Mulheres podem ser pilotas e o que mais quiserem no esporte a motor: engenheiras, mecânicas, diretoras-técnicas. E trabalhar nessa conscientização é o principal foco de Deborah Mayer, criadora de um dos projetos atuais mais bem-sucedidos do automobilismo feminino: o Iron Dames

LIBERDADE É DEFINIDA PELO DICIONÁRIO como um estado de independência absoluta e legal de um indivíduo; uma característica de quem é livre, de quem não se submete. De quem tem o controle do seu destino e decide para onde quer ir e qual caminho deve seguir. É claro que o sentir-se livre sempre terá significados que variam de pessoa para pessoa, mas, para muitos, é exatamente essa a sensação de se ter o volante de um carro nas mãos.

Foi esse sentimento que inundou Deborah Mayer quando ela dirigiu um automóvel pela primeira vez. Em suas palavras, o envolvimento no automobilismo foi “por pura paixão”. De fato, a criadora do projeto Iron Dames transborda esse fascínio ao falar sobre o que o automobilismo representa em sua vida. Pois não existiria uma das equipes femininas mais bem-sucedidas do esporte a motor atual se não houvesse por trás alguém que realmente ama o que faz em sua essência.

“Sempre adorei dirigir”, continuou a francesa natural de Paris, que recebeu o GRANDE PRÊMIO para falar sobre o trabalho atual com um dos braços da equipe italiana Iron Lynx. “Tirei minha carteira de motorista o mais rápido possível, aos 18 anos fiz meu exame, e dos 16 aos 18, na França, você tinha a possibilidade de dirigir junto com seu pai ao seu lado, então foi o que eu fiz. Dirigir foi para mim uma fonte de liberdade e flexibilidade para equilibrar minha vida pessoal e profissional.”

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Deborah Mayer, criadora do Projeto Iron Dames (Foto: Divulgação)

Antes do Iron Dames, porém, a vida de Mayer era muito mais cotidiana, por assim dizer: trabalhava com finanças, primeiro em um banco de investimentos, depois em uma instituição privada. Cumpriu durante boa parte da vida uma rotina como a de tantos outros, mas que às vezes a obrigava a sair tarde do local de trabalho. E sendo mulher em uma sociedade que, infelizmente, parece ainda caminhar lentamente no que se refere aos direitos de ir e vir de todos, ter o seu próprio carro significava, além, claro, de proteção, ser livre exatamente no sentido de possuir em suas mãos o poder de decidir para onde queria ir.

E esse ‘poder’ somou-se à paixão e fez Deborah deixar o antigo emprego há cerca de dez anos e seguir o coração — atitude que denotou coragem, pois não deixaria de ser um mundo novo. Houve, contudo, uma figura importante nessa estrada: o parceiro Claudio Schiavoni. “Quando o conheci, descobrimos que tínhamos a mesma paixão por dirigir. Juntos, entramos no curso de direção Corso Pilota da Ferrari, obtivemos nossas licenças de competição em 2015 e embarcamos em corridas em 2016 em diferentes categorias, como Ferrari Challenge, Michelin Le Mans Cup e campeonato italiano de GT. Eu parei de correr em 2017 antes de um bom motivo, porque fiquei grávida.”

Deborah hoje tem 45 anos, o que significa que teve o passe para as corridas nas suas mãos aos 37. Mas não seria um simples número que a limitaria dentro de um esporte tão competitivo e ainda dominado por homens. “Minha trajetória é a trajetória de uma pessoa absolutamente apaixonada pelo que faz e extremamente feliz por estar rodeada de pessoas também apaixonadas pelo que fazem”, ressaltou. “É uma característica muito importante da essência do projeto Iron Dames. Gostamos do que fazemos e gostamos de passar muito tempo juntos para levar adiante aquilo que acreditamos. Ao todo, tentaremos fazer o possível para que isso aconteça.”

Iron Dames: muito além das pilotas

Mesmo sem estar em competições, Deborah não deixou o automobilismo em segundo plano por nem um minuto sequer. Pelo contrário: foi nesse período que ela estreitou o contato com todo o mundo que funciona por trás das competições. Nos boxes, adquiriu ainda mais conhecimento e o mais importante: ampliou sua visão para o que significa, de fato, ser uma mulher no esporte a motor.

