Após começar 'por acaso' no automobilismo, Lucas Fecury optou por não correr na Europa, e, hoje, é um dos pilotos brasileiros que almejam a Indy

Quando olhamos para a maioria dos pilotos, sejam aqueles que ainda estão dando os primeiros passos no esporte a motor, ou os que já estão em categorias consolidadas, há os que começaram a correr por já viverem no ambiente enquanto crianças e os que se envolveram porque viam ídolos na TV e sonhavam em ser como eles. A história deste personagem teve um início um pouco diferente.

Nascido em São Luís, no Maranhão, em 27 de maio de 2003, Lucas Fecury é um piloto que está nas categorias de base do automobilismo – mais precisamente na USF Juniors, parte da escada para a Indy, defendendo a DEForce Racing – nos Estados Unidos, e teve seu caminho cruzado com as corridas meio que pelo ‘acaso’. O primeiro contato com um kart foi aos seis anos de idade. Apenas uma brincadeira de criança após uma visita do pai a uma concessionária.

“Ele foi comprar um carro e a gente acabou encontrando um amigo dele. O filho do amigo corria de kart aqui na pista local de São Luís, e estavam procurando gente para fazer grid e ter mais [categoria] cadete. E aí ele vendeu todo o projeto para o meu pai: ‘é legal, o esporte e tal…’. Meu pai me levou e dei umas voltas no kart do menino, e acabamos comprando. Aí, fiz a primeira corrida, quase ganhei, e todo mundo se empolgou, ‘vamos fazer, vamos fazer’, e, enfim, comecei a andar sem a noção que tomaria essa proporção, para te falar a verdade. Foi 100% no hobby”, relembrou.

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Lucas já conta com um pódio na USF Juniors 2023 (Foto: Gavin Baker)

Mas a coisa começou a deixar de ser diversão e se tornou mais profissional em 2019, quando foi para São Paulo disputar, pela primeira vez, o Campeonato Brasileiro de Kart. Ao ver as equipes mais profissionais e rivalidade maior entre os pilotos, Fecury percebeu que estava começando a fazer parte de um ambiente diferente, e que o sarrafo estava mais alto.

“A primeira vez que eu tomei um espanto foi quando fui para São Paulo pela primeira vez”, contou. Enfim, as coisas começaram a ficar um pouco mais sérias. Aqui [São Luís] o campeonato sempre foi muito simples, uma coisa bem caseira, por mais que exista um clube de pilotos maranhenses que faz um campeonato legal, mas simples”, admitiu.

“Quando eu fui para São Paulo pela primeira vez comecei a sentir uma rivalidade muito grande entre pilotos, várias equipes, e é uma coisa bem mais organizada e mais profissional. Então, acho que em 2019, que eu comecei o primeiro Brasileiro de Kart, eu senti a diferença. Vi que a gente estava levando para outro rumo e não era só uma diversão”, contou ao GRANDE PREMIUM.

Lucas fez toda a sua carreira no kart, e venceu o Campeonato Brasileiro por equipe formada por dois mecânicos e um preparador de carros apresentado a Lucas através de um amigo em comum de seu pai.

“Tinha uma pessoa chamada Mazinho, ele é um preparador em São Paulo, e por coincidência, era amigo de um outro amigo do meu pai que corria de kart aqui. E eu acabei indo correr na equipe dele lá em São Paulo. E, aí, minha carreira inteira de kart eu corri com ele. E a gente ganhou o Brasileiro de Kart juntos, quase ganhamos o Paulista, em que fomos vices, enfim. Ganhamos o Campeonato Paranaense. Ganhamos muita coisa juntos”, apontou.

Fecury venceu o Nacional de kart em 2020, ainda passou 2021 correndo no esporte, inclusive com ida aos Estados Unidos, e, em 2022, a Fórmula 4 Brasil foi inaugurada. A categoria jovem e renovada tende mesmo a ser o caminho natural para os pilotos que vão ter um primeiro contato com um monoposto. O maranhense, no entanto, optou por seguir um caminho um pouco diferente e partiu para a Fórmula 4 nos EUA.

A USF Juniors é o primeiro degrau no Road to Indy (Foto: Gavin Baker)

“Pensei bastante. A gente não chegou a conversar, mas recebemos convites. O que acontecia é que para a gente não parecia ser vantagem justamente por ser o primeiro ano de carro. A gente fez uns orçamentos e, enfim, era bem parecido, e por ser o primeiro ano de carro para mim já era uma vantagem ir para lá [EUA] e já ir aprendendo as pistas dos Estados Unidos. Eu já estava bem ambientado, fiz 2021 lá, então eu já estava mais para lá do que para cá”, lembrou.

