Três brasileiros participaram das atividades do GP de San Marino de 1994, mas só um completou aquele fim daquele fim de semana. Christian Fittipaldi viveu um susto com Rubens Barrichello e a tragédia com Ayrton Senna. 25 anos depois, reflete sobre o que foi aquele GP

A Fórmula 1 abriu 1994 com três brasileiros no grid. O país vivia um bom momento na categoria, contando tanto com um veterano tricampeão quanto com dois jovens que tentavam o sucesso. Ayrton Senna, Rubens Barrichello e Christian Fittipaldi tinham seus respectivos planos e ambições, mas tudo virou de cabeça no fim de semana do 1º de maio de 1994, do GP de San Marino, em Ímola. Barrichello viria a bater de forma violenta na sexta-feira, enquanto Senna encontraria seu destino no domingo, eventos separados ainda pelo acidente fatal de Roland Ratzenberger no sábado. Fittipaldi, então um jovem de 23 anos, acompanhou tudo de muito perto.

25 anos já se passaram, mas as memórias de Christian ainda são nítidas. O piloto da simplória Footwork foi a Ímola embalado por um quarto lugar no GP do Pacífico, realizado duas semanas antes. O que poderia ser um fim de semana de novos pontos logo começou a escapar dos trilhos, deixando de virar um esporte para se assemelhar a “uma guerra”.

Na pista, o GP de San Marino de 1994 não seria tão marcante para Fittipaldi, que abandonou com poucas voltas para o fim quando ocupava um bom quarto lugar. Mas não havia como não ser um marco para alguém que, nos meses seguintes, teria de lidar com novas emoções, seja para as viver, seja para as ignorar.

Abrindo a sequência de materiais especiais sobre os 25 anos dos acontecimentos do GP de San Marino de 1994, o GRANDE PREMIUM falou com exclusividade com Christian Fittipaldi.

Christian Fittipaldi competia em 1994 pela Footwork (Christian Fittipaldi em 1994)

GRANDE PREMIUM: Antes do 1º de maio, a F1 assistiu aos acidentes de Barrichello e de Ratzenberger. Depois disso, você chegou a temer por sua própria segurança? Isso te deixou preocupado com a corrida de domingo?

CHRISTIAN FITTIPALDI: Acho que em qualquer momento que você tem um acidente, seja um teste ou uma corrida, você fica se questionando. Sobre o que aconteceu, se foi falha mecânica, se foi falta de segurança da pista, se foi erro humano… Você vai tentando esclarecer ao máximo para, é lógico, não se colocar na mesma situação. O que aconteceu com o Rubinho foi chocante? Foi. Mas, graças a Deus, ele já estava no paddock andando para cima e para baixo no sábado. Machucou a boca e mais o dedo, se não me engano, mas estava bem. Era uma questão de tempo e em uma ou duas semanas ele estaria 100%. Agora, no caso do Roland [Ratzenberger] no sábado, começou a pesar bastante. Afinal, todo mundo está lá dentro para praticar um esporte. Ninguém está lá para fazer parte de uma guerra. Aquele foi um fim de semana trágico, que na minha opinião foi um dos  mais difíceis da história da Fórmula 1, isso se não tiver sido o mais difícil, foi a morte do Senna. Nunca ninguém esperava, nunca ninguém visualizava uma situação dessas. Enfim, foi uma sequência de fatores que pegou todo mundo de surpresa. A situação toda foi chocante.

GP: Hoje se sabe que a combinação daqueles carros de 1994 com pistas de alta velocidade era uma coisa perigosa. Naquela época, os pilotos tinham consciência de que a corrida em Ímola podia ser perigosa desse jeito?

CF: Ah, 60 anos atrás o [Juan Manuel] Fangio corria com capacete de couro e achava absolutamente normal. Hoje a gente olha para aquela situação e dá risada. Acho que isso faz parte não só da evolução do nosso esporte, como também parte da evolução do ser humano. Voar de 707 no começo da década de 1970 era normal, e hoje em dia os aviões são completamente diferentes do que os que se tinha 50 anos atrás. Essa comparação é complexa. Com certeza vamos ter pilotos daqui 40 anos olhando para trás e pensando ‘nossa, esses tais de Hamilton, Verstappen e Vettel eram loucos para correr em um F1 desse jeito’. 

Achei que ele [Senna] tinha quebrado um braço ou perna. Falei para mim: ‘menos mal, daqui dois meses ele está aqui’

CF: Agora, se perguntar para mim, a gente achava que estava no nosso limite de segurança naquele momento. Você pode fazer mais? É lógico que você pode fazer mais pelo esporte, mas tem vezes que você nem sabe o que fazer sem ter uma experiência difícil. No momento que você tem uma experiência desafiadora, trágica, difícil, definitivamente, começam a surgir novas ideias. Não fosse por isso, o fator risco de correr de Fórmula 1 seria zero, e não é zero, nem hoje em dia. Nem com halo, nem com a segurança das pistas, que sem dúvida alguma é maior do que a que se tinha em 1994… Existe a questão da segurança e existe o risco. É um esporte que tem certo risco. Se você não está contente, confortável com esse risco que a Fórmula 1 e outras categorias tem, vai jogar xadrez.

