Grandes Entrevistas: Ingo Hoffmann

“Eu, quando me aposentei, em 2008, botei na minha cabeça que eu não ia correr mais. Mesmo. Aí, até apareceram alguns convites antes do Rubinho, sondagens, para correr nesta etapa, e falei ‘não vou’. Mas quando eu e o Rubinho conversamos no dia 22 de dezembro, na hora que ele falou, na hora eu fechei. ‘Ingo, pensa’. ‘Não, não tem que pensar, Rubinho, já está fechado. Vamos fazer’”

A Corrida de Duplas foi criada pela Stock Car com um objetivo principal, avalia Ingo Hoffmann, o maior campeão da história da categoria: “Criar buchicho”. E ele está gostando bastante de fazer parte deste buchicho.
 
Neste fim de semana, o ‘Alemão’ voltará às pistas seis anos depois de ter se aposentado, convidado por Rubens Barrichello para dividir o #111 em Goiânia. O dono de 12 títulos da Stock Car diz não estar tão ansioso, mas não esconde a animação e a felicidade por ter a chance de correr novamente — algo que ele não pensava em fazer.
 
“Eu, quando me aposentei, em 2008, botei na minha cabeça que não ia correr mais. Mesmo”, conta Hoffmann em entrevista exclusiva ao GRANDE PRÊMIO.
 
A conversa com a reportagem aconteceu na última semana, em um evento organizado pela Full Time em São Paulo. Antes, Ingo participou de uma entrevista coletiva junto de Barrichello, do chefe de equipe Maurício Ferreira, do presidente da Medley, Wilson Borges, e do diretor-geral da Vicar, Maurício Slaviero. A sua frente na mesa, estava um pedaço de papel com o carro #111 do atual campeão e seu nome nele.
 
Pode parecer coisa pouca para alguém que tem um currículo tão grande, mas ele quis guardar o souvenir e levar para casa.
 
Bem-humorado, tem feito piadas com a idade um tanto avançada, 62 anos, — pediu até uma vaga para idoso no autódromo — e com a rivalidade com o tricampeão Chico Serra, outro que está de volta. “Tem que brincar, mesmo”, justifica.
 
“Não vou dizer que a ansiedade está grande, mas também não vou dizer que não tem. Depois de tanto tempo de corrida, de vida, a gente consegue mais ou menos administrar. Agora, eu estou muito contente”, revela Ingo.
Convidado por Barrichello, Ingo está de volta ao grid da Stock Car (Foto: Fernanda Freixosa/Stock Car )
A chance de voltar
 
Desde que parou, em 2008, subindo ao pódio em Interlagos, Ingo se manteve próximo ao automobilismo não de forma competitiva. Trabalha para a Mitsubishi em projetos da marca e, por causa disso, inclusive tem pilotado bastante no Autódromo Velo Città, no interior de São Paulo. Isso ajuda a não enferrujar. Mas voltar a disputar uma corrida não estava nos planos até o convite de Barrichello pintar.
 
“Até apareceram alguns convites antes do Rubinho, sondagens, para correr nesta etapa, e falei ‘não vou’. Mas quando eu e o Rubinho conversamos, no dia 22 de dezembro, na hora que ele falou, eu fechei. ‘Ingo, pensa.’ ‘Não, não tem o que pensar, Rubinho, já está fechado. Vamos fazer’”, conta o piloto, resgatando a história da relação entre os dois para explicar o porquê da tão ágil resposta.
 
“Apesar da nossa diferença de idade, 20 anos, eu acabei sendo importante para ele na época que ele estava começando a vida”, continua, mencionando o “causo do capacete”. Certa vez, Ingo presenteou Barrichello com um capacete seu, laranja. Este casco foi guardado até hoje e serviu de inspiração para o laranja da parte superior do capacete do piloto que hoje tem o maior número de corridas disputadas na F1. “Lá atrás, quando dei o capacete, jamais imaginava que ele ia ser o Rubens Barrichello, recordista de participações na F1, vencedor de muitos GPs, vice-campeão. É um ícone no automobilismo. Lá atrás, eu fui referência para ele e depois ele passou a ser referência para mim, apesar da diferença de idade.” 
 
“A essa altura da vida, posso me dar ao luxo de tentar ter prazer nesta corrida. Vamos chegar lá e tentar fazer da melhor forma possível porque eu sou uma pessoa extremamente competitiva, e ele também vai fazer da melhor forma possível. Mas vou tentar deixar, lá no fundo da minha cabeça, a ideia de que vamos nos divertir sem pressão, sem estresse, sem cobrança. Vamos ver se consigo fazer isso. E estou ansioso para saber como que vai ser a minha performance dentro do carro, afinal, faz seis anos que eu não guio um Stock Car, então é diferente”, comenta.
 

