente nas instalações da UFMG. Existe o temor, no entanto, de que a cobertura acústica não seja suficiente para manter o bem-estar da fauna local. Inclusive, esse foi um ponto de enorme debate entre a Universidade e a organização da corrida durante os últimos meses. Diante do impasse, o Ministério Público Federal, após tomar conhecimento da situação por meio da Universidade, entrou em cena, ao ajuizar uma “ação civil pública com requerimento de tutela de urgência em face da Speed Seven Participações LTDA e DM Corporate LTDA [empresas que organizam a etapa da Stock Car em Belo Horizonte], visando proteger o patrimônio científico e natural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)”.

Os pedidos iniciais do MPF incluíam a suspensão imediata da venda de ingressos e da instalação de infraestrutura para o evento; a demonstração da adequação do evento aos limites de ruído estabelecidos pela legislação municipal; a apresentação de propostas detalhadas de mitigação acústica e sua viabilidade de implantação; a avaliação dos riscos de danos aos equipamentos de pesquisa sensíveis às vibrações geradas pela corrida; a submissão dos estudos e propostas a um assistente técnico para avaliação.

Em resposta, a primeira instância deferiu parcialmente a liminar, “determinando que os réus apresentassem, no prazo de 10 dias, uma proposta de mitigação acústica detalhada e tecnicamente suficiente para os pontos sensíveis da UFMG”. Além disso, as empresas foram intimadas a oferecer contestação em 15 dias, especificando as provas que pretendiam produzir.

Atendendo à decisão liminar, a Speed Seven Participações LTDA e a DM Corporate LTDA apresentaram um Plano de Mitigação de Ruídos. O plano detalhava medidas como a instalação de barreiras acústicas e cortinas acústicas ao longo do percurso da corrida, especialmente nas proximidades do Hospital Veterinário e dos biotérios da UFMG. O plano também incluía resultados de simulações acústicas que mostravam a eficácia das barreiras propostas. As barreiras acústicas foram planejadas para ter 3 m de altura, com comprimentos variados para diferentes áreas sensíveis, e as cortinas acústicas seriam instaladas diretamente sobre os guard-rails do circuito.

Em resposta ao plano apresentado, o Ministério Público Federal submeteu uma petição apontando a insuficiência das medidas propostas pela Speed Seven Participações LTDA. O texto argumentou que o plano não atendia aos rigorosos requisitos da legislação municipal sobre poluição sonora. De acordo com o MPF, “o impacto sonoro previsto para a região do Hospital Veterinário era de 65,8 dB, significativamente acima do limite legal de 55 dB. Além disso, para outros pontos, como os biotérios de cães e macacos, as medidas de mitigação também eram claramente inadequadas, com níveis de ruído previstos ultrapassando o limite de 70 dB”.

O MPF destacou também que “a corrida estava em flagrante desconformidade com o parágrafo 06º do art. 04º da Lei Municipal nº 9505, que estabelece limites de ruído específicos para áreas sensíveis como hospitais e bibliotecas”. A estrutura dos biotérios é projetada para “condições ambientais rigorosas, e o estresse sensorial causado pelos ruídos poderia causar agitação aguda, traumas e até a morte de animais, comprometendo a confiabilidade das pesquisas científicas conduzidas na UFMG”, segundo o texto.

Além disso, o MPF ressaltou que as empresas não apresentaram anuência da UFMG para medidas como o fechamento de portas e janelas, o que inviabilizava a eficácia das medidas de mitigação pretendidas. A documentação técnica submetida pela Speed Seven foi criticada por não atestar, de forma confiável, a correção e suficiência das técnicas utilizadas, sendo insuficiente para autorizar a realização do evento.

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Moradores e membros da UFMG também se queixaram da mudança no trânsito (Foto: Bernardo Castro/GRANDE PRÊMIO)

O MPF ainda requereu nova liminar para a suspensão da realização do evento devido à não conformidade com a legislação sobre poluição sonora. E pediu que os organizadores deixassem de realizar a corrida nos trechos de maior impacto sonoro ao Hospital Veterinário e aos biotérios, considerando insuficiente a proposta de mitigação.

Para o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, “a localização do circuito é incompatível com a corrida automobilística, que, por dias e períodos contínuos, causará aguda perturbação sonora, causando impacto direto à fauna local. Estudos apontam que a previsão de ruído se dará em níveis suficientes para causar estresse severo e até a morte de animais em tratamento no hospital veterinário da UFMG ou abrigados nos biotérios de pesquisas”.

“O local foi determinado sem prévia consulta à UFMG e à comunidade local, sendo que os impactos poderão ser comprometedores em relação à confiabilidade de inúmeras pesquisas científicas e seu investimento subjacente, podendo gerar prejuízo científico, monetário, ambiental e social inestimáveis”, seguiu o procurador.

O MPF ainda solicitou que os organizadores interrompessem a venda de ingressos e atos de infraestrutura do evento até que a viabilidade técnica e fática das medidas mitigadoras seja comprovada. O pedido era considerado “crucial para assegurar que a integridade do patrimônio ambiental e científico não seja comprometida por interesses econômicos antes que uma decisão final seja tomada”. A “urgência e a necessidade dessa medida são ressaltadas pela irreversibilidade dos potenciais danos ecológicos e científicos envolvidos no caso”.

Esse vem sendo um dos maiores capítulos da batalha entre a UFMG e a organização mineira da Stock Car neste momento. “Já está devidamente comprovado que a corrida gera ruídos muito acima dos níveis permitidos pela legislação, uma vez que alcançam um patamar muito superior àquele que os animais do Hospital Veterinário e do Biotério Central conseguem suportar. Não há intervenção acústica que consiga minimizar os danos a níveis aceitáveis, por isso a UFMG sempre se posicionou contrariamente à realização da prova nas imediações do campus Pampulha”, afirmou a reitora Sandra Regina Goulart Almeida em nota.

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Um dos trechos do traçado de 3.200 m na região da Pampulha, em Belo Horizonte (Foto: Reprodução)

Por outro lado, na primeira decisão do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, que permitiu que a Stock Car seguisse com os preparativos para a corrida, o desembargador relator, Lincoln Rodrigues de Faria, considerou os seguintes pontos: “a importância de respeitar a separação dos poderes, ressaltando que a autorização para a realização do evento foi concedida pelo Poder Executivo Municipal e que as tratativas para a concessão da licença ambiental estavam em andamento; os esforços de mitigação, mencionando que os organizadores do evento e o Município de Belo Horizonte estavam envidando esforços para reduzir os impactos sonoros, incluindo a implantação de barreiras acústicas, com estudos técnicos e simulações acústicas indicando que, com as medidas mitigadoras, os níveis de pressão sonora estariam dentro dos limites estabelecidos pela legislação; o interesse econômico, destacando os investimentos já realizados e os contratos firmados com empresas e funcionários, considerando que a suspensão do evento causaria danos econômicos significativos; o princípio da precaução, apesar da aplicação do princípio que prioriza a proteção ambiental na ausência de certeza científica, o Tribunal entendeu que as medidas mitigadoras propostas eram suficientes para garantir a realização do evento sem causar danos irreparáveis ao meio ambiente e às atividades da UFMG; e o licenciamento ambiental, esclarecendo que, por se tratar de um evento eventual, com duração máxima de 90 dias por ano, não era necessário o licenciamento ambiental, conforme a legislação municipal”.

A Procuradoria Geral do município de Belo Horizonte também se manifestou a favor da realização da etapa da Stock Car. A Procuradoria defende que o evento trará um impacto econômico positivo significativo para a capital, gerando empregos e renda, promovendo investimentos, estimulando a economia local, aumentando o consumo de bens e serviços, atraindo turistas. Além disso, foram “implementadas medidas compensatórias e mitigadoras, como o plantio de mais de mil árvores na região da Pampulha e a instalação de barreiras acústicas ao longo das avenidas entre a pista e o campus da UFMG para reduzir o impacto sonoro”.

A realização do evento recebeu pareceres favoráveis de órgãos competentes e foi firmado um Termo de Compromisso com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais para assegurar a obtenção de todas as licenças e autorizações necessárias. A Procuradoria também argumentou que a UFMG não adotou uma postura colaborativa, recusando-se a participar de procedimentos de mediação e outras iniciativas destinadas a mitigar os impactos do evento. Além disso, a Procuradoria sustentou que o evento não requer licenciamento ambiental por ser temporário e não um empreendimento duradouro, conforme estipulado pela legislação municipal.

Em um esforço adicional, a Procuradoria ainda buscou atribuir a conexão com a ação civil pública, ajuizada pela UFMG, que tem prevenção do desembargador Rodrigues de Faria. O desembargador já havia indeferido um efeito suspensivo, considerando pertinente a realização do evento e destacando a necessidade de equilibrar os impactos ambientais com os benefícios econômicos e sociais da corrida.

Ainda sobre a ação pública intentada pelo MPF, o GRANDE PRÊMIO apurou que o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Estado de Minas Gerais (CAU/MG) solicitou, na última terça-feira, “habilitação nos autos como amicus curiae” — isto é, como entidade especializada e com representatividade capaz de fornecer subsídios para o juízo. O CAU/MG apresentou uma série de argumentos técnicos detalhados sobre as insuficiências das medidas propostas para o evento, destacando que, apesar de as empresas terem apresentado um “Plano de Trabalho de Mitigação e Monitoramento de Ruído”, as medidas propostas, como a instalação de barreiras acústicas, foram consideradas tecnicamente insuficientes para atender aos limites legais de ruído, especialmente no entorno da UFMG. A comissão temporária instituída pelo CAU/MG, composta por arquitetos e urbanistas especializados em Planejamento Urbano e Conforto Ambiental, concluiu que as barreiras acústicas propostas não seriam eficazes para reduzir os níveis de ruído aos padrões exigidos pela legislação.

Em paralelo, o Ministério Público Federal agravou o pedido na tentativa de reformar a decisão que concedeu a liminar apenas de forma parcial, para determinar que os organizadores do evento apresentassem, no prazo de dez dias, proposta de mitigação acústica nos pontos de impacto biologicamente sensíveis da UFMG. O MPF busca a concessão da antecipação dos efeitos da tutela para determinar que os estudos e propostas de mitigação apresentados na ação pública sejam submetidos à avaliação de um assistente técnico, indicando a AECOM do Brasil devido à expertise e conhecimento prévio sobre o tema. Além disso, o MPF insistiu que os organizadores se abstenham de promover a venda de ingressos e de realizar atos de infraestrutura do evento até que a suficiência e viabilidade técnica e fática das medidas mitigadoras sejam demonstradas.

Então, na última quarta-feira, o desembargador Lincoln Rodrigues de Faria, relator do caso, deferiu parcialmente esse pedido do MPF, determinando que os estudos e a proposta de mitigação apresentados pela organização da corrida sejam submetidos à avaliação de um assistente técnico indicado pelo MPF. No entanto, em sua decisão, o desembargador considerou prejudicado o pedido de proibição de venda de ingressos e realização de atos preparatórios do evento. Segundo Rodrigues de Faria, não há mais pendência de demonstração da proposta de mitigação acústica, uma vez que esta foi recentemente apresentada pelos promotores no fim de julho.

O desembargador ressaltou que o MPF, com as novas provas existentes, já formulou um novo pedido liminar em 2 de agosto, buscando uma pretensão mais abrangente: a suspensão da realização da etapa da Stock Car, devido à sua não adequação à legislação municipal sobre poluição sonora. Ainda, relator determinou que a decisão sobre a realização da corrida, “à luz das novas provas apresentadas, deve ser realizada pelo juízo originário”.

Com essa decisão, a Juíza Federal Adriane Luisa Vieira Trindade terá agora a responsabilidade de analisar os demais pedidos do MPF, incluindo a questão da proibição de venda de ingressos e realização de atos preparatórios do evento, com base nas novas provas apresentadas e na avaliação do assistente técnico. A juíza também deverá deliberar sobre a habilitação do CAU/MG e considerar os argumentos técnicos detalhados apresentados pelo conselho.

Portanto, o futuro da etapa da Stock Car em Belo Horizonte permanece incerto, restando ainda poucos dias para a etapa, a sétima da temporada 2024.

As árvores cortadas em Belo Horizonte (Foto: Reprodução)

Mas antes de todo o imbróglio envolvendo a UFMG, houve também a questão do corte de árvores da região, que contava com diferentes espécies, como Pau Ferro, Oiti, Saboneteira, Sapucaia e Ipês Branco e Amarelo (declarados imunes de corte pela legislação estadual). A decisão final também acabou em briga judicial.

Em 21 de fevereiro deste ano foi realizada uma reunião com o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam) de Belo Horizonte, que aprovou, por 10 votos a 2, as licenças ambientais para a realização da corrida. Uma semana depois, a Prefeitura iniciou o corte das árvores no entorno do estádio. Porém, uma liminar movida pelos vereadores Pedro Patrus e Bruno Pedralva (ambos do PT) suspendeu o corte de árvores na região. Mesmo com a aprovação do Comam, os manifestantes alegaram que a Prefeitura deveria ter realizado uma consulta pública antes de iniciar a supressão.

Mas o caso ganhou uma nova direção e a liminar movida por Patrus e Pedralva foi suspensa pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), após decisão proferida pelo presidente do TJMG, o desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho.

“À vista do exposto, defiro pleito do município de Belo Horizonte para suspender a eficácia da decisão liminar proferida nos autos da ação popular nº 5048784-71.2024.8.13.0024. Declaro que os efeitos da decisão suspensiva deverão subsistir até o trânsito em julgado da ação, nos termos já expostos. Comunique-se, com urgência, ao juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública Municipal da Comarca da Capital. Intime-se. Cumpra-se”, decidiu o desembargador.

A Prefeitura finalizou os cortes em menos de uma semana para adaptar o local para a realização da Stock Car. O prefeito, Fuad Noman (PSD), colocou-se favorável à realização do evento e reforçou, após uma agenda na região Oeste de Belo Horizonte, que a medida não era tão grave quanto parecia.

“Estamos criando problemas com uma coisa que, em tese, não me parece tão grave. Se nós estivéssemos destruindo, acabando com tudo, era outra coisa. Este ano temos plantações estimadas de mais de 30 mil árvores como um todo. Estamos criando miniflorestas na cidade inteira”, disse Noman.

Através do perfil nas redes sociais, a Prefeitura de Belo Horizonte fez uma publicação com o ‘fato ou fake’ a respeito da realização da Stock Car e reforçou que, para compensar os cortes, “serão plantadas 688 novas árvores e a empresa produtora do evento será responsável pela sua manutenção durante cinco anos”.

A primeira ação de medida compensatória foi realizada em outro trecho da Avenida Carlos Luz, com o replantio de 63 árvores. As que foram plantadas têm entre 2,5 e 6 metros de altura e correspondem às mesmas espécies que foram suprimidas.

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Stock Car seguiu os preparativos para a corrida de rua, apesar das queixas (Foto: Bernardo Castro/GRANDE PRÊMIO)

Em uma primeira análise, dizer que serão replantadas 688 árvores para compensar o corte de outras 63 parece um ganho considerável para o meio ambiente. Porém, não é bem assim que as coisas funcionam. Quem explica é o engenheiro ambiental Felipe Gomes.

“A gente fala que é a compensação que não compensa. Muitas dessas mudas que são plantadas não chegam à vida adulta, seja por vandalismo, plantio inadequado, época inadequada, falta de manutenção, formigas, pragas, entre tantos outros motivos. Na compensação para a reforma do Mineirão [para a Copa do Mundo de 2014], 40% das mudas plantadas morreram e até hoje não foram replantadas pela Minas Arena [empresa responsável pela administração do estádio]. Nesse caso, essa empresa [que promove a Stock Car] vai replantar todas que morrerem? Ou nós, belorizontinos, vamos ter de pagar por todas essas árvores que morrerem?”, questionou Felipe.

Os eventuais gastos do dinheiro público não são os únicos problemas apontados pelo engenheiro ambiental. De acordo com Gomes, os impactos dessa compensação só devem ser sentidos a longo prazo, uma vez que o serviço ecossistêmico promovido por uma árvore adulta é “infinitamente superior” ao de uma muda.

“Ali na região havia árvores de 30 anos, 40 anos. Então, vai demorar o mesmo tempo, 20, 30, 40 anos, talvez. Também havia árvores de menor porte, que foram árvores que vieram da compensação da Minas Arena. Então nós estamos aí com uma compensação feita há dez anos, que agora estava começando a ter um porte razoável, e eles cortaram, suprimiram essas árvores e vão plantar mudas novamente. Então, vira a tal da compensação eterna, né? Planto para compensar, só que ponho um novo empreendimento onde plantei, corto de novo, planto em outro lugar e depois vou fazer um outro empreendimento lá e assim segue sem fim”, apontou Felipe.

