Decadente após ‘canto do cisne’, Williams se aproxima de pior início de temporada da história na F1

Depois de quebrar um jejum de quase oito anos sem vitórias com o triunfo de Pastor Maldonado no GP da Espanha do ano passado, a Williams voltou ao péssimo nível de 2011 e está muito próxima de consolidar o pior início de temporada de sua gloriosa história na F1

Há pouco mais de duas décadas, um carro “de outro planeta” assombrou o mundo do esporte. A bordo do lendário FW14B, obra prima de Adrian Newey, Nigel Mansell foi absoluto: nove vitórias e 14 poles em 16 corridas e a conquista do Mundial de F1 em 1992 com cinco etapas de antecedência. Era o auge da Williams na categoria. Talvez apenas a McLaren de Ayrton Senna e Alain Prost — em 1988 — e Sebastian Vettel, 19 anos depois, quando só faltou chover com seu Red Bull RB8 em 2011, lograram domínio tão avassalador.


Hoje os tempos são bem diferentes para os lados de Grove. Nada lembra mais a época de ouro dos anos 90, quando Mansell, Alain Prost, Damon Hill e Jacques Villeneuve foram campeões. As únicas coisas que remetem ao sucesso do passado estão na pintura dos carros de Pastor Maldonado e Valtteri Bottas — semelhante à época dos cigarros Rothmans como patrocinadora da equipe — e a parceria com a Renault. Mas é fato que aquela gloriosa Williams já não existe mais e o time de hoje é apenas uma caricatura do que um dia já representou para o automobilismo mundial.

Há duas décadas, a Williams era sinônimo de vitórias na F1 (Foto: LAT Photographic)

Às vésperas do GP de Mônaco, sexta etapa da temporada 2013, a Williams pode alcançar outra marca histórica em sua trajetória, mas inversamente gloriosa ao que seu passado traduz. Isso porque basta ficar fora do rol dos dez primeiros colocados — e, consequentemente, da zona de pontuação — para consolidar seu pior início de temporada desde que está na F1, em 1977. É a imagem nua e crua de uma equipe que vive apenas de sua história, mas hoje nada tem para mostrar, a não ser sua decadência.

Decadência que, diga-se, não é de agora. Não é preciso ir muito longe para lembrar que em 2011 a situação foi bastante parecida com os dias atuais. Naquela época, nem ao mesmo havia a ‘desculpa’ de considerar o desempenho do time fraco pela inexperiência dos seus pilotos. Se de um lado dos boxes estava o então novato Maldonado, do outro figurava o dono do maior número de largadas da F1: Rubens Barrichello. E nem mesmo o brasileiro conseguiu dar jeito e fazer o FW33 ser competitivo.

Naquele terrível ano para Grove, Barrichello somou os primeiros pontos da Williams exatamente em Mônaco, quando terminou num sofrido nono lugar. Maldonado é que vinha bem, mas foi acertado por Lewis Hamilton na entrada da Saint Dévote e ficou ali, em prantos, lamentando os pontos que voaram pelos ares naquele momento. 2011 foi tão terrível que entrou para a história da Williams como o pior de sua história: cinco pontos somados em 20 corridas. Um fracasso retumbante.

Alguma coisa precisava ser feita, era preciso reagir depois de um ano tão atípico e negativo. Peças foram mexidas e trocadas: Patrick Head, cofundador da equipe, deixou a F1 para se dedicar à empresa de energia híbrida da Williams. Adam Parr, então presidente, abandonou o barco, assim como Sam Michael. Ao mesmo tempo, Toto Wolff assumiu como diretor-executivo e trouxe a tiracolo a mulher, Susie ex-Stoddart Wolff para figurar como pilota de desenvolvimento. Além disso, a escuderia fez renascer das cinzas o polêmico Mike Coughlan, artífice do escândalo de espionagem que chocou o mundo do esporte em 2007 e envolveu as duas maiores equipes da história da F1: Ferrari e McLaren. De quebra, como cereja do bolo, a Williams reeditou o casamento vitorioso com a Renault e dispensou Barrichello para ficar com Bruno Senna e bom patrocínio. Maldonado, apoiado pelos petrodólares pagos por Hugo Chávez, tornou-se o principal piloto do time.
A Williams teve um péssimo ano em 2011. Mas 2013 consegue ser ainda pior (Foto: Charles Coates/LAT Photographic)

De certa forma, as mudanças surtiram efeito e foram percebidas logo na primeira corrida de 2012. O novo FW34, diga-se, era muito bom. Maldonado brigou com ninguém menos que Fernando Alonso pelo quinto lugar do GP da Austrália. Entretanto, o venezuelano foi afobado, bateu e acabou desperdiçando a chance de começar bem sua segunda temporada. Mas o indicativo de que a Williams estava mesmo no rumo certo veio na semana seguinte, quando Senna foi o sexto no GP da Malásia. Os oito pontos de Bruno foram mais do que tudo o que a equipe conquistara no ano anterior. Um alento e tanto.