Pela sua presença e pela vinda de outros nomes de peso no automobilismo mundial, Hoffmann crê que a Corrida de Duplas é um grande acerto. “A vinda do Chico Serra, Villeneuve, essa disputa que estão criando, pelo marketing, do Senna contra o Prost, mesmo a minha vinda. Isso agrega nomes à categoria, e o buchicho é o que conta ainda”, diz. “Agora, como também vai ter casos de gente correndo com pilotos extremamente habilidosos, rápidos, mas desconhecidos no Brasil. Neste caso, não adianta. Adianta quando você consegue trazer gente de nome que fale alguma coisa para o público em geral. Esse ano está se conseguindo.” 

 
O ontem e o hoje da Stock Car
 
Ingo Hoffmann começou a competir em 1972 e, quatro anos mais tarde, chegou ao ponto máximo que poderia alcançar no esporte: a F1. A carreira por lá, no entanto, acabou não sendo longa. Foram somente três largadas pela Copersucar. Houve vezes em que viajou para correr, mas não teve a chance de fazê-lo. Enquanto isso, competia também na F2, mas ao perceber que não teria futuro na Europa, retornou ao Brasil para o recém-criado campeonato da Stock Car. Nele, conseguiu se tornar um profissional do automobilismo — e lutou para tornar a categoria profissional.
 
Com base em toda a experiência que acumulou entre 1979, a primeira temporada da Stock Car, e 2008, a sua última no campeonato, Ingo acredita que hoje a categoria vive um grande momento — e considera que isso é gratificante.
 
“Você acabou de falar que eu conheço a história. De fato. Participei desde o primeiro ano, e houve épocas nos anos 1980, 1990, em que a categoria chegou a quase morrer. Foram feitos diversos grupos de trabalho, associações, para fazer a categoria sobreviver, e eu fiz parte deste trabalho de reconstrução. Logicamente, a pessoa que foi mais importante foi o Carlos Col, que já não é mais o promotor, junto comigo e o Paulão Gomes. Lá atrás, a gente tinha como um dos objetivos ter uma categoria no Brasil que desse a chance a novos pilotos de correr profissionalmente. Isso é uma realidade hoje. Fico feliz de ter participado de maneira bem pequena, mas teve uma pequena participação minha no sentido de perpetuar a categoria. Por este aspecto, é gratificante.”
O ‘Alemão’ é muito respeitado pelas vitórias que conquistou e ressalta que ainda hoje é reconhecido nas ruas, o que o deixa feliz. A repercussão que teve a notícia de sua volta à categoria também o deixou bem contente. Por outro lado, destaca que há um certo desconhecimento a respeito do passado do automobilismo nacional e recorda momentos delicados que enfrentou, como receber patrocínios sem sequer saber se haveria campeonato.
“Infelizmente, no Brasil como um todo, não há o hábito de preservar a história. Então o pessoal chega e acha que sempre foi essa maravilha. O pessoal da antiga sabe que foi bem mais difícil. Não é falta de reconhecimento, é falta de informação. Eu tenho certeza que 90% dos pilotos que estão correndo aí não têm ideia do que foi a categoria no passado, o que foi feito por pilotos da época para mantê-la viva. 
 
Corri 30 anos ininterruptos na categoria. Foram muitos momentos difíceis em todos os sentidos. Houve momentos em que eu tinha patrocínio, recebendo janeiro, fevereiro, março, abril e, em maio, a gente não sabia se o campeonato ia acontecer. Os campeonatos eram feitos ano a ano. Hoje, uma equipe pode se preparar para daqui três ou quatro anos. Naquela época, chegava outubro, novembro, perguntavam se ia existir no ano seguinte e ninguém sabia dizer. Isso era correr um risco grande.
 
Mas eu sei o que foi feito, quantas vezes a categoria correu o risco de não continuar mais, e hoje é uma tremenda de uma categoria sólida, pilotos ganhando salários bacanas, televisionamento. Isso é bacana.” 
Na questão da TV, Hoffmann também fala do papel que a Globo tem — um trabalho que considera importante e que levantou a categoria há uma década, mas que também tem seus pontos negativos. “É discutir sexo de anjos! Por um lado, acho que a Globo é muito, muito importante no sentido de alavancar a categoria como um todo. Mas, por outro, não adianta ter uma Globo transmitindo se o cerne da questão, que é dar retorno, não acontece porque a Globo não enfoca os patrocinadores, entendeu?” 
 
