Sem caráter decisivo, Interlagos via em 2003 GP insano, pane seca de Barrichello e 1ª vitória de Fisichella

O GP do Brasil de 2003 foi marcado por um dilúvio que fez a FIA mudar a data da corrida brasileira do início para o fim da temporada. Desde então, sempre houve a expectativa pela definição do título mundial em Interlagos


Nenhum dos 20 pilotos que alinharam no grid de largada do GP do Brasil imaginavam que disputariam uma das corridas mais malucas da história da F1. A prova durou 17 voltas a menos do que deveria. Ao mesmo tempo, ironicamente, durou uma semana, tempo que levou para que a primeira vitória da carreira de Giancarlo Fisichella fosse homologada pela FIA.
 
"Foi a minha primeira vitória na F1, e não celebrar no pódio foi uma pena", lastimou o italiano, então piloto da Jordan, em entrevista ao GRANDE PRÊMIO.
 
Essa é uma das muitas histórias que o 700º GP da história da F1 deixou para serem contadas. Mas, como diria o outro, vamos começar pelo começo. Fisichella voltará mais adiante para falar sobre esse dia tão especial em sua vida.
 
Claro que essa rocambolesca corrida foi agitada por um ingrediente raramente deixado de lado nas passagens da F1 pelo Brasil: a chuva.
As imagens do GP do Brasil de F1 de 2003
BLOG: assista à corrida e relembre todas as disputas
Fisichella passa pelos destroços de Webber e Alonso. Foi assim que a corrida acabou (Foto: Getty Images)

DERAM MIGUÉ NA LARGADA

 
Chovia, e muito, naquele 6 de abril de 2003. A Zona Sul da cidade de São Paulo, onde fica o Autódromo José Carlos Pace, era a mais afetada, inclusive com alguns pontos de alagamento. O trânsito na região era lento, bem como o ritmo dos carros nas primeiras voltas da corrida.
 
Pensando na segurança, a direção de prova determinou que a largada fosse dada atrás do safety-car para que o pelotão de carros secasse os 4.309 metros do traçado, prática comum hoje em dia, mas não tão usual em 2003.
 
Um dia antes, em uma tarde de muito sol e calor na capital paulista, Rubens Barrichello fez a festa da torcida ao anotar a sétima pole de sua carreira na F1. Depois de dez anos, os torcedores brasileiros viviam a expectativa de ver um piloto da casa vencer o GP do Brasil.
 
BARRICHELLO NO MOONWALK
 
A animação foi inversamente proporcional à qualidade da largada, lançada, de Barrichello. No final da oitava volta, o safety-car foi aos boxes, e Rubens, num movimento estranho, espalhou na Curva do Café, acelerou tarde de mais e permitiu que David Coulthard, da McLaren, assumisse a liderança.
 
O escocês não liderou por muito tempo. Em duas voltas, foi superado pelo companheiro Kimi Räikkönen.
 
Enquanto isso, Barrichello perdia posições para Deus, o mundo, Juan Pablo Montoya (Williams), Mark Webber (Jaguar) e Michael Schumacher (Ferrari). Na terceira vez em que passou pela linha de chegada com bandeira verde, era o sexto colocado.
 
É que a Ferrari do brasileiro havia perdido pressão nos pneus com todas aquelas voltas lentas atrás do safety-car, problema que só foi contornado minutos mais tarde. Aí, Rubens foi lá e deu o troco em Webber e Montoya, brigando também com o compatriota Cristiano da Matta (Toyota).
Barrichello largou muito mal (Foto: Ferrari)
SUSPENSÃO NADA FIRME
 
A prova estava destinada, mesmo, a ser caótica. Na 20ª volta, a suspensão da Jordan de Ralph Firman partiu no meio da reta dos boxes. O irlandês por pouco não acertou acabou atingindo a traseira da Toyota de Olivier Panis. Safety-car na pista de novo.
 
O RIO DA CURVA DO SOL
 
Cinco voltas de bandeira verde, Coulthard reassumiu a liderança, com Barrichello já em segundo, e um terceiro período com safety-car na pista. Quem causou a bandeira amarela, dessa vez, foi Michael Schumacher, que virou passageiro dentro da Ferrari ao passar pela Curva do Sol.
 
Os pilotos não tiveram dúvidas para definir o que acontecia por ali: um rio estava atravessando a pista. O alemão não foi o primeiro a rodar naquele ponto. Ele quase acertou um trator que estava na área de escape para remover a Williams de Montoya e a Jaguar de Antonio Pizzonia.
 
Não demorou muito para que outro piloto se tornasse vítima do rio. Quatro voltas depois da relargada, o inglês Jenson Button também rodou e bateu. Mais trabalho para Bernd Mayländer, o piloto do safety-car.
 
Sete pilotos bateram contra o chamado Muro do Berger nas 54 voltas de corrida.
 
