De trajetória incomum no esporte a motor, Rafa Câmara atrai holofotes em todos os campeonatos que disputa e é uma das principais apostas da tradicionalíssima Ferrari para o futuro
Uma família com um passado recheado no automobilismo, parentes que conseguem encurtar os caminhos rumo à Fórmula 1 ou um sobrenome conhecido por qualquer amante do esporte a motor. São histórias comuns para aqueles que conseguem alcançar um grande estágio na carreira, principalmente na escada para a categoria que reina no esporte, mas bem diferente da contada por Rafa Câmara, brasileiro de 18 anos que surpreende pela rápida capacidade de adaptação e pelos resultados em seus primeiros anos de Europa.
Assim como grande parte dos pilotos que disputam as principais categorias de monopostos do mundo, Rafael Chaves Câmara cresceu no kart. No entanto, engana-se quem pensa que o pernambucano de Recife cresceu com o objetivo de se tornar um piloto profissional. Na verdade, quem disputava corridas de kart era seu irmão, enquanto Câmara — ainda criança — ia para assistir. Por outro lado, a partir do momento em que o familiar desistiu do caminho, Rafa agarrou a oportunidade e não largou mais.
“No começo, minha família não tinha nenhum contato com automobilismo”, admitiu Câmara. “Então, foi até um pouco estranho o jeito que eu comecei, porque na minha família, ninguém conhecia. Mas havia um amigo do meu pai, que botou o filho dele para andar e conversou com ele. Então, meu pai começou a colocar meu irmão para andar de kart. Meu irmão devia ter uns 12 anos, mas não gostou do kart. Depois de um tempo, ele parou”, revelou.
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“Durante esse tempo em que ele ia, eu sempre ia junto com ele para assistir aos treinos, e comecei a andar quando ele parou. Ele parou quando eu tinha cinco anos, mas meu pai ainda enrolou um pouco para saber se era realmente o que eu queria. Quando comecei a andar, fui melhorando cada vez mais, e estou aqui até hoje”, destacou o piloto.
A partir de 2014, quando ainda tinha nove anos de idade, Rafa começou a competir em diversos torneios de kart. Sua primeira participação no Mundial, ainda pela classe OK Junior, aconteceu em 2018, com uma 42ª colocação. No ano seguinte, na Finlândia, o brasileiro foi vice, enquanto 2021 reservou uma de suas principais decepções em ritmo de competição — um ano depois de sua primeira participação na classe OK do torneio.
Rafa conseguiu assumir a liderança da corrida final, na principal classe para aqueles que buscam o título mundial, em competição realizada em Campillos, na Espanha. No entanto, o brasileiro sofreu com um vazamento no pneu e foi perdendo rendimento a cada volta, o que o levou a um abandono no fim. Após a derrota, ficou o sentimento de que era possível sair da Andaluzia com o título.
“Acho que eu poderia ter ganhado esse. Mas, infelizmente, tive um vazamento de ar no pneu na final e tive de abandonar. Eu consegui chegar ao primeiro lugar, na chuva, mas piorava a cada volta. Estava vazando muito pouco, mas a cada volta ia piorando e tive de parar no fim. Nesse Mundial, principalmente, eu estava muito bem preparado mental e fisicamente. Infelizmente, tive esse problema”, lamentou.
Ainda que tenha saído sem o título mundial, Câmara fez um último ano laureado no kartismo. Conquistou o título em três competições e ainda acumulou mais um vice, o que o fez ser imediatamente observado pela Ferrari. Prestes a adentrar definitivamente a carreira de monopostos, o brasileiro recebeu uma proposta sonhada por basicamente todos aqueles que iniciam no automobilismo: uma oportunidade de buscar a vaga na Academia da equipe mais tradicional do esporte a motor.
“Começou quando eu estava no kart, acho que eles já estavam de olho em mim. Depois, me chamaram para fazer o teste. Eles organizam algumas etapas e você passa para uma final. Nessa final, eles escolhem um ou dois pilotos. No meu ano, escolheram dois — mas normalmente, é um piloto só. Eu treinei com carro de fórmula antes, para me preparar, e quando cheguei lá estava bem nervoso porque sabia que seria uma oportunidade única”, admitiu.
“Todo mundo quer entrar. Eu estava sozinho, fiquei hospedado em um hotel em frente à Ferrari, em Maranello, e fiquei alguns dias fazendo testes físicos, mentais, outras atividades, e depois tive dois dias de pista em Fiorano”, destacou.