“Então eu acho que a gente decidiu muito por isso, por já estar bem entrosado e já ir conhecendo as pistas de lá. Não necessariamente o carro, porque o carro que andamos em 2022 era bem antigo, mas enfim. Já conheci bastante as pistas para esse ano, e agora a partir desta terceira etapa [na USF Juniors] eu conheço todas as pistas do calendário. Então para mim valeu muito a pena”, reconheceu.

Geralmente, os pilotos sonham em sair do país para ir correr na Europa para entrar no radar da Fórmula 1, e, eventualmente, compor o grid da maior categoria do esporte a motor. Fecury também tinha esse sonho, mas explicou porque seguiu um caminho diferente.

“Sempre tive vontade de ir para a Europa, acho que todo mundo tem, não vou mentir aqui. A gente começou a fazer um planejamento e analisamos as possibilidades. Tinha oportunidade no Brasil, que na época estava começando a F4 Brasil e tinha a F4 americana. Chegamos a dar uma olhada na Europa, mas o orçamento lá era sempre muito, muito maior do que qualquer outro lugar. E a gente sabe hoje que se você não corre na Prema, já não fica entre os três primeiros”, apontou.

“E a Prema tem uma fila para conseguir entrar na equipe, entende? Então tem toda uma questão que eles que escolhem o piloto, não é tão o contrário. E como eu nunca tinha andado de kart na Europa, tinha acabado de andar de kart nos Estados Unidos, enfim, conheci bastante gente lá, a gente resolveu optar por esse caminho. Eu também já conhecia um pessoal nos Estados Unidos, e por lá também é financeiramente mais viável”, admitiu Fecury.

O piloto da USF Juniors ainda deu alguns detalhes do que é preciso para se juntar à equipe mais dominante das categorias de base na Europa. A escuderia já conta com muitos desejosos e, ao contrário da crença popular, só um caminhão de dinheiro não é o suficiente para ser contemplado com a vaga.

“Eles já têm meio que pré-escolhido quem vai correr com eles no ano seguinte a partir dos resultados do kart. Não que essas pessoas não levem um dinheiro, elas levam, mas você precisa do orçamento e vencer o Europeu de Kart. Eu já sabia que para 2022 ia ser o Rafa [Câmara], o Kimi [Antonelli] e o Charlie [Wurz]. Tenho certeza que eles já têm os pilotos do ano que vem confirmados. Lembro que tinha mais uma cadeira aberta, mas já era muito tarde para mim”, lamentou.

Lucas Fecury é o sexto colocado na USF Juniors 2023
Lucas Fecury é o sexto colocado na USF Juniors 2023 (Foto: Gavin Baker)

Então definido que seguiria o caminho do automobilismo nos Estados Unidos, Fecury contou que teve certa dificuldade para se adaptar aos monopostos, principalmente porque, nos carros, não se usa o peso do próprio corpo para fazer curvas. Até se acostumar com isso, levou algum tempo.

“Não esperava que seria tão difícil, para falar a verdade. Eu pensava que tinha alguma coisa mais a ver, principalmente porque no kart se usa muito o peso para fazer as curvas e para eu começar a entender que não tinha como eu usar o meu peso, e tudo que eu tinha que fazer era no volante, no acelerador e no freio. Até virar essa chave demorou um pouco”, lembrou.

Outro fator foi o preparo físico. Embora já tivesse acumulado uma bagagem no kart, Lucas nunca havia se preparado fisicamente para estar numa corrida, e percebeu a necessidade disso quando sentou em um carro de Fórmula 4.

“É muito pesado, também. O carro do ano passado, principalmente, era muito pesado, desse ano já é ok, mas do ano passado era muito pesado. E eu tinha 16/17 anos, jogava videogame o dia todo e só saia de casa para correr de kart. Não ia para a academia, não fazia nada. Então meu preparo físico era zero. Então, realmente, eu não tinha força na época para isso”, recordou Fecury.

“Hoje em dia já está sob controle, mas na época não estava, então demorou um pouquinho para eu conseguir físico o suficiente para conseguir correr. Depois que se adapta a essa parte física, é mais experiência mesmo e tempo de assento, mais tempo andando para começar a entender e meio que prever o carro, sabe?”, contou.