“Eu vejo o automobilismo numa dimensão muito grande para que você possa ser, claro, piloto, mas não só isso, que você possa ter possibilidades como engenheiro, mecânico, diretor-esportivo, diretor-técnico, comunicação, marketing. E isso é fundamental, porque é importante mostrar aos mais novos, aos ítalos [a equipe Iron Lynx é de Cesena, na Itália], às meninas, aos adolescentes e aos seus pais que há oportunidades e possibilidades para eles no automobilismo em todos os níveis”, salientou.

O principal objetivo de Deborah é mostrar que o automobilismo para mulheres não se resume às pistas (Foto: Divulgação)

E foi com essa visão que Deborah decidiu tirar o audacioso projeto do papel. O primeiro passo, conforme ela explicou ao GP*, foi “reunir todos os ingredientes certos no mesmo lugar e fazê-los funcionar” — primeiro em 2017, com o nascimento da Iron Lynx, e no ano seguinte com o Projeto Iron Dames ganhando vida. De início, eram três pilotas, Michelle Gatting, Rahel Frey e Manuela Gostner, e outras duas mulheres envolvidas no trabalho da equipe — a própria Mayer e Franziska Baier.

“A partir daí, começamos a correr”, continuou. “Passo a passo, todos os membros se juntaram a nós, e o projeto cresceu e se expandiu. Ainda crescemos em algumas competições de endurance, endurance limitado, no karting, em monopostos, em protótipos, em GT, então são todas as atividades que conduzimos no automobilismo, desde pilotas a mecânicas, diretoras-esportivas, todos os aspectos e esportividade”, seguiu.

“Ou seja, você precisa encontrar a pessoa certa, o terreno certo, a equipe de corrida certa. Eu dou uma mãozinha para fazer dar certo, e foi isso que encontrei e acrescentei”, frisou a empresária. E, de fato, houve muito êxito, pois o time que começou com cinco ‘damas de ferro’ hoje conta com quase 28 ativas nas mais variadas esferas de trabalho que uma equipe de corrida é capaz de permitir. “O Iron Dames não é apenas um projeto sobre pilotos, é um projeto mais amplo que temos como escopo e propósito, uma meta para promover as mulheres no automobilismo e mostrar que há possibilidades para elas terem carreiras, oportunidades e todas as coisas referentes ao automobilismo.”

Ao ser indagada pelo GP* se considerava o endurance mais democrático por conta da jornada mais bem-sucedida do projeto, Mayer frisou que o time possui representantes em diferentes categorias, e é justamente essa diversidade de opções que é, em suas palavras, a beleza do automobilismo. Por mais que haja, indiscutivelmente, uma representatividade maior em campeonatos como o European Le Mans Series ou o Mundial de Endurance (WEC), o projeto tem como uma de suas integrantes, por exemplo, a brasileira Aurelia Nobels, que hoje compete na Fórmula 4 Italiana com a Prema. Este ano, o Iron Dames também deu partida ao trabalho no kart com a jovem espanhola Natalia Granada, que é a membro mais jovem do grupo.

“Também há cada vez mais mulheres envolvidas em papéis-chave na equipe fora das pistas. Então, vamos crescendo passo a passo, devagar, mas de verdade. Não é um projeto curto, é um projeto de longo prazo, que exige tempo e passos para ter a certeza de que colocamos os pés no chão para, a partir disso, crescermos”, completou.

A equipe Iron Dames marcou presença no centenário das 24 Horas de Le Mans e fez história (Foto: Iron Dames)

Além do trabalho nas pistas, Mayer também é presidente da Comissão Feminina de Automobilismo da FIA e entende que não só o Iron Dames, mas outras séries também abertas para o automobilismo feminino, como a W Series e a F1 Academy, são fundamentais justamente por permitirem a ampliação do campo de atuação das mulheres nos esportes a motor. A visão do torcedor costuma ser limitada ao carro e aos resultados conquistados em corridas, porém Deborah espera esclarecer que o que se vê nas pistas é apenas a ponta do iceberg.

“O importante é que apareçam mais projetos, para mostrar que há possibilidades para as mulheres. Quanto mais houver, melhor. Muitas coisas podem ser alcançadas em muitos campos. Então eu acho que quanto mais você conscientiza e dá visibilidade para as possibilidades que existem para as mulheres, melhor fica”, avaliou.

“É fundamental ter projetos que valorizem não só os pilotos, mas também outras carreiras nos esportes a motor: carreiras de engenharia, marketing ou jornalistas”, insistiu. “O automobilismo é um projeto de equipe, há muitas possibilidades. Por enquanto, e ainda agora, o automobilismo ainda é percebido como um ambiente dominado pelos homens, mas é muito mais uma questão de percepção. A realidade é um pouco diferente: se você andar pelo paddock, verá que há muitas, muitas e cada vez mais mulheres em diferentes times”, frisou.