GP: Falando sobre o domingo, houve aquele período de bandeira vermelha depois do acidente do Senna. Que informações os pilotos tinham sobre o estado de saúde do Senna naquele momento?

CF: Que ele tinha sido retirado do carro, que tinha sido levado para o hospital. Mas em nenhum momento, ao menos para mim, chegou a informação de que ele estava em uma situação crítica. Eu montei no meu carro de novo, fui relargar achando que ele tinha, no máximo, quebrado um braço e uma perna. Falei para mim ‘menos mal, é algo mecânico, daqui dois meses ele vai estar aqui conosco de novo’. Em nenhum momento, absolutamente, chegou a situação de ele estar entre a vida e a morte.

GP: Então foi um choque quando te falaram sobre a morte.

CF: Sem dúvida, sem dúvida nenhuma.
(A morte de Ayrton Senna resultou em uma revolução na segurança na F1)

GP: Quem te contou sobre a morte?

CF: Foi o [JJ] Lehto. Ele tinha batido ainda na primeira largada, estava fora do GP. Aí terminou a corrida, meu carro quebrou faltando duas voltas para o final [nota do autor: faltavam quatro] e aí eu peguei uma carona com o [Heinz-Harald] Frentzen para chegar nos boxes. Estava indo ao motorhome para me trocar e aí cruzei com ele [Lehto]. Ele comentou comigo e aí arregalei meus olhos. Minha primeira reação foi ‘como assim'? Você está louco, está brincando’. É que a imagem que todo mundo tinha do Ayrton era de alguém tão imortal, tão forte… Da mesma forma que nunca passou pela minha cabeça, tenho certeza de que não passou pela cabeça de ninguém. Passou pela cabeça que ele ia completar o ciclo na Fórmula 1, a carreira maravilhosa que ele fez, e um dia ia parar de correr. Nunca um fim trágico desses.

GP: Que memórias você tem do velório? A comoção do público, com uma multidão nas ruas, foi além do que você esperava?

CF: Para falar a verdade, não tinha expectativa nenhuma para algo tão delicado assim. A minha expectativa era zero. Agora, sem dúvida nenhuma, foi uma multidão enorme e concordo que, ao mesmo tempo em que foi algo triste, foi algo que nos fez perceber como ele era importante para o povo brasileiro. Se não fosse, não teria acontecido aquela comoção toda, uma multidão toda. Ele, sem dúvidas, era uma figura importantíssima para nós brasileiros.

GP: O Emerson Fittipaldi fala até hoje sobre como a morte do Senna o impactou. Quais memórias você tem do Emerson nos dias após o acidente? Como ele estava se comportando?

CF: O Emerson na época estava correndo nos Estados Unidos, e aí ele voltou para lá. Aí eu retornei para a Europa. Para dizer a verdade, justo naquele momento dos dois ou três meses após o acidente a gente acabou tendo muito pouco contato. Cada um reagiu de uma maneira diferente e cada um tinha seu tempo. Acho que era muito importante para cada piloto. Mas, coincidentemente, após o acidente eu tive muito pouco contato com ele. Eu estava ocupado na Europa e ele estava ocupado nos Estados Unidos.

Tentei sofrer o mínimo possível, para dizer a verdade. Sofri muito pouco porque estava tentando tocar minha vida

Christian Fittipaldi virou, ao lado de Rubens Barrichello, um ‘herdeiro’ do automobilismo brasileiro na F1 em 1994 (Divulgação)

GP: Como você descreveria o ambiente no paddock da F1 após o GP de San Marino? 

CF: Ficou pesado. Se eu disser que não ficou… O tempo foi passando e o peso foi se aliviando, mas a figura do Ayrton é, ou foi, tão importante que até hoje… Você vê ao redor do mundo tantas homenagens, a gente vê muitas pessoas comentando. Realmente, é algo que marcou todo mundo, sem dúvida. E é algo que sempre vai marcar, porque ele era uma figura de muito peso. Uma série de pilotos, como o próprio [Lewis] Hamilton, que diz que o ídolo dele é o Ayrton. Muitos pilotos se espelham na figura do Ayrton. Isso demonstra para todo mundo o tamanho do peso [que a morte] teve.

GP: Para você e Barrichello, houve um peso maior nas costas após a morte do Senna? Ambos passaram a ser os dois únicos brasileiros na F1 naquela época.

CF: Acho que houve, indiretamente, mas eu procurei sempre me afastar dessa situação. O Ayrton é o Ayrton, o Rubinho é o Rubinho e eu sou eu. São pessoas diferentes, com características diferentes, e acho que não seria justo tirar uma figura dessas e tentar colocar outra no lugar. Isso nunca iria acontecer, então eu tentei sofrer o mínimo possível, para dizer a verdade. Sofri muito pouco porque estava tentando tocar minha vida da melhor maneira possível, mas sem estar atrelado à figura do Ayrton.

GP: Você acha que conseguiu de fato não deixar que o acidente do Senna afetasse sua vida e sua carreira?

CF: Acho que é difícil você mensurar o que seria sucesso ou não ter sucesso nesse caso. Acho que foi um marco na vida como esportista, sem qualquer dúvida, mas eu não resumo isso a se eu consegui ou não consegui. Eu tentei encarar as dificuldades, os desafios da maneira mais leve possível.

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