O piloto começou a história dele na Fórmula E na rodada sêxtupla realizada ao longo de nove dias em Berlim sob restritas regras sanitárias e com muito o que aprender no campo das singularidades dos monopostos elétricos. No fim, a experiência está aprovada

Há maneiras e maneiras de estrear numa grande categoria internacional do esporte a motor. Os resultados dão respostas, como também dão rapidez de compreensão, ajuda geral no trabalho da equipe e sempre, sempre mesmo, há que se levar em consideração as circunstâncias. Sérgio Sette Câmara estreou na Fórmula E em circunstâncias das mais incomuns quanto possível. Durante a temporada, mas que ainda faria mais da metade das corridas, embora que numa mesma pista e num espaço de nove dias – seis provas no intervalo. Fora da pista, a vida numa bolha: havia, como ainda há, afinal, uma pandemia em curso. Pilotos e organizações isolados e com pouca circulação a fim de evitar surtos contagiosos da Covid-19. No asfalto do Aeroporto de Tempelhof, em Berlim, o de sempre: competição.

O desafio era grande para o piloto de 22 anos. Com pouca rodagem nos carros da Fórmula E – liderou o teste de novatos realizado no Marrocos, em março -, teve o dever de substituir Brendon Hartley na pequena Dragon, equipe que tinha somente dois pontos no campeonato, marcados pelo próprio Hartley numa corrida cheia de punições. Muitas voltas no simulador – todas as voltas no simulador – não preparariam Sette Câmara ou piloto algum para as proteções sanitárias que os obscuros tempos atuais obrigaram a Fórmula E a seguir.

“A bolha lá na Fórmula E foi bem restrita”, contou ao GRANDE PREMIUM.

“Todo mundo estava no mesmo hotel e tinha umas zonas: você colocava faixas de uma cor no braço e podia frequentar determinada zona tanto no hotel quanto na pista. Os testes de coronavírus você tinha que fazer antes de viajar, outro quando chegava e ainda tinha que ficar em quarentena no quarto do hotel até o resultado apontar negativo. Tudo muito organizado, e a categoria realmente aplicava as regras e cobrava das equipes, pilotos e todos os envolvidos. Muito organizado mesmo”, elogiou.

Sérgio Sette Câmara em uma das seis corridas da maratona (Foto: Fórmula E)

Apesar do bom teste de cinco meses antes, Sérgio era um completo novato: o único dos 24 pilotos inscritos para o eP de Berlim que chegou sem ter qualquer experiência competitiva na categoria. Até mesmo os substitutos de emergência Alex Lynn, na Mahindra, e René Rast, na Audi, já haviam competido com os carros elétricos. Mais do que apresentar bem e rápido, a obrigação inicial era entender um sistema de tecnologia e competição bastante distinto dos tradicionais.

“Acredito que o fato de ser 100% elétrico já torna diferente de tudo. O carro, formato da corrida, economia de energia e tal. Não é novidade criar um formato em que [o piloto] precise economizar o equipamento: existe isso no rali, até na F2, com os pneus, mas administrar bateria de uma forma tão agressiva, acho que não existia antes. Depois, o formato em si da corrida: as zonas de modo ataque, a classificação em grupo, com as melhores de pista, é um formato de automobilismo moderno”, colocou.

Como já destacado, a Dragon que Sette Câmara defendia é uma das equipes mais fracas do pelotão e, portanto, não se esperava que pontuassem nas últimas provas. De fato, não pontuaram. Mas o piloto mineiro largou três vezes à frente – e terminou duas – do companheiro Nico Müller, experiente nome que atualmente lidera o campeonato do DTM. Sobretudo nas provas finais: foi totalmente superior na terceira rodada dupla. Assim, considera que a evolução foi veloz. O que ainda resta é se acostumar com o incomum bate-bate da categoria.