“Tenho certeza que vou dar entrevistas em Goiânia e o cameraman vai ficar na testa e no queixo. O boné não vai aparecer. É bom que divulguem a imagem do piloto. Mas eu, particularmente, não estava preocupado em divulgar a minha imagem. Estava preocupado em divulgar a imagem do patrocinador, o que com a Globo não acontece. É bom e é ruim”, acrescenta.
 
Mas Ingo faz um alerta: os custos na Stock Car alcançaram um patamar que começa a ser proibitivo, e é bom tomar cuidado com isso.
“Eu acho que a categoria está muito bem, com certeza. Você usou a palavra oásis. Talvez seja um pouquinho demais. Mas pode ser uma ilha bem bacana!
 
Oásis é aquela coisa de salvação. É uma categoria forte, bacana, mas por que que eu digo que não é a salvação? Porque ela é muito cara. Não adianta ser uma baita categoria, mas com os custos altíssimos como estão hoje, ou como estiveram no passado. Andei conversando com o pessoal que trabalha comigo, o Duda Pamplona e o Felipe Maluhy, e eles falaram que os preços começaram a baixar. Isso é ótimo. Ela é uma categoria top, mas teria que ter valores mais acessíveis financeiramente para quem quer participar dela.”
Ingo não chegou a deixar completamente as pistas nos últimos anos (Foto: Tom Papp/Mitsubishi)

O automobilismo nacional

 
Falta base no automobilismo nacional — e a Confederação Brasileira de Automobilismo deveria trabalhar mais neste sentido. É o que pensa Ingo Hoffmann.
 
Ele acredita que a CBA está acomodada e poderia fazer mais, mas não vê isso como um problema específico da atual gestão, e, sim, algo que vem já de algum tempo.
 
“Não temos nada de base. Comecei a pensar agora, não tem. E é um trabalho que deveria ser feito a médio e longo prazo pela CBA, pelas federações, que a impressão que eu tenho é que não estão aí para nada”, diz.
“Eu vou falar aqui e tenho certeza que o Paulo Gomes vai reclamar comigo, mas acho que a CBA poderia fazer muito mais pelo automobilismo como um todo. Não existe automobilismo de base. Existem campeonatos regionais que não dão chance de levar um participante para a categoria superior, tipo a Stock Car. O que acontece para o cara chegar à Stock Car é que o cara tem que ter muito dinheiro, muita grana, mas ele não foi feito na categoria de base. Agora que começaram a fazer um trabalho para reviver a F3.
 
Isso é uma coisa que vem histórica. A própria Stock Car nunca foi uma categoria da CBA. Não sei se a palavra é ‘privada’, mas é uma categoria que começou com o patrocínio da General Motors, empresas promotoras, eu mesmo tive uma empresa promotora que cuidava da Stock Car. Sempre grupos de empresas promotoras de fora da CBA. Aí começaram a aparecer as categorias monomarca, como a Copa Fiat, Copa Palio, F-Chevrolet, F-Ford, F-Renault, todas elas de alguma montadora. Com isso tudo, a CBA foi se acomodando. ‘Não preciso fazer nada porque as montadoras estão fazendo, os promotores estão fazendo.

E me lembro que quando eu comecei em 1972, não existia montadora, era tudo federação que fazia. Os campeonatos eram fortíssimos, mesmo.”

Como tirar a CBA desta zona de conforto? “Não sei… Não quero ficar falando de política, vamos falar da minha carreira, vai. ‘Cê’ quer me levar para um caminho que eu conheço o caminho que é, e eu estou fora, meu!”, esquiva-se em meio a uma gargalhada.
 
OK, pois. Com a deficiência na base, qual é o caminho que os jovens pilotos devem seguir? Ingo pensa que os garotos devem ampliar o leque de opções e olha para além do Mundial de F1. De qualquer forma, a receita é uma: talento e grana.
 
“Não adianta falar outra coisa. A verdade nua e crua é essa. Se o cara tiver talento e grana, mas muita grana, vai longe. Não quer dizer que tem que ser dono de um banco. Tem que ter a grana ou os meios para conseguir. Se não tiver, não vai. Esquece, não vai. Digo isso muitas vezes para os pais que vêm falar comigo. Tem muita gente que até tem muita grana, chegou à F1, mas não tinha o talento para se segurar. Não vou falar nome, mas tem um cara de supermercado, aí. Pesquisa que em dois segundos você vai saber quem é”, afirma, soltando mais uma risada. “Mas é verdade!”
 