Durante o teste, que teve dois grupos de pilotos — um de manhã e outro à tarde —, Rafa explicou que a Ferrari organizava uma simulação de fim de semana de Fórmula 4, categoria que compõe o primeiro degrau de entrada nos monopostos, com competições espalhadas por vários países. A maior dificuldade em sua primeira competição real em um chassi da classe, de acordo com o jovem brasileiro, foi a conservação dos pneus — que, para ele, era uma novidade naquele momento.
“No primeiro, são três ou quatro sessões para você conhecer a pista, e no segundo dia, é como se fosse um evento de corrida. Depois desses treinos, teve a tomada de tempo e a simulação de corrida, que tinha cerca de 20 voltas. Foi minha primeira simulação de corrida em um carro de fórmula, lembro que eu estava acelerando sem conservar os pneus, e você precisa fazer isso em um monoposto. Quando chegou no final, eu perdi muito por não conservar no começo”, lamentou.
“Mas foi uma boa experiência para mim, porque eu não sabia como o carro ia reagir no final. Depois desses cinco dias, voltei à vida normal e fui avisado de que tinha entrado na Academia. Aí, não tem o que falar, né? Fiquei feliz demais, e agora estou brigando para melhorar”, celebrou.
A mudança para a Europa, no entanto, não é fácil. Mesmo ainda sem se comunicar totalmente em outro idioma, Rafa passou a disputar três edições de F4 em seu primeiro ano: nos Emirados Árabes, que abre a temporada, além da Italiana e da Alemã, duas das mais fortes entre todos os grid espalhados pelo mundo. Apesar das dificuldades iniciais em termos de adaptação, os resultados surgiram de forma imediata: um vice na primeira e dois terceiros lugares nas duas últimas, confirmando que o início meteórico não era por acaso.
O terceiro lugar na F4 Alemã, inclusive, veio acompanhado de um diagnóstico positivo para Covid, o que fez o piloto perder seis provas ao longo do ano. Não fosse isso, o vice seria um objetivo completamente factível ao brasileiro da Prema. Ainda que os resultados não mostrem, a dificuldade com o idioma e a mudança de mentalidade representavam uma necessidade imediata de adaptação, principalmente para alguém que deu seus primeiros passos no esporte a motor de forma mais tardia.
“Quando me mudei, acho que [a maior dificuldade] foi a língua, que é bem diferente. Eu já tinha ido aos Estados Unidos antes da Europa, fiz algumas corridas lá, mas acho que o profissionalismo do pessoal, pelo jeito de trabalhar, acho que são mais profissionais na Europa. Quando comecei na Itália, foi um pouco mais difícil de me adaptar ao jeito de pilotar, era tudo diferente do kart. E também tinha os outros competidores, né? O jeito de andar era diferente do Brasil, principalmente na mentalidade”, ressaltou.
“Acho que eu comecei a treinar um pouco tarde, comparado a outros pilotos. Acho que poderia ter treinado mais. Mas para aprender coisas como frenagem, preparação dos pneus, coisas que são chave, eu tive uma boa base. Quando entrei na Prema, principalmente, tive mais informações, e acho que evoluí bastante — e continuo evoluindo a cada vez que vou para a pista. Quanto mais experiência você tem, você passa a saber o que fazer quando a pista esquenta”, explicou.
As dificuldades de comunicação, entretanto, não são nada perto da diferença de pilotar um kart e um monoposto. Rafa destacou que a frenagem do carro de fórmula é completamente diferente, o que exigiu uma mudança de abordagem no início. Por outro lado, a telemetria feita nos bólidos permite estudos e preparações mais detalhadas, algo que o brasileiro não tinha no kart. Assim, a compreensão do que é preciso fazer na pista para melhorar cada vez mais os tempos de volta fica mais clara, já que é possível comparar as tentativas e encontrar meios de ganhar tempo — cada décimo de segundo conta.
“No kart é tudo mais natural, não tem tanta telemetria, é mais sobre a sua pilotagem. Claro que você usa seu talento no carro de fórmula, mas você consegue trabalhar e evoluir bastante usando a telemetria. Então, se você tem companheiros bons, vocês se ajudam, porque acabam crescendo juntos. Sempre tem uma curva em que alguém é melhor que você, nunca é perfeito. Então, você consegue ver essas coisas mais detalhadamente no carro de fórmula”, salientou.
