Possível ida de Vettel dá peso à Aston Martin, mas manter Stroll põe reputação em xeque

A comentada e até aguardada transferência de Sebastian Vettel para a equipe de Silverstone, atual Racing Point, para a próxima temporada, joga luz sobre como a Aston Martin quer ser vista neste novo ciclo na Fórmula 1. Em uma escuderia séria e que almeja ser grande na principal categoria do automobilismo, Lance Stroll jamais seria titular. A não ser que esta equipe seja a do próprio pai

Marca forte, história vitoriosa no automobilismo e muito dinheiro para investir. Com esta receita, há 10 anos a Mercedes regressava como equipe de fábrica ao Mundial de F1 mais de meio século depois disposta a repetir a gloriosa trajetória trilhada ao lado de nomes icônicos como Juan Manuel Fangio e Stirling Moss. Uma dupla de pilotos alemães foi escolhida para abrir o novo ciclo da estrela de três pontas: Nico Rosberg, um jovem e de reconhecido potencial, e o heptacampeão Michael Schumacher, que voltava ao grid depois de três anos de aposentadoria. O projeto, é verdade, levou alguns anos para ser azeitado, começou a render seus frutos a partir de 2012 e, com a chegada de Lewis Hamilton — no lugar de Schumacher —, em 2013, e a partir do início da era híbrida, um ano depois, a força ascendente virou a senhora suprema da Fórmula 1. Condição que perdura até os dias de hoje.

Uma década depois, a Aston Martin se prepara para voltar à Fórmula 1 com a mesma receita da Mercedes. A marca britânica tem um passado bem discreto na categoria, competindo sem muito sucesso entre 1959 e 1960, mas ostenta histórico vitorioso nas 24 Horas de Le Mans. A montadora, que entrou para os anais do cinema pela sua ligação com o personagem James Bond, do filme 007, atravessou período de grande crise, amargou prejuízos milionários em série e teve seu futuro ameaçado mesmo construindo grandes carros e brilhando no endurance. Mas foi salva do precipício pelo bilionário Lawrence Sheldon Strulovich, ou Lawrence Stroll, como ficou conhecido. O empresário é um verdadeiro Midas e foi decisivo no fortalecimento de marcas vistosas do mundo da moda como Tommy Hilfiger, Michael Kors e Prada, por exemplo.

LAWRENCE STROLL;
Lawrence Stroll é o dono da Racing Point/Aston Martin (Foto: Racing Point)

Apaixonado por automobilismo desde sempre, Lawrence, dono de uma fortuna avaliada em US$ 2,6 bilhões (R$ 14,1 bilhões), já comprou até o circuito de Mont-Tremblant, em Québec. E investe pesado na carreira do filho, Lance Stroll, desde o início, no kartismo, quando o piloto tinha somente 10 anos. Em 2010, o menino canadense tornou-se membro da Academia da Ferrari, graças também à forcinha e influência do pai.

Lance fez valer o investimento e conquistou títulos importantes na sua trajetória desde que passou a correr de monopostos: F4 Italiana em 2014; Toyota Racing Series em 2015 e, no ano seguinte, a F3 Europeia.

Impulsionado pelo dinheiro do patrocínio do progenitor, Lance pulou etapas e, da F3, foi direto para a F1 graças à vaga comprada na Williams, que entrava em novo período de decadência. Último companheiro de equipe de Felipe Massa na categoria, Stroll conseguiu alguns feitos notáveis no seu ano de debute: foi pódio no GP do Azerbaijão e largou na primeira fila do GP da Itália, mas também mostrou muitas fraquezas, sobretudo em ritmo de classificação.

Bem mal em 2018, a Williams já não era mais um lugar tão interessante para os Stroll, que viram a oportunidade de uma mudança de patamar na esteira do processo de falência da Force India.