Mas o ápice acabou ficando reservado para maio. No começo da chamada fase europeia do Mundial, Maldonado causou espanto ao andar tão bem na classificação e garantir o segundo lugar do grid do GP da Espanha. Segundo que virou pole com a desclassificação de Hamilton por uma pane seca na volta de retorno aos boxes. Na frente, Pastor não se intimidou com a pressão de caras como Alonso e Kimi Räikkönen e conquistou uma vitória tão histórica quanto improvável: desde Juan Pablo Montoya no GP do Brasil de 2004, portanto, há sete anos e meio, a Williams não subia no alto do pódio. O venezuelano foi o autor da proeza e logo no fim de semana de comemoração dos 70 anos de Frank Williams. Não poderia haver presente melhor.

Todavia, o triunfo de Maldonado na Catalunha foi uma espécie de ‘canto do cisne’, talvez o último suspiro, o derradeiro grande momento da história da Williams na F1. Porque daí em diante, pouca coisa deu certo para a outrora vencedora equipe. O passado é glorioso, o presente é triste e o futuro é sombrio.

Obviamente, a expectativa de toda equipe é desenvolver um carro décimos, segundos até, melhor em relação ao bólido do ano anterior. Tal expectativa também era bem viva em Grove. Por decisão da equipe, a pré-temporada começou com o bem-nascido FW34, que foi à pista na primeira semana de testes de inverno, em Jerez, para avaliar o comportamento dos novos pneus Pirelli. Assim, a estreia do FW35 estava marcada para a segunda bateria de treinos, em Barcelona. Teria sido esta uma decisão equivocada?

Em 19 de fevereiro, Maldonado foi o responsável por guiar o novo carro pela primeira vez e, após as primeiras voltas, teve uma impressão otimista. “O FW35 realmente parece como se tivéssemos dado um grande passo à frente”, disse o venezuelano, que também chegou a falar em “ótimo pressentimento”. Nunca na história recente da F1 uma primeira impressão foi tão errônea.
Teria sido a vitória de Maldonado em Barcelona 2012 o 'canto do cisne' da Williams? (Foto: Andrew Ferraro/LAT Photographic)

De fato, a Williams deu um grande passo, mas para trás. Por conta de uma investigação por parte da FIA, a equipe teve de voltar atrás em um projeto mirabolante de escapamentos e voltou a usar uma solução convencional. O carro jamais esteve entre os mais rápidos ou entre os que surpreenderam. Quer dizer, desde o inverno já era possível saber que o bólido não era lá grandes coisas. “Será que eles não estariam escondendo o jogo? Será que eles não têm uma carta na manga?”, é a pergunta que todos se fazem numa época como a da pré-temporada. Mas no caso da Williams, simplesmente não havia o que esconder, não havia carta alguma. O FW35 definitivamente nasceu torto. E pau que nasce torto, já diria aquela música, nunca se endireita, por mais que bons pilotos estejam na condução deste carro.

Os resultados conquistados por Maldonado e Bottas até agora têm sido pífios. O desempenho em classificações é ridículo. Nas últimas cinco corridas, o melhor grid da Williams foi um mísero 14º lugar com Pastor em Xangai. Performance paupérrima para quem estava acostumado a figurar no Q3 no ano passado. Em corrida, cada um dos pilotos teve como melhor resultado um 11º lugar. Pouco, muito pouco pelo que a Williams representa e até mesmo pelo potencial da dupla.

Pode-se até levar em conta que a vitória de Pastor em Barcelona foi atípica, mas não dá para negar que o venezuelano foi um piloto muito rápido. Da mesma forma, Bottas se mostrou muito correto nos 15 treinos livres de sexta-feira em que ocupou o carro que era de Senna em 2012. Assim, a dupla de pilotos não teria como dar errado. Mas deu, não por culpa de qualquer um deles, mas por um projeto fracassado. Até porque nem mesmo em 2011, com um carro igualmente ruim, a Williams foi tão mal.