“Minha curva de aprendizado foi rápida. Logo no primeiro fim de semana, fiquei entre os dez num dos treinos livres. Na segunda rodada dupla, encaixei uma classificação legal e uma corrida que ia bem até eu bater; depois, na última rodada dupla, acredito que foi a que mais encaixou, especialmente a classificação. Na corrida, ainda sofremos. Não só eu como meu companheiro Nico Müller, que é um piloto novo na FE, mas que fez algumas etapas e mostrou ter velocidade. Tanto eu quanto ele sofríamos com a degradação dos pneus traseiros e, aí, você começa a destracionar na saída das curvas e gastar energia assim, o que causa uma espiral negativa: perdeu energia, perde pneu e daí por diante. Isso dificultou as corridas, mas acho que a curva de aprendizado foi boa. Já me sinto competitivo”, declarou.

“Outra coisa é o formato [das corridas], a forma como tem contato entre os carros, um estilo mais agressivo. Isso foi o que mais demorei a me acostumar – junto da administração da bateria -, mas acredito que peguei a mão. Lógico que sempre tem espaço para melhorar – para mim, muito mais que alguém experiente na categoria -, mas não acho que estou tão longe. Berlim foi ótima oportunidade para pegar muita experiência rápida e aprender demais. Foi um ótimo lugar para começar”, pontuou.

Das seis corridas, Sérgio largou na primeira metade do grid em três oportunidades: em duas delas, em nono. Mesmo com condições fora das ideais, a ajuda da equipe para explicar as condições e as dificuldades impostas pela Fórmula 2 facilitaram as coisas.

Sérgio Sette Câmara em ação em Berlim (Foto: Fórmula E)

“A classificação é dificílima, só estávamos fazendo uma volta lançada para não superaquecer os pneus. É muito difícil encaixar tudo numa volta só, exige foco máximo e estudar bem os dados. O carro é todo controlado no software, todo cheio de sistemas de estabilidade, controle da freada, assistência de tração… E as equipes grandes têm sistemas muito mais evoluídos que os nossos: os pilotos sabem o que esperar quando vão para os carros – isso eu sei por conversar com outros pilotos -, enquanto em nosso carro a coisa ainda é meio simples demais. Acaba dificultando a volta da classificação, mas mesmo assim foi onde o desempenho foi bom”, explicou.

“Acho que eu consegui fazer um bom trabalho na classificação primeiro porque a equipe me deu todo o apoio que eu precisava, explicaram tudo, e também porque eu venho de uma F2 em que os pneus destroem tão rápido – agora mudou, mas até o ano passado era assim – que você tem literalmente duas voltas rápidas: uma com cada jogo de pneu. Então, já tinha esse background de ter que encaixar tudo em uma volta só. Creio que também serviu de boa preparação”, seguiu.

Sette Câmara conseguiu segurar a vaga na zona de pontuação durante mais ou menos metade das corridas em que largou por ali. Depois disso, despencou. Segundo ele, a explicação está em alguns desajustes dos carros da equipe norte-americana em comparação aos das outras equipes.

“Consegui me manter próximo ao top-10 em duas ou três ocasiões até o meio da prova, antes de cair. Eu não estava consumindo mais energia – às vezes, alguns pilotos consomem demais para se manter ali, mas aquilo não é realista. Em pelo menos duas dessas corridas, eu não estava consumindo mais que os outros ao meu redor, eu estava na meta do consumo de energia. Mas o pneu traseiro começou a degradar, degradar e degradar, e, aí, você começa a escorregar e perder confiança. Especialmente na tração das curvas o pneu começa a rodar em falso, destracionar, mas você está gastando energia para resolver isso. Em compensação, o carro não está indo para frente”, explicou.

“Começava a gastar muita energia em cada saída de curva, a degradação do pneu piorava mais na volta seguinte e, quando eu via, todo mundo tinha passado. Nessa última corrida, não ajudou que eu perdi um modo ataque: jurava que tinha passado nos três ataques, mas devo ter errado, porque não ativou e atrapalhou nossa corrida”, continuou.