“O cara não tem que ficar com o objetivo único da F1. Existem muitas outras coisas. Que nem eu falei agora, a Stock Car é uma baita realidade. Tem pilotos tipo o Cacá Bueno, que o cara se estabilizou aqui de um jeito… Está rico! Ganhou um monte de campeonato aqui no Brasil e nunca pensou em F1. Tenho certeza que, como ele, outros estão na mesma linha. Outros já perceberam que é assim. Augusto Farfus, está muito bem na Europa pela BMW. É um baita campo de trabalho. O Lucas Di Grassi correndo pela Audi nas corridas longas. É fantástico isso. Não tem que ficar só focando na F1. Tem que ter a opção A, B, C e D”, argumenta. 
 
Falando em Cacá, é ele o cara para quebrar o recorde de 12 títulos? “Qualquer um que chegar perto do meu número não vai estar lá por acaso. Não tenho essa preferência por um ou outro. Até pela minha amizade com o Rubinho, essa amizade longa, eu gostaria que fosse ele. Mas ele tem um, o Cacá tem cinco.”
 
Quanto a Barrichello, no entanto, ele minimiza a questão da idade. “Com 42 anos, eu estava em uma fase da minha vida que, dali pra frente, comecei a embalar. Falei: ‘Rubinho, 42, eu estava começando a ganhar tanto campeonato!’ Mas são épocas diferentes. No caso, o principal é o cara ter a determinação e a vontade de fazer isso por tanto tempo, porque a cobrança é muito grande. Muitas vezes, não é de fora, é da gente em cima da gente. Isso é o que mais cansa, sabe? Agora, se ele e os outros tiverem…”
Ingo Hoffmann é um dos instrutores da Mitsubishi (Foto: Tom Papp / Mitsubishi)
Depois da Stock
 
Ingo tem se dedicado a dois trabalhos desde que se aposentou: trabalha com a Mitsubishi em projetos da montadora e toca o Instituto Ingo Hoffmann, dedicado ao tratamento de crianças com câncer.
 
“Não quero mais coisa, porque acho que estou bem equilibrado entre a vagabundice e o trabalho!”, brinca.
 
O instituto é um de seus maiores orgulhos e passa por um período de transição. “Vamos para o oitavo ano agora e, como tudo na vida, os doadores, empresas, pessoas físicas, fecham ciclos. Há um ano ou dois, perdi doadores importantes. Consegui repor alguns, estou correndo atrás. E não posso nem me queixar. Estavam comigo há cinco, seis anos. Cumpriram o objetivo deles e isso faz parte do ciclo da vida, como daqui a alguns anos vai acontecer de novo. Agora tem que fazer evento, alguma ação para captar dinheiro e manter o instituto. Mas ele funciona bem redondinho, de toda forma”, diz.
 
“A Regina, que é a coordenadora, faz a parte dela, e eu corro atrás do dinheiro. E hoje peço sem vergonha na cara, porque não é para mim, é para o instituto! Vai pedir patrocínio, às vezes você fica até meio constrangido, com a impressão de que o cara está te fazendo um amor…”
O 'NÚMERO DE SENNA'

41 é um número cabalístico na F1: representa o número de vitórias de Ayrton Senna. Quando Michael Schumacher o alcançou, as lágrimas vieram como mar. Os dois que estão mais próximos da marca são Sebastian Vettel – faltam duas – e Lewis Hamilton – restam sete depois do triunfo na Austrália. Os rumos recentes e o destino até permitem imaginar uma ‘final’ lá pela segunda metade da temporada. Quem vai vencer essa disputa?

VÃO TER DE ME ENGOLIR

A temporada 2015 da Stock Car começa neste domingo com um nome em evidência: Rubens Barrichello. Depois de se consagrar na categoria nacional em 2014, o piloto mais experiente da história da F1 vai tentar buscar o bicampeonato contando com a ajuda de que mais entende de título na Stock Car: Ingo Hoffmann. A grande questão é que os demais pilotos do grid, segundo Barrichello, não aceitaram bem seu título e vão fazer de tudo para dificultar sua missão… 

TÀ NAS REDES

Leitores do GRANDE PRÊMIO nas redes sociais elogiaram Lewis Hamilton após mais uma demonstração de domínio do atual campeão e o compararam a Ayrton Senna. Ainda, apostaram em Felipe Nasr como talento a ser lapidado e presente na F1 por bastante tempo. Além disso, os internautas criticaram às pencas o novo formato de transmissão da Globo e atitude da Red Bull de ameaçar sair da categoria agora que foi passada pela Mercedes

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