A força G, por exemplo, que os pilotos relatam ser um verdadeiro incômodo quando não se está devidamente preparado, também causa algumas dores nos pilotos jovens da base, caso não tenham resistência o suficiente. O brasileiro, inclusive, chegou a sofrer com isso.

“O pescoço e o ombro, depois das corridas… No ano passado eu já ficava destruído depois de um fim de semana. Meu pescoço e ombro se eu virasse, estalava tudo. Mas isso depende das pistas, para falar a verdade. Mas o que mais pega para mim, pelo menos, é quando tem uma freada mais forte e que a cabeça acaba indo para frente, que começa a cansar sabe!? E ficar desgastado, principalmente em corrida”, confessou.

Antes de começarem o campeonato principal em uma temporada, que no caso de Fecury em 2023 é a USF Juniors, os pilotos costumam fazer algumas competições menores como forma de se preparar e manter o ritmo de corrida. O piloto brasileiro optou por fazer essa pré-temporada na Fórmula Regional da Oceania, lugar onde seu time dos Estados Unidos também corre.

Lucas Fecury iniciou a preparação para a temporada 2023 na Fórmula Regional da Oceania (Foto: Gazoo Racing New Zealand)

“Gostei de lá. Para mim é um dos campeonatos mais legais que já fiz, disparado. As pistas são todas bem old school [em estilo clássico, na tradução para o português], quase nada de área de escape. A gente acabou optando por lá justamente porque a minha equipe nos EUA é de lá, e eles já fazem esse campeonato há muito tempo”, relatou.

“O carro de lá [Oceania] é bem mais difícil de guiar, por causa do turbo, ele faz a tocada ser mais precisa, então não tem muito espaço para errar. Quando erra, o prejuízo é muito maior”, disse.

Outra pedra no sapato de Fecury na Oceania foi a forma de lidar com os pneus. Basicamente, em uma sessão de classificação de 20 minutos, a dificuldade para atingir a temperatura ideal da borracha era tamanha que geralmente os pilotos conseguiam fazer apenas duas voltas rápidas.

“Lá, tínhamos um problema muito grande com desgaste de pneu, mas acho que isso se dá ao tipo de composto, que era diferente. O desgaste era alto porque o jeito de aquecer o pneu mudava muito. Então se errasse a maneira de aquecer, o pneu não durava nada”, contou.

O acerto dos carros é outro grande diferenciador entre as duas categorias, segundo Lucas. O piloto brasileiro, que gosta mais do carro dianteiro, contou que essa configuração não casa bem com os bólidos da categoria estadunidense. A saída para isso foi tentar se acostumar com um tipo de condução completamente diferente.

“Eu prefiro carro saindo de frente, sem dúvidas. O carro da Fórmula Regional da Oceânia aceitava isso, mas o carro da USF Juniors não aceita tanto, ele tem que sair de traseira. Se ele não é um pouco traseiro, não vai virar, então é uma coisa que não adianta lutar contra, é algo que eu tenho que me adaptar e estou trabalhando bastante isso com a equipe, e com certeza eu melhorei bastante nisso”, celebrou Fecury.

“Mas não é muito [confortável], não é algo muito legal. Eu acho que a confiança vai chegando volta após volta e depois de um tempo você começa a entender como funciona. Sem contar que todos os engenheiros estão me ajudando bastante, então a gente tem uma equipe bem legal ali, e conseguiu fazer essa adaptação”, disse.

Lucas Fecury USF Juniors 2023 DEForce Racing
Junto ao trabalho da equipe DEForce, Lucas está conseguindo se adaptar ao carro traseiro da categoria (Foto: Gavin Baker)

Embora não goste muito dos simuladores, o equipamento ajudou – ainda que um pouco – a se acostumar com o carro que precisa ser traseiro. O maranhense até tem um em casa, mas admite que prefere se preparar para as corridas quando está na pista de verdade, ou na academia, melhorando o preparo físico.

“[O simulador] ajuda bastante, porque dá para ter uma noção de como o carro vai responder a certas condições e com um risco bem menor. Então se bater é só reiniciar, é tranquilo. Mas ajuda. Acho que no básico ajuda bastante, e quando nunca andou em uma pista fazer um pouco de simulador antes é bem bom. Obviamente estou sempre na academia e me preparando fisicamente, que para mim é o mais importante disparado. Chegar lá preparado fisicamente, mentalmente, com a cabeça tranquila e pronto para o fim de semana. Para mim isso vale muito mais do que qualquer treino de simulador”, ressaltou.