Sérgio Sette Câmara com o macacão da Dragon (Foto: Fórmula E)

O SALDO

Apesar de todas as diferenças do carro, formato e da categoria, de modo geral, Sette Câmara destacou que a maioria das atividades necessárias para ter sucesso não é tão diferente do automobilismo mais tradicional. A grande novidade é realmente o controle da bateria. O que, aliás, ficou claro quando foi desclassificado por usar mais energia que o permitido logo na corrida 1 – um dos dois momentos realmente negativos dele em Berlim, junto da batida com Neel Jani e James Calado pela qual foi punido. Com relação ao que ainda acha que deve aprender e evoluir, lembrou das brigas por espaço.

“Todas as práticas ali faziam parte, mais ou menos, da minha experiência como piloto – no fim das contas, por mais que seja diferente, é um carro de corrida. Onde eu mais aprendi foi administrar a bateria na corrida. Por ser novo, foi onde eu mais aprendi”, contou.

“O ponto que eu ainda tenho a melhorar é nas batalhas de pista. A Fórmula E tem isso de muito diferente, essas disputas muito diferentes, que são mais parecidas com as de GT e carro de turismo, que eu nunca tive a experiência, os carros batem porta a porta mesmo e existe contato nas disputas. No começo, tive certa dificuldade, porque cada vez que meu carro ia tocar com outro piloto, eu tirava o pé, freava, então meio que me usavam como saco de pancada. Mas fui me acostumando que pode ter contato e não tem problema”, elucidou.

“Venho de categorias, a vida inteira, em que quase sempre que você toca com o carro, a corrida acaba para você e seu rival. Na Fórmula E, não é o caso. E mudar esse chip é complicado. É uma coisa do nosso subconsciente: não pode haver contato. Reagimos instintivamente para evitar o contato, mas na FE, às vezes, você tem que procurar aquele contato, apoiar no outro piloto. Sem ser desleal, mas tem que ter. Como as rodas estão cobertas, tem aquelas proteções, os carros resistem ao impacto. Se você não fizer, a galera se aproveita disso. É uma coisa com a qual eu tenho que me acostumar, porque você passa a vida inteira tentando evitar e, agora, precisa atualizar”, explicou. 

Quanto a avaliação final da equipe, destacou que foi positiva, uma vez que ficou muito mais perto de andar com a parte do pelotão que briga por pontos que lá atrás, longe da ação e sem se acostumar com a categoria.

“A equipe ficou muito feliz, acharam que eu aprendi muito rápido. No melhor dos casos, eu teria feito um trabalho fenomenal e inclusive pontuado; no pior dos casos, ficaria lá atrás e não me adaptaria à categoria. Acredito que estou muito mais próximo de ter feito algo desse resultado fenomenal, dessa ponta da tabela, que da outra. Até a metade estava em zona de pontuação. No resultado final, fiquei longe, mas fiquei perto de pontuar no contexto da corrida. Só precisava mesmo de manter o pneu por mais voltas. Na classificação também entrei no top-10, então a equipe está bem feliz”, comentou.

 A autoavaliação é da mesma maneira positiva, mas não apenas isso. Carrega consigo uma forte dose de alívio.

“Eu também estou feliz com meu trabalho, porque tinha certa pressão. A Fórmula E é um campeonato que eu tenho muito interesse. Fui com uma equipe que, por enquanto, não é tão competitiva. Poderia ir para Berlim e me queimar no campeonato. Graças a Deus, não foi o resultado. Acredito que mostrei potencial, então fiquei súper aliviado. Tinha essa pressão: eu precisava mostrar desempenho. Foi ótimo.

A BMW de Sims está ao fundo, mas o destaque é o avião que marca o histórico de aeroporto de verdade do Tempelhof (Foto: Fórmula E)

ONDE ESTÁ O FUTURO

Apesar da estreia e de todos os elogios, Sette Câmara ainda tem a mira voltada para os quadros da F1. Continua, afinal, piloto Red Bull e disputa a Super Fórmula em 2020 com o desejo de impressionar o bastante para arrecadar uma das vagas da companhia austríaca em 2021. O que não impede de enxergar o mundo dos monopostos com lógica.

