Conta-giro: há 40 anos, pilotos da F-Super Vê protestaram contra punição autoritária e disputaram corrida em fila indiana

No dia 10 de agosto de 1975, o então forte automobilismo nacional testemunhou um protesto quase único entre pilotos em defesa de um colega e contra arbitrariedade de um diretor de provas. Por conta da suspensão dada a Chico Lameirão, o restante dos competidores da F-Super Vê decidiram realizar a etapa em Brasília em fila indiana, sem ultrapassagens ou disputa de pista

Há quase 40 anos, precisamente no dia 10 de agosto de 1975, o automobilismo nacional acompanhou uma forte e categórica demonstração de união de pilotos. Foi durante uma rodada da F-Super Vê, o bem-sucedido campeonato de monoposto que marcou o esporte a motor no Brasil em meados dos anos 70 e que revelou importantes nomes como Nelson Piquet, Chico Lameirão, Ingo Hoffmann, Jan Balder, Ricardo Di Loreto, Alfredo Guaraná Menezes e Pedro Muffato.

Idealizada pela Volkswagen, sob a batuta do presidente, o alemão Wolfgang Sauer, a categoria começou a ser pensada em 1973, mas a primeira temporada aconteceu apenas no ano seguinte. A prova que abriu o campeonato aconteceu em Goiânia, no dia 14 de setembro. O titulo naquele ano de estreia ficou com Marcos Troncon.

O monoposto da Super Vê tinha um motor de 1.600cc e custos mais acessíveis à época. Algumas provas eram transmitidas pela TV, inclusive. E a média de pilotos por grid era de 27 carros — mas há relatos de provas com até 40 competidores — e as corridas duravam em torno de 20 minutos, atraindo um grande público aos autódromos. Circuitos como Interlagos, Brasília, Tarumã, Cascavel também serviram de palco para aquele que é considerado até hoje um dos mais importantes campeonatos do esporte a motor tupiniquim.

Chico Lameirão na F-Super Vê (Foto: Reprodução)

E, em 1975, já melhor consolidada, a categoria foi a Brasília naquele início de agosto para uma rodada dupla do calendário.

A primeira prova da etapa brasiliense tinha Chico Lameirão na liderança, com José Pedro Chateaubriand, Nelson Piquet e Alfredo Guaraná Menezes também na disputa no pelotão da frente. Até que, na terceira passagem, Lameirão não percebeu o óleo no traçado e rodou, sendo atingido por Piquet, que também não conseguira escapar. Chico, então, questionou o fato de o fiscal não ter avisado sobre o óleo na pista. E foi aí que a confusão começou.

O então diretor de prova, Luiz Cavalcanti, não gostou da atitude do piloto, o acusou de tentar agredir o fiscal e acabou impondo uma suspensão de seis meses. A decisão provocou indignação nos demais pilotos, que justificaram que a manobra de Cavalcanti estava fora de suas atribuições.

O GRANDE PRÊMIO ouviu Lameirão sobre o incidente. “Tecnicamente, o que aconteceu foi o seguinte: o bandeirinha não avisou que havia óleo na pista e eu, Nelson e outros pilotos fomos direto no óleo. E eu fiquei muito bravo por ninguém ter avisado nada. Então, eu fui falar com o fiscal, e o Cavalcanti falou que eu bati no bandeirinha, quando na verdade eu nem toquei no cara. E aí todo mundo se revoltou. Ninguém queria terminar a corrida”, explicou.

Dono de uma carreira sólida no Brasil, com participação em quase todas as categorias do esporte nacional entre os anos 1960 e 1970 e que se tornaria o campeão da Super Vê naquele ano, Lameirão ainda deu sua versão para a atitude do diretor de prova. Para o ex-piloto, havia algo a mais na polêmica decisão.

“Na verdade, esse cartola chamado Cavalcanti era mais chegado à Ford. Então, ele queria um pretexto para complicar a Super Vê e foi então que encontrou um motivo para tentar melar o campeonato”, contou.

Mas os pilotos permaneciam irritados, e a tensão tomou conta do paddock. O clima era de indecisão sobre o que aconteceria. E o que os competidores poderiam fazer naquela situação. “O presidente da CBA (Confederação Brasileira de Automobilismo) na época era o Charles Naccache. E ele disse que o contrato que assinamos antes do campeonato começar era um documento e que teríamos de honrá-lo, correndo”, revelou Chico.

A solução encontrada provocou irritação e até a torcida, meio que sem entender nada, vaiou. Mas a união de pilotos e equipes prevaleceu. “Então, os pilotos aceitaram correr, mas, como ninguém podia interferir na velocidade, a corrida foi feita a 70 km/h”, falou.

A mesma história foi contada por Ricardo Di Loreto, que fazia parte daquele grid em Brasília. Além da baixa velocidade, os pilotos optaram por completar as 12 voltas da prova em fila em indiana, sem nenhuma ultrapassagem, disputa, não teve nada depois, comemoração, pódio. 

“Quando terminou a primeira bateria, tudo aconteceu de forma brusca, porque não teve julgamento nenhum, o diretor de prova suspendeu o Chico por seis meses. Foi por causa de uma agressão ao bandeirinha. Ai, depois disso, virou uma discussão sobre o que fazer, se haveria ou não a segunda corrida. E em um dado momento, também começamos a pensar que tínhamos de respeitar todo aquele povo que estava lá para ver as corridas. Foi então que resolvemos dar aquelas 12 voltas da segunda prova em fila em indiana, sem ninguém ultrapassar ninguém”, revelou Di Loreto, que atualmente desenvolve um trabalho junto aos pilotos da Stock Car.

“Essa corrida em Brasília foi inesperada demais”, continuou ao GRANDE PRÊMIO. “A atitude daquele diretor de prova foi arbitrária. Para você ser suspenso, por qualquer razão desportiva ou técnica, é preciso ter um julgamento. Um tribunal precisa julgar, e você precisa ter o direito de se defender. A lei é assim. Mas lá o diretor o suspendeu por seis meses”, afirmou.

A punição não foi para frente. E Lameirão ainda pode completar a disputa do campeonato. E venceu, se tornando o segundo campeão da Super Vê, que mudaria de nome no ano seguinte. E a aquela prova em Brasília quem saiu vitorioso foi Alfredo Menezes Guaraná. “Foi a primeira vitória dele”, lembrou Ricardo.

Cacá Bueno não vai disputar a corrida de Curitiba deste fim de semana (Foto: Duda Bairros/Vicar)

A ligação com o episódio da suspensão de Cacá Bueno é quase inevitável. O piloto da Red Bull na Stock Car foi suspenso por uma corrida depois de criticar a CBA via rádio, durante a parte final da etapa de Ribeirão Preto.

Questionado pelo GRANDE PRÊMIO sobre o episódio e se via alguma chance de uma manifestação mais concreta dos pilotos da principal categoria do país, depois da punição dada ao pentacampeão, Di Loreto foi direto. “Provavelmente, não”, afirmou. “Eu estou envolvido com corridas há 45 anos e acompanho a Stock Car há 13 anos, vou a todas as provas. Então, eu não acredito que isso possa acontecer na Stock Car. Os interesses hoje são muito grandes. É completamente diferente. Há também os patrocinadores. É muito complicado”, acrescentou o ex-piloto.

Talvez falte união? O veterano acha que não e defende. “E não é falta de união dos pilotos, eles são unidos. Eu participo de todas as reuniões com eles na Stock Car e, às vezes, tem uns quebra paus lá que não tem sentido, apesar de que hoje as discussões melhoraram bastante”, garantiu.

Ainda assim, uma atitude inspirada naquela em que fez parte há 40 anos será vista com surpresa. “Não passa pela minha cabeça ver os pilotos hoje fazendo um protesto como aquele de 40 anos lá de Brasília. Para mim, se eles fizerem um protesto em prol do Cacá em Curitiba será uma grande surpresa. Olha, eu gostaria que isso acontecesse. Mas eu não acredito”, encerrou.

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