Além da necessidade praticamente imediata de adaptação, o fluxo de informações para os jovens que ainda iniciam nos monopostos é enorme. A preparação e a pilotagem são consideravelmente mais complexas do que no kartismo, o que significa que, ao mesmo tempo em que precisa assimilar o que é passado, o piloto não pode perder sua pilotagem natural e deixar as preocupações com o que há de ser feito atrapalharem o ritmo.
“Quando andei em um monoposto pela primeira vez, a maior diferença, para mim, foi nos freios. Fazer a frenagem correta, no ‘shape’ correto, ficou mais natural de andar com o tempo. Lembro que, em minha primeira semana de corrida, eu estava recebendo muitas informações — e isso me piorou. Porque eu estava pensando demais para pilotar, não estava conseguindo andar do jeito que eu ando. Com o passar do tempo, isso foi melhorando, e hoje eu sinto que é mais natural de andar. Já sei tudo que preciso fazer quando entro [no carro]”, frisou.
Em 2023, Rafa sobe mais um degrau. O brasileiro defende a Prema na FRECA, seu primeiro campeonato a nível continental em monopostos, e já conquistou um pódio logo na primeira corrida. A preparação, como não poderia deixar de ser, é feita junto à Academia Ferrari, que já vê Câmara dividindo os principais holofotes com Andrea Kimi Antonelli, promessa da rival Mercedes e campeão do ano passado na F4 Alemã e na Italiana.
A multiplicação de pilotos reservas — ou de desenvolvimento — nos últimos anos da Fórmula 1 mostra que as equipes estão olhando com carinho para suas categorias de base e, ainda que as oportunidades no grid mais concorrido do mundo não surjam de forma corriqueira, ter uma aliada no caminho para chegar à categoria é vital para o sucesso. Ainda que evite pensar em como ou quando chegará à F1, Rafa ressalta a importância da Ferrari em sua preparação para as corridas e admite que o caminho pode ser encurtado com a presença da escuderia.
“O diferencial [de estar na Ferrari] é que você se prepara muito para as corridas, principalmente no aspecto mental. Tem um cara dentro da Ferrari que é um psicólogo, nós sempre conversamos com ele. Por você estar em um time, eles [a F1] já olham para você um pouco diferente, por ser de uma Academia. Se chegar alguém que eles nunca ouviram falar e outro de uma Academia, acho que olham mais para o cara que já está em uma Academia. Isso em todas as equipes, no geral”, disse.
“Não sei como é a Academia dele [Antonelli], a Mercedes, mas com a Ferrari, [o mais importante] é o suporte que eles me dão. Principalmente fora da pista, com toda a estrutura que temos à disposição. Fazemos treinos mentais, físicos, outras atividades também. A gente joga padel às vezes, até para distrair. Dentro da Academia, a relação de todos é muito boa. Eles tentam fazer com que a gente seja próximo. É claro que, quando você vai para a pista, você pensa em você. Mas eles fazem com que todos tenham uma boa relação”, prosseguiu.
Enquanto Rafa se preocupava em acelerar em grandes palcos do mundo, como Spa, Ímola e Zandvoort, o Brasil registrou um ano histórico para o automobilismo nacional em 2022. A criação da F4 Brasil, vencida por Pedro Clerot, representa uma oportunidade para que novos talentos se desenvolvam ainda no país, sem a necessidade imediata de competir na Europa — uma tarefa muito mais cara, que faz com que vários talentos sejam perdidos no caminho devido aos altos valores.
Assim, é possível sair do kartismo diretamente para uma categoria brasileira, o que leva os pilotos a chegarem nos grids europeus com uma bagagem maior e mais experiência para competir. Foi apenas o primeiro passo, mas a tendência é de que a modalidade se fortaleça ainda mais com o acúmulo de dados e o surgimento de novos talentos sul-americanos.
“Achei a categoria do Brasil boa, é uma oportunidade de você ter um ano a mais de experiência. Com o decorrer do tempo, acho que vai evoluir cada vez mais. Ano passado foi a primeira edição, acho que eles não tinham tanta base com o carro e devem melhorar ainda mais com o passar do tempo”, avaliou Câmara.
“Mas, olhando de fora, parecem estar fazendo um bom trabalho. Se continuar assim, [a categoria] vai ficar cada vez melhor. Vai ter mais dados, e os pilotos poderão trabalhar mais. Com mais dados à disposição, vai ser possível melhorar mais rapidamente”, completou.
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