“A F1 ainda é meu sonho, naturalmente. O Brasil tem uma conexão fortíssima com a F1, eu cresci assistindo a F1, mas a Fórmula E é muito boa. O campeonato está financeiramente muito forte, várias marcas. Para se profissionalizar e pensar numa carreira a longo prazo, acho que a Fórmula E é melhor que a F1, na verdade. Todos os pilotos da FE são profissionais, não tem piloto pagante, o que mostra, por si só, como o campeonato está bem. É muito interessante para se profissionalizar”, opinou.

“Na F1, grande parte dos assentos é ocupado por um piloto pagante que traz o dinheiro ou uma empresa patrocinadora, e muitas vezes o cara só tem esse acordo por um ou dois anos. Depois disso, se ele for bem, a equipe passa a tomar conta. Mas o começo é como pagante. Na Indy, quase todos as vagas são de pilotos pagantes”, lembrou.

“A Fórmula E é interessantíssima para se profissionalizar. Assisti desde o começo, acho muito emocionante, vi o crescimento dela. É um campeonato que permite ao piloto sonhar com vitórias e títulos. Quase todas as equipes podem pensar nisso – uma pequena, como a minha, a Dragon, pode muito bem crescer e lutar no ano que vem. Na F1, nunca acontece. Quando falam de melhorar, estão falando de três ou quatro anos. É outro mundo, existe hegemonia de equipes e pilotos, esse tipo de coisa”, apontou.

“A FE é muito interessante, mas pela minha história, por ser brasileiro, amar F1, ainda dou prioridade para um assento na F1. Se é que isso vai aparecer, claro, não é à toa que eu estou na Super Fórmula esse ano e associado a uma equipe de F1”, finalizou.

Sérgio Sette Câmara no comando da Dragon (Foto: Fórmula E)

A SEQUÊNCIA

A Fórmula 1 ainda está em mente, mas não impede de abrir as portas para permanecer na Fórmula E – nada que já não acontecido. Alexander Albon, por exemplo, tinha contrato assinado para defender a Nissan na temporada 2018/19 quando foi chamado às pressas pela mesma Red Bull que observa Sette Câmara. Saiu durante a pré-temporada, assumiu a vaga na Toro Rosso e foi promovido à nave-mãe logo na metade de 2019.

Então, é evidente que Sérgio conversa sobre a possibilidade de ingressar de vez no grid da FE para a jornada 2020/21, que começa apenas em janeiro do ano que vem, quando a escalação rubro-taurina para a F1 estará mais que resolvida. Caso não aconteça, é bom deixar a possibilidade em aberto para o futuro.

“Naturalmente, conversei com a Dragon, tive com eles o tempo inteiro lá, ficaram muito satisfeitos com meu trabalho. Não posso dizer se outras equipes entraram em contato, mas a Fórmula E é muito legal. Fui para Berlim com um objetivo: causar boa impressão no campeonato. Queria mostrar que podia ir bem, e acredito que consegui fazer isso. Foi muito importante para mim”, admitiu.

“São poucas vagas para pilotos profissionais de monopostos e boa parte delas estão na Fórmula E. Não queria estrear em Berlim, ir mal e fechar essa porta. Graças a Deus, consegui me adaptar, mostrar velocidade e andar bem. É muito provável que a Fórmula E esteja no caminho de quase todos os pilotos jovens. A categoria vai continuar crescendo, e um piloto de sucesso e carreira longa vai ter passagem ou ao menos considerar a Fórmula E em algum momento. Ter no meu currículo que eu fiz algumas etapas e fui bem é muito importante”, encerrou.

Com a Fórmula E parada, Sette Câmara seguirá seguindo a Fórmula 1, onde é reserva da AlphaTauri, e, no fim deste mês de agosto, finalmente estreia na temporada da Super Fórmula. O ano ainda vai longe para ele.

Resultados do eP de Berlim:

Corrida 1
Corrida 2
Corrida 3
Corrida 4
Corrida 5
Corrida 6

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