Ao julgar Vettel descartável, Ferrari entrega chaves do futuro nas mãos de Leclerc

É necessário encarar a realidade da decisão de Sebastian Vettel deixar a Ferrari no fim do ano: Charles Leclerc oficialmente recebe a braçadeira de capitão e passa a ser o cara de Maranello para o futuro


Casou houvesse alguma dúvida quanto a quais são os planos da Ferrari para o futuro próximo, a decisão divulgada na última terça-feira confirmou a tendência que se estabeleceu no segundo semestre da temporada 2019. Sebastian Vettel é notícia passada, a aposta para metade dos anos 2010 que não rendeu título e agora não representa mais a matéria-prima dos sonhos de título em Maranello. A Ferrari é de Charles Leclerc.
 
As temporadas e experiências são vivas. Lá na frente, quando houver distanciamento temporal da relação entre Vettel e Ferrari, será fácil de pinçar a relação expectativa e realidade da equipe italiana com o tetracampeão. Ao se livrar de Kimi Räikkönen e abrir espaço para Leclerc apenas no segundo ano dele na F1, a Ferrari adotou duas maneiras de entender o mundo diferente das que tradicionalmente abraça. Entrou no mundo dos pilotos cada vez mais jovens e deu tempo a Vettel. Com alguém ainda no segundo ano, por mais talentoso que fosse, ainda teria de passar por um período de aclimatação – até porque seria o novato na equipe contra um Vettel totalmente confortável.
 
E o começo da temporada reforçou a impressão. A discussão do primeiro 1/3 do campeonato era sobre quando a equipe abriria o caminho para a tônica daquele começo: Leclerc terminar na frente de Vettel, uma vez que era mais rápido. Demorou um pouco – talvez fosse um fenômeno ainda mais veloz caso o motor de Charles não tivesse entrado no caminho da vitória no GP do Bahrein. Quando as portas se abriram, estava clara a conclusão.
 
Vettel claramente esperava uma corda maior para ser o piloto principal da equipe. Afinal, avaliemos com calma, o alemão liderava o campeonato de 2018 até depois da marca de metade. Fez um final de ano ruim, é verdade, mas ainda terminou vice-campeão mundial. Mesmo vice e num confronto direto com um piloto de 21 anos, recebeu a abertura de contagem. 
Charles Leclerc e Sebastian Vettel (Foto: Reprodução)
Ainda grogue de 2018, é verdade que Sebastian não deixou a contagem chegar a dez. Levantou-se, agarrando nos limites do ringue e se postou à frente. Então, como no primeiro combate entre Muhammad Ali e Joe Frazier, a Luta do Século, Vettel, o campeão mais popular que todos esperavam comparecer, rapidamente montou no golpe de dignidade de não ser nocauteado. Na luta, em 1971, ficou claro muito rapidamente que Ali não conseguiria superar a mão de aço de Frazier, então resolveu que perderia de pé. E assim foi. Frazier venceu por unanimidade, mas Ali encontrou uma maneira de minar a confiança do adversário vencedor. 
 
Vettel tentou responder a Leclerc em alguns momentos, teve alguns poucos fins de semana onde mostrou brilharecos do velho Vettel, mas estava claro que a derrota viria. Sebastian resistiu de pé, digno, vencendo a contagem, mas perdendo a luta. Leclerc venceu mais, fez mais poles, subiu em mais pódios e marcou mais pontos. Venceu, pois.
 
Com um Leclerc que mais vale logo no primeiro ano, valia pena manter Vettel dois anos depois? Não havia saída em 2020, uma vez que o contrato do alemão segue em vigência, mas para 2021 era outra história. Talvez o plano fosse mesmo preparar Vettel durante os dois primeiros anos para assumir a liderança em Maranello na terceira temporada vestindo vermelho. Pelo dito ou pelo não dito, não fazia sentido manter um veterano caro e de enorme história na categoria, tudo maior que o monegasco. Seria apenas atrapalhar o público a concluir aquilo que a Ferrari já se deu conta: as chaves do futuro estão nas mãos de Leclerc.
 
Num momento de enorme incerteza na Fórmula 1, como em qualquer esporte do mundo, por conta da crise causada pela pandemia do novo coronavírus, buscar continuidade para 2021 até faz sentido. Será um ano de compreensão quanto às mudanças que a situação internacional causará. Manter Vettel não seria a pior das opções, até porque os pontos ainda estão lá. 
 
A situação ainda facilitou a Ferrari a exigir uma brusca diminuição de vencimentos a Sebastian. Maranello pode culpar a crise o quanto for, mas é certo que grande parte desse processo era não ter Vettel, o outro, recebendo um salário tão superior a Leclerc, o principal. A hierarquia mudou de direção, deixou o Mar do Norte e foi ancorar numa das marinas multimilionárias de posse da burguesia europeia na Riviera Francesa. 
Sebastian Vettel (Foto: Ferrari)
A Ferrari conversou com Vettel sobre um contrato de um ano ou dois anos, mas sempre com salário tremendamente encurtado. E é capaz, para o alemão, que nada disso tenha afastado a possibilidade de ficar. Com a chance real de ficar e vencer para recuperar a moral interna, talvez aceitasse diminuir o salário – tem a vida feita, afinal. Mas entra o fato de ser um piloto experiente que conhece bem o terreno em que está pisando. Vettel sabe que as chances estão nas mãos de Leclerc. Ainda que termine a temporada 2021 em alguma vantagem, estará caminhando para completar 35 anos de idade. 
 
O que Vettel sabe, no fim das contas, é que nenhuma habilidade de pilotagem pode parar o tempo. Não há como frear a decisão da Ferrari de que Leclerc é o futuro, é uma batalha perdida. É melhor sair, então, antes de se tornar um atraso. Antes sair agora que ser submetido ao que Kimi Räikkönen foi enquanto esteve a seu lado.  
 
“É como um casamento. Uma bonita história que poderia ter sido muito mais bonita e que chegou ao fim por várias razões. Do lado de Vettel e do nosso lado. Já não vivíamos bem juntos e nos separamos”, afirmou o vice-presidente da Ferrari, Piero Ferrari, à revista italiana 'Quattroroute'.
 
“Não é uma questão de ter o melhor piloto no melhor carro. Eu tinha muita confiança e uma grande estima por Sebastian, porque ele fez algumas grandes corridas. Não sei se ele não entendeu o carro ou se nós não o entendemos, mas essas coisas podem acontecer”, