Coluna Warm Up, por Flavio Gomes: Sato-san

Não deu. Nós, ocidentais, ficaríamos arrasados e emburrados se estivéssemos no seu lugar. E inconformados e ressentidos. Colocaríamos a culpa em alguém. Você, não. Você, primeiro, aplaudiu seu adversário mal cruzou a linha de chegada. Ainda dentro do carro, coisa linda

Vocês, japoneses, são os pilotos mais legais do mundo. Desde lá longe, com Nakajima, sempre foram muito gentis, cordatos e trabalhadores. Nunca se incomodaram com nosso ar superior, com o jeito de tratá-los como se fossem animaizinhos exóticos no zoológico. A fama de barbeiros é injustificável. Coisa de ocidentais que, no fundo, morrem de inveja de sua força interior.

Inveja talvez não seja a palavra. Espanto. É isso. A gente fica espantado com vocês. O tempo todo. Gozado que na F-1 sempre os tratamos com desdém como pilotos, mas com verdadeira reverência quando o assunto era outro. Motores, por exemplo. Osamu Goto, lembra? Era um semideus na Honda. Senna foi um dos primeiros a devotar a vocês esse respeito que, na maioria das vezes, não temos. Somos ridículos, os ocidentais.

Tenho alguns bons amigos no Japão, a maioria brasileiros. Brasileiros-japoneses. Nisseis, sanseis, nunca sei direito. Amigos dos tempos em que ir a Suzuka todos os anos era um martírio, pelas horas de voo e pelo fuso horário (eu, na verdade, nunca me incomodei tanto; agora, que é duro ir para o Japão, isso é…). Mas era uma viagem que se transformava na melhor de todas assim que avistávamos a turma nos esperando com suas vans no aeroporto de Nagoia. Amáveis, solícitos, parceiros, amigos de verdade e para sempre. Fora o público no autódromo. Não há nada igual no mundo. No universo.

Honda, Toyota, Yamaha, Bridgestone, Mugen, Suzuka, Fuji… Como imaginar a F-1 sem esses nomes? Vocês são demais.

Quando ninguém saiu em socorro da Super Aguri em 2008 achei que a F-1 tinha chegado ao fundo do poço. Um crime, uma demonstração de falta de sensibilidade de todos, uma maldade. Em compensação, testemunhei em Interlagos, acho que em 2006, uma das cenas mais emocionantes de todas que o esporte pode proporcionar. Daquelas que ninguém vê, que não sai nos jornais, que não vai parar nas redes sociais. Não havia redes sociais em 2006, acho. Ainda bem. O mundo era melhor.

A cena: mecânicos de várias equipes, já de noite, enquanto as coisas eram empacotadas e a temporada chegava ao fim, foram aos boxes do seu time para abrir uma garrafa de champanhe e brindar com os bravos combatentes superagurianos. Um sinal de reconhecimento de todos pelo esforço, pelo empenho, pelo comprometimento. Verdadeiros samurais. Vocês eram bem melhores que essas equipes novas que surgiram depois. Lembra daquele sexto lugar no Canadá em 2007? Pois é, eu lembro.

Bem, o fato é que você foi acabar nos Estados Unidos. E levou para lá a mesma alegria e dedicação de sempre. Outro dia aí ganhou uma corrida em Long Beach. Vibrei.

E ia ganhar domingo passado em São Paulo. Perdeu na última curva depois de uma batalha sangrenta nas voltas derradeiras que me fizeram assistir àquilo tudo de pé na TV, gritando e cerrando os pulsos a cada tentativa frustrada de te passarem. Vai, Taku, segura mais essa, japa dos infernos!

Não deu. Nós, ocidentais, ficaríamos arrasados e emburrados se estivéssemos no seu lugar. E inconformados e ressentidos. Colocaríamos a culpa em alguém. Você, não. Você, primeiro, aplaudiu seu adversário mal cruzou a linha de chegada. Ainda dentro do carro, coisa linda. E foi com um largo sorriso que saiu do cockpit, foi com enorme sinceridade que abraçou o vencedor, foi com autêntica felicidade que recebeu seu troféu.

Vocês são diferentes, com seus olhinhos puxados e sua maneira de viver. Talvez a gente nunca entenda. Eu mesmo, que me acho um sabichão, não entendo muita coisa de vocês.

Mas respeito tudo, cada gesto, cada decisão.

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