Lance Stroll fez parte da Academia da Ferrari no início da sua carreira (Foto: Divulgação)

Foi aí que Lawrence Stroll entrou novamente em cena, venceu a concorrência contra outro bilionário, o russo Dimitry Mazepin — pai do também piloto Nikita Mazepin — e liderou o consórcio que comprou a equipe anglo-indiana e a salvou da bancarrota. A partir de 2019, a equipe passou a se chamar oficialmente Racing Point, mantendo Sergio Pérez, titular da Force India desde 2014, e trazendo Stroll filho para o lugar que era ocupado até então pelo badalado francês Esteban Ocon, que perdeu a vaga e só voltou ao grid em 2020 como titular da Renault.

Todo este preâmbulo serve para contextualizar a importância de Lawrence na carreira do filho, sendo este o responsável direto por todo o caminho trilhado por Lance desde os tempos de kartismo até ao topo do automobilismo mundial. A ponto até de comprar uma equipe de média para boa para assegurar ao jovem, hoje com apenas 21 anos — completa 22 em 29 de outubro —, a condição de construir uma carreira longeva e, com alguma sorte, alçar voos maiores.

Só que na F1 o buraco é mais embaixo. Para ficar só nos números, Lance foi amassado por ‘Checo’ Pérez no primeiro ano em que formou dupla com o mexicano. Foram somente 21 tentos para o canadense, enquanto o piloto de Guadalajara, bem mais experiente, marcou 52 pontos.

Mas a temporada 2020 marcou um enorme salto de qualidade da Racing Point, em razão da polêmica ‘Mercedes rosa’, o RP20 que, na verdade, é uma cópia descarada do Mercedes W10, modelo com o qual a escuderia de Brackley tornou-se hexacampeã do Mundial de Construtores no ano passado. O carro foi muito bem desde os testes de pré-temporada, em Barcelona, e assombrou a concorrência. Pérez chegou a dizer que jamais havia guiado um carro tão bom na carreira. Estava ali, portanto, a chance de o menino Stroll mostrar o seu valor.

O terceiro lugar no grid do GP da Hungria foi o grande momento de Lance Stroll até agora em 2020 (Foto: Racing Point)

Durante a paralisação da F1 provocada pela pandemia, Lawrence Stroll deu mais um passo para firmar raízes duradouras na categoria, investiu cerca de £ 182 milhões (R$ 1,2 bilhão) na Aston Martin e assumiu o controle da montadora. O empresário aproveitou a oportunidade para dar um peso maior à sua participação na F1 e definiu: a partir de 2021, a Racing Point vai se chamar Aston Martin, agregando mais um nome de muito valor à categoria.

Eram novos e bons tempos: dinheiro não era mais um problema, uma marca forte por trás muito em breve e um dos carros mais fortes do grid. A Racing Point começou a temporada sob os holofotes e cercada de expectativa. Mas tanto Pérez como Stroll não conseguiram tirar o melhor da ‘Mercedes rosa’ em termos de resultados. ‘Checo’ até poderia ter vencido o GP da Áustria se não fosse por um erro de estratégia da equipe na fase final da corrida, enquanto o canadense viveu uma jornada muito boa na Hungria, com terceiro lugar no grid e quarto na corrida. Mas, novamente, muito pouco para o potencial que o carro mostra ter.

Assim, curiosamente, a ‘Mercedes rosa’ refletiu uma das grandes deficiências da Racing Point: sobra carro, falta piloto. A ponto de, nos bastidores, a equipe buscar um nome de peso que possa trazer ainda mais valor para a nova fase em 2021 com a Aston Martin. Sebastian Vettel, segundo conta o paddock da Fórmula 1, é a bola da vez. Tetracampeão e um dos maiores pilotos da história recente da categoria, o alemão de 33 anos está em baixa na Ferrari, que hoje atua claramente em favor do jovem Charles Leclerc. Às vésperas de se despedir de Maranello, Sebastian parece esquecido em algum canto dos boxes e já conta os dias para viver uma nova era.

Contudo, caso Vettel assine de fato com a Aston Martin, quem vai ser seu companheiro de equipe? A resposta foi dada pelo próprio ‘Checo’, que tem contrato com a organização de Silverstone até 2022. “A escolha é óbvia se alguém tiver de ir. Também sou pai e não demitiria meu filho”. Ou seja: tudo aponta para uma dupla formada por Sebastian e Lance Stroll no ano que vem. E aí é que é o ponto-chave da discussão.

Lawrence Stroll mergulhou de cabeça no automobilismo como um todo e na Fórmula 1 em particular principalmente para catapultar a carreira do filho. Sabe-se que o empresário jamais entra em negócio algum para perder. Mas também há, no meio do esporte a motor, uma velha máxima: quer ficar milionário no mundo das corridas? Basta ser bilionário.

Sebastian Vettel
Possível ida de Vettel para a Aston Martin esbarra na ambição de uma equipe amarrada aos interesses familiares (Foto: Ferrari)

Sendo assim, como conciliar os interesses familiar e financeiro ao não apenas comprar uma equipe de Fórmula 1, mas também adquirir uma das marcas mais tradicionais do automobilismo? Por mais que Lawrence ame o filho e sonhe em vê-lo como campeão do mundo um dia, o objetivo deveria ser muito além do que simplesmente ajudar a promover o herdeiro ao posto de destaque na categoria.

A ausência de Pérez nos dois finais de semana de Fórmula 1 em Silverstone em razão da infecção do mexicano pelo coronavírus levou a Racing Point a chamar o experiente, mas encostado Nico Hülkenberg. Bom piloto, o alemão não precisou de muito tempo para pegar a mão da ‘Mercedes rosa’ e superar Lance Stroll na pista. Mais adaptado ao RP20, no último sábado Hülk deixou o canadense para trás na classificação por 0s346 e garantiu o terceiro lugar no grid do GP dos 70 Anos. Uma diferença enorme considerando que o germânico estava longe da F1 até dias atrás, enquanto Lance já conhecia o carro desde os testes de pré-temporada. Tal diferença, no fim das contas, denota o quão Stroll é um piloto de qualidade inferior, seja na comparação com Pérez ou com Hülkenberg.

Mas a cena mais embaraçosa aconteceu na corrida do último domingo. Hülkenberg acabou sendo superado por Max Verstappen, que venceu a prova, logo na largada, caiu para o quarto lugar, mas sempre andou à frente de Stroll, exceção feita ao período de troca de pneus. O alemão fez dois stints muito bons e parecia ter um top-5 garantido. Mas, na volta 45, Nico foi chamado pela equipe para um terceiro pit-stop e colocar pneus macios. Com a parada, Stroll foi quem subiu para quinto, mas foi ultrapassado pela Red Bull de Alexander Albon e cruzou a linha de chegada em sexto. Exatamente à frente de Hülkenberg.

A equipe alegou vibrações causadas pelo desgaste dos pneus duros para justificar a troca. Minutos depois da bandeirada, ‘Hülk’ confirmou a versão da Racing Point, mas o estrago já estava feito. Nas redes sociais, muita gente insinuou que o pit-stop derradeiro foi, na verdade, uma manobra para fazer com que Stroll terminasse à frente do germânico e, assim, evitar o vexame de ser superado pelo colega suplente. E mesmo com a resposta pronta dos rosáceos, numa tentativa de esfriar a polêmica, ficou algo estranho no ar.

Sendo assim, fica a dúvida, novamente, sobre qual rumo Lawrence Stroll quer para sua Aston Martin. Contratar Vettel por milhões de euros por temporada para fazer do alemão a grande estrela da equipe só vai, na teoria, evidenciar ainda mais as deficiências de Lance. Fosse um dirigente sem nenhum compromisso familiar, mas somente com a busca incessante por resultados, a escolha para 2021 jamais cairia sobre o filho Stroll. Uma escuderia séria e sem problemas financeiros nunca abriria mão de um Sergio Pérez ou mesmo de um Nico Hülkenberg para formar forte dupla com Sebastian Vettel.

Perto de definir sua futura dupla de pilotos, a Racing Point/Aston Martin precisa decidir, no fim das contas, o que quer de fato da Fórmula 1. O exemplo que 2020 deixa é claro: não basta um dos melhores carros do grid nas mãos se não há quem saiba como levá-lo ao topo. Ao optar por manter o filho, Lawrence oferece a ele o filé-mignon, mas sela o destino de um time que, assim, jamais será forte o bastante no competitivo universo da F1.

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