Em relação às pistas do calendário da USF Juniors, Fecury destacou que tem uma certa afinidade com praticamente todas, com destaques positivos para Virgínia, Sebring, Barber e Mid-Ohio. No entanto, o grande desafeto é o Circuito das Américas, em Austin, no Texas. A repulsa, no entanto, não é por não conseguir performar bem no traçado, mas porque os carros da categoria não foram feitos para competir por lá.

“Eu não gosto do COTA. Odeio essa pista com todas as minhas forças. O problema é que o nosso carro é muito lento ainda para a pista. Ela foi toda construída para a Fórmula 1, então a volta é na casa dos 2 minutos, sabe? Acaba ficando um pouco desproporcional, eu acho. Com um carro mais rápido pode ser bem legal, mas com o nosso não é. Na curva de alta para a direita, entre a 16 e 18, bem no último setor, na Fórmula 1 ela é feita em 5 segundos virando o volante, mas a gente faz em quase 12 segundos. Não é tão legal”, lamentou.

Já nos Estados Unidos há mais de um ano, o brasileiro contou que a chegada ao país teve lá suas dificuldades. Ir para outro país sem os pais e sem conhecer absolutamente ninguém, não foi fácil. No entanto, a daptação veio com o tempo. Tanto que, hoje prefere passar o tempo nos EUA em relação ao Brasil. Além disso, a presença do brasileiro Nicolas Giaffone no grid da USF Juniors ajuda a descontrair um pouco e se sentir mais em casa.

“O começo foi bem complicado, principalmente em 2021. Realmente é bem longe, diferente de quando eu morava em São Paulo e meus pais aqui no Maranhão. Já são 10h, 12h de voo desde casa, todo mundo falando outra língua. Eu demorei um pouco a me acostumar e fazer amizades. Hoje em dia eu já estou bem adaptado, passo boa parte da temporada lá, e vim aqui só passar meu aniversário essa semana [a entrevista foi feita no fim de maio], mas acho que já estou bem adaptado, estou começando a gostar mais de lá do que daqui, para falar a verdade”, brincou.

“Não nos vemos muito fora da pista, mas a gente se dá bem”, falou sobre Giaffone. “É legal falar um pouco de português às vezes e fazer umas piadas no meio da semana, dá uma descontraída boa. É legal ter alguém por perto assim”, reconheceu Fecury.

Passadas três rodadas triplas na temporada 2023 da USF Juniors, piloto de São Luís está na sexta colocação, com 129 pontos, conseguindo subir no pódio em uma oportunidade, na etapa em Barber. O objetivo, até o fim do campeonato, é seguir consistente para somar o máximo de pontos possíveis, e, eventualmente, manter-se vivo na disputa pelo título.

Lucas Fecury celebra pódio em Barber na USF Juniors 2023
O único pódio, até agora, foi alcançado na etapa em Barber (Foto: Gavin Baker)

“O importante é sempre estar andando ali na frente e pontuando. Eu estou bastante focado em terminar todas as corridas e estar sempre entre os cinco primeiros, pontuando bastante. Porque o que importa mais é o final, mas para estar na briga tem que ser consistente agora. Então deixa o pessoal se matar um pouco e ver se a gente consegue chegar no finalzinho, em Austin, ainda vivo na briga”, disse.

Por fim, faltando ainda quase meio ano para chegar em 2024, Lucas Fecury foi contido na hora de fazer projeções para a temporada vindoura e afirmou que ainda não sabe se vai permanecer na USF Juniors ou dar um passo adiante para a USF 2000.

“O plano é seguir no Road to Indy, não tenho nenhuma dúvida. Em qual categoria, vai depender muito de como vai ser esse ano, como vamos fechar e o que vamos conseguir de orçamento para o ano que vem. Espero que dê certo. Hoje o dólar no preço que está não é uma das coisas mais fáceis, mas estou aproveitando ao máximo esse ano, porque isso é uma coisa que está fora do meu controle, para falar a verdade. Então estou dando o máximo que tenho esse ano e só esperando que dê tudo certo para o ano que vem”, finalizou Fecury.

O que já dá para dizer é que a visita do pai à concessionária deu ótimos frutos.

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