Sucesso fora e dentro das pistas

É claro que o fruto de todo esse trabalho seria também visto nas competições. Sarah Bovy tornou-se a primeira mulher a conquistar pole-positions no Mundial de Endurance, pela classe LMGTE Am; em 2021, Gatting foi a primeira pilota a vencer o Ferrari Challenge Europe Trofeo Pirelli; Doriane Pin dominou a competição no ano seguinte, com nove triunfos e 13 pódios, e a francesa também foi ao pódio nas 1000 Milhas de Sebring de 2023, que abriu a temporada do WEC; a equipe venceu nas 4 Horas de Portimão do ELMS no ano passado; e, também em 2022, talvez aquela que tenha sido a conquista mais significativa: a vitória na tradicional prova das 24 Horas de Spa-Francorchamps na classe Gold Cup GT.

“Qual a primeira coisa que vem à sua cabeça?”, perguntou o GP* à Deborah, que respondeu bastante comovida: “Lágrimas nos olhos!”

“Foi muito emocionante. Muitas emoções vieram ao mesmo tempo, foi uma conquista incrível, conquistada pela equipe, por toda a equipe. Claro que vemos as pilotas levando a bandeira quadriculada, mas não vamos esquecer de todas as pessoas, homens e mulheres, trabalhando na sala e fazendo acontecer. E também os presentes, de ver que é possível, que as mulheres podem fazer, podem fazer e agir no mesmo terreno que os outros, mas não apenas fazer, também ter sucesso”, declarou.

“Quando há vontade, há uma maneira de torná-la real, não há barreiras que não possam ser superadas ou escaladas. Existem possibilidades. E a mensagem que nós carregamos é uma mensagem positiva. Corremos para inspirar a geração mais jovem, mas também para mostrar que existe o ensinamento possível para o fazer, e não há razão para não tentar, não há razão para não dar o primeiro passo, e isso pode ser feito, as mulheres podem fazê-lo, os jovens podem fazê-lo”, completou Mayer.

O resultado de tanto trabalho nos bastidores também se reflete em conquistas na pista (Foto: Divulgação)

Nos dias 10 e 11 de junho, o esporte a motor realizou uma de suas provas mais importantes, as 24 Horas de Le Mans, competição que faz parte da chamada ‘tríplice coroa do automobilismo’ ao lado das 500 Milhas de Indianápolis e do GP de Mônaco da Fórmula 1. Na pista, o trio feminino composto por Sarah Bovy/Michelle Gatting/Rahel Frey resistiu ao caos da primeira parte e ao temporal que desabou na noite francesa para se colocar como um dos candidatos à vitória na classe LMGTE-Am. No final, o quarto lugar esteve muito longe do sabor amargo, pois representou o melhor resultado do time em Le Mans, conquista que veio no ano em que o tradicional evento chegou ao seu centenário.

Troféus à parte, a criadora do projeto Iron Dames desejou que a participação do trio feminino comunicasse duas coisas, apenas: paixão e possibilidade. “Queremos comunicar que somos realmente apaixonados, amamos o que fazemos, então, é uma boa oportunidade para demonstrar que existem muitas possibilidades para as mulheres frequentarem o fantástico mundo do automobilismo”, afirmou.

Sobre essa última fala, o GP* quis saber a visão de Deborah sobre a Fórmula 1 ainda ser vista como o degrau mais importante na jornada pelo automobilismo profissional. A empresária concordou que muitos jovens que sonham em serem pilotos entram nessa rota com a F1 em mente, mas que a chamada elite do automobilismo não é o único caminho pelo qual é possível obter uma carreira bem-sucedida em corridas. “É possível ter uma carreira fantástica também no protótipo, no enduro, são muitas categorias. É também uma questão de saber qual é o seu alvo, a sua ascensão. E então, o que vem a seguir?”

“Há muitas possibilidades de carreira para mulheres em outras atividades profissionais, como técnicas, engenheiras, mecânicas, gerentes de comunicação…”, reitera Mayer, enfatizando que “o automobilismo não é só piloto, existem muitas outras maneiras de ter sucesso, e é nisso que tentamos aumentar a conscientização”, concluiu.

Colaboração de Evelyn Guimarães

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