O Mineirão precisou passar por reformas para receber os jogos da Copa do Mundo de 2014 e, para isso, foi necessário cortar cerca de 777 árvores. Como consequência, Felipe explicou que a supressão resultou no aumento das ilhas de calor e da temperatura local. Além disso, moradores começaram a relatar que a aparição de ratos e animais silvestres se tornaram mais frequentes em suas casas — problema que pode voltar a acontecer, ainda que em menor escala. O engenheiro ambiental finalizou explicando a importância das árvores para o meio ambiente.

“Uma árvore funciona como se fosse dez ares-condicionados ligados na potência máxima, sem consumir um kW de energia. Uma árvore adulta filtra 28 kg de material particulado e outros poluentes atmosféricos por ano. Ela reduz a temperatura em pelo menos 4°C. Ela funciona como um corredor ecológico para a fauna”, explicou ao GRANDE PRÊMIO.

“E se faz sentido a gente pensar, ‘ah, mas vamos replantar, mudas e tal’. Se você pegar o serviço ecossistêmico mais básico de uma árvore, que é a sombra que ela fornece, quanto tempo vai demorar para que a sombra de uma simples muda se transforme em uma sombra de uma árvore? Então os danos para a população são imensos, em especial para o microclima local, que já foi extremamente impactado com toda reforma do Mineirão”, finalizou.

A Stock Car crê em benefícios à cidade de Belo Horizonte (Foto: Marcelo Machado de Melo)

O que diz a Stock Car

O GRANDE PRÊMIO também questionou a Stock Car sobre as questões levantadas pela UFMG e as ações diante da realização da prova. Sobre os protestos, a série nacional afirmou que “o projeto oferece à cidade um amplo leque de benefícios, nos campos social, financeiro, tributário e ambiental, entre outros. O projeto de competir naquela região surgiu em função da tradição e história do automobilismo em Minas Gerais, que já realizou provas de rua importantes naquele entorno. Sobre as 63 árvores retiradas, se é sobre elas a pergunta, nós plantamos 63 da mesma espécie, adultas e na mesma região na mesma semana, e iremos plantar mais 1600. Ou seja, BH vai ser mais verde depois da Stock Car”.

“Em contrapartida, deveriam ser plantadas 688 novas árvores. Mas, além da compensação exigida pelo COMAM, num compromisso público oficial, a organização da Stock Car se comprometeu a plantar, até a data do início da corrida, outras 1.000 árvores, num total de 1688 árvores. Uma compensação com aumento de quase 2.700% do número de árvores retiradas do local”, seguiu.

O campeonato também revelou que chegou, sim, a estudar uma área diferente para a realização da corrida. “Chegamos a estudar fazer no aeroporto da Pampulha, mas devido ao uso de aeronaves particulares, não foi possível. Estamos bastante satisfeitos com o projeto de implantação realizado pela empresa Speed Seven, homologado pela Vicar para a realização da prova”, disse o texto, enviado pela assessoria da Stock Car.

O GP ainda perguntou sobre os temores em relação aos animais e às pesquisas realizadas no entorno, além do corte das árvores. “Temos de ser claros que está havendo uma politização do tema e querem jogar essa conta para Stock Car. A promotora local teve conversas com a Universidade e apresentou o projeto. Certamente nossos planos de gestão de trânsito, monitoramento de ruído e eficácia acústica serão mais eficazes do que aqueles já implantados durante a realização de eventos musicais com trios elétricos por horas na região, festa de calouros promovidas dentro da UFMG, ou jogos com frequência e que durante décadas ocorrem na região da Pampulha. Além de semanais, alguns desses eventos contaram com trio elétrico e tiveram inclusive a dimensão de partidas da Copa do Mundo de Futebol de 2014. Em relação ao trânsito é importante também destacar que o evento Stock Car BH terá início no feriado do dia 15 de agosto e término no domingo, dia 18 daquele mês.”

O GRANDE PRÊMIO também entrou em contato com a promotora do evento em Belo Horizonte sobre as ações da UFMG, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto.

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