Com o FW33, empurrado pelo fraco motor Cosworth, Maldonado classificou-se entre os dez primeiros do grid três vezes, contra zero de Barrichello, que teve como melhores colocações no alinhamento inicial os 11º lugares nos GPs da Turquia e de Mônaco. O brasileiro, entretanto, usou a experiência em seu favor para obter um ritmo de corrida melhor em relação ao então novato Pastor, faturando quatro dos cinco pontos da equipe. Durante entrevista em Interlagos, o pupilo de Hugo Chávez chegou a dizer que torcia para ter um carro melhor, até porque não haveria como alguém construir algo pior que aquele bólido. Mas aconteceu, não no ano passado, mas em 2013.

Tal situação é tão cruel que os discursos, outrora carregados de otimismo, agora trazem um ar de incerteza que indica que a má fase deve perdurar por muito tempo ainda. “Dói de verdade. Perder é doloroso. O início de temporada não tem sido o desejado, pensávamos que tínhamos feito progressos, mas agora estamos estudando o que nos fez regredir no inverno, já que não podemos avançar até entender o que deu errado”. A fala é de Claire Williams, filha do mítico Frank e recém-nomeada como nova chefe adjunta da equipe. Aos 36 anos, a jovem britânica tem uma enorme missão: ajudar o papai Williams a levantar o time e provar que é capaz de dar sequência ao legado do velho Frank.

Claire não é a única novidade da Williams em 2013. Além da promoção da britânica, antiga chefe do departamento de comunicação, a mudança técnica de maior impacto parece ter sido a saída de Toto Wolff. Seduzido pela chance de substituir Norbert Haug e ser o todo-poderoso da Mercedes — uma das principais referências do esporte a motor em todo o mundo —, o austríaco se mandou de mala e cuia para Brackley, mas deixou em Grove a mulher Susie e parte das ações da equipe, prometendo desfazê-las delas em breve.
Um ano após vitória da sua equipe, Frank Williams tem poucos motivos para sorrir (Foto: Glenn Dunbar/LAT Photographic)

Com Frank Williams em idade avançada e Claire ainda engatinhando no comando da equipe, hoje a escuderia britânica não tem uma grande referência. Nem dentro e nem fora da pista. Toto Wolff faz uma grande falta porque era o cara que decidia os rumos da equipe em conjunto com Sir Williams. No asfalto, embora Maldonado e Bottas sejam bons pilotos, também fica cada vez mais evidente que falta alguém para chamar a responsabilidade para si, como faz Fernando Alonso na Ferrari, Sebastian Vettel na Red Bull ou Kimi Räikkönen na Lotus. No momento, tudo parece sem rumo pelos lados de Grove.

Definitivamente, só mesmo uma grande mudança pode tornar a Williams competitiva nesta sequência da temporada. Algo que, levando em conta a proximidade com a adoção das novas regras para 2014, não parece que será levado a cabo pela equipe, sempre conservadora em suas decisões. Assim, a palavra de ordem é planejamento visando o Mundial do ano que vem.

Contudo, algumas interrogações para 2014 deixam o futuro da Williams em xeque. Primeiro porque, segundo reportagem do diário alemão ‘Bild’, a escuderia britânica é uma das sete que está em dificuldades para pagar os € 23 milhões (ou cerca de R$ 60 milhões) pelos novos motores turbo da Renault. A indefinição pode fazer com que a equipe, novamente de acordo com rumores da imprensa europeia, encerre a parceria com os franceses e faça um contrato-tampão com a Mercedes por um ano até a chegada da Honda, em 2015, reeditando outra parceria histórica e vencedora. Mas por enquanto, tudo isso ainda é tão somente uma pura especulação.

O que não é especulação é a decadência da Williams, que mais parece uma cidade em ruínas. Andando cada vez mais longe do pelotão intermediário e próxima às nanicas Caterham e Marussia, o antes multicampeão se apequenou de tal maneira que não parece ter forças para reagir e renascer das cinzas. A duras penas, o legado de Sir Frank Williams segue vivo nas pistas, mas cada dia mais enfraquecido por uma categoria de custos elevadíssimos e que coloca o dinheiro à frente de sua própria história.

Diante de um quadro tão pessimista, não seria surpresa se o destino da Williams, em médio prazo, fosse o mesmo de outras antigas equipes do grid, como Tyrrell, Brabham e Lotus — aquela de Colin Chapman. Que os deuses do automobilismo não permitam o fim de mais uma lenda da F1.
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