A MALDIÇÃO DE INTERLAGOS ATACA NOVAMENTE
Manchete do Grande Prêmio em abril de 2003 (Foto: Reprodução)
Com o problema da pressão dos pneus resolvido, Barrichello começou a andar forte de novo a partir da metade da prova. Pouco a pouco, o ferrarista tirou a vantagem que Coulthard tinha na liderança. Bastante cauteloso, contudo, não arriscou nenhuma manobra. Esperou até Coulthard espalhar no 44º giro, mergulhou no S do Senna e assumiu a ponta.
 
Por duas voltas, os 70 mil que lotavam as arquibancadas de Interlagos ficaram em êxtase. Os gritos dos torcedores eufóricos eram tão altos quanto os motores V10.
 
Três minutos mais tarde, Interlagos estava em silêncio. Barrichello contornou a Curva do Lago e, lentamente, puxou sua Ferrari para a grama na subida do Laranjinha. O tanque estava vazio.
Sentado na grama, Barrichello assistiu ao restante da prova (Foto: Reprodução)
A forte chuva fez a telemetria da Ferrari pifar, e o time estava fazendo as contas todas na cabeça para saber quando que o brasileiro teria de parar para reabastecer. O problema foi agravado por uma falha no sistema de alimentação: o motor bebia mais do que o normal. Pelas contas, havia combustível para mais uma volta.
 
"Estou desapontado, é claro. Tudo o que posso dizer é que dei o meu máximo, mais uma vez. Tenho certeza que eu poderia ter vencido essa corrida. O ruim é que ano que vem vou chegar aqui e vai ter de novo esta história de tabu, tabu, tabu. Vão falar que tive azar e tudo o que acontece em todas as corridas aqui. Mas foi uma questão puramente técnica, de alimentação de gasolina", disse o piloto à época.
 
O GRAN FINALE
 
Sem Barrichello e com Coulthard nos boxes, Räikkönen reassumiu a liderança. Mas havia um piloto que vinha mais rápido.
 
Fisichella e a Jordan ousaram na estratégia. Lá atrás, uma volta antes da largada ser autorizada, entraram nos boxes e encheram o tanque até a boca. O esperto Eddie Jordan imaginava que a corrida seria maluca.
 
Descendo o mergulho, Räikkönen mostrou perícia ao controlar o carro, que aquaplanou. Sabe-se lá como, o finlandês não bateu. Só que o caminho ficou aberto para Fisichella, que assumiu a ponta. O italiano abriu a volta 54 em primeiro.
Jordan comemora vitória em Interlagos (Foto: Getty Images)
Foi quando Webber perdeu o controle da Jaguar e bateu forte na Curva do Café. Fernando Alonso veio atrás na Renault e acertou em cheio a roda do australiano que ficou jogada no meio da pista. Instantes depois de Fisichella abrir a volta 55, bandeira vermelha, fim de corrida e festa da Jordan, que só ficou assustada quando precisou apagar as chamas do carro do italiano.
 
"Foi um GP louco e muito difícil. Estava chovendo muito, havia rios em vários lugares e eu tomei a decisão correta de colocar muito combustível no pit-stop no começo da corrida", relembra Fisico.
 
"Meu ritmo era bom, eu consegui fazer ultrapassagens e lembro que ultrapassei Kimi Räikkönen na última curva. Na hora em que passei pela linha de chegada, houve um acidente e pararam a corrida", continua.
 
O regulamento diz que, caso uma corrida seja encerrada com bandeira vermelha, o resultado da volta anterior é considerado. "Houve um grande erro dos comissários", diz.
 
A festa da Jordan foi estragada pela notícia de que Fisichella não era o líder na volta anterior à interrupção. Ele era, mas a imagem que provava isso só foi encontrada alguns dias mais tarde. O troféu de vencedor só lhe foi entregue duas semanas mais tarde, em Ímola, no GP de San Marino. O pódio foi ainda mais esquisito por não contar com a presença de Alonso. Machucado, o espanhol estava sendo atendido pelos médicos.
 
Até vencer o GP da Austrália de 2005, com a Renault, o italiano temeu não ter a chance de subir ao degrau mais alto do pódio. "Foi fantástico celebrar a vitória no degrau número 1, mas, é claro, foi diferente de quando ganhei a corrida aqui", compara.
 
Mas o piloto sorri bastante ao descrever o que foi aquele 6 de abril. "Foi fantástico! Uma corrida fantástica. Não esperávamos ganhar uma corrida no início da temporada, pois o carro não era rápido o bastante. Pilotei muito bem, dei o meu melhor e não cometi nenhum erro. Um grande dia!"

Nunca mais um GP do Brasil foi disputado no início da temporada. Desde 2004, a corrida acontece no fim do ano, em outubro ou novembro. O que não quer dizer que as provas foram realizadas com pista seca: choveu bastante em 2008 e 2012, anos em que decisões de título extraordinárias tiveram Interlagos como palco. E a previsão para este domingo é de mais chuva.

Fisichella, como segundo colocado, no pódio do GP do Brasil de 2003. A vitória só foi confirmada dias mais tarde (Foto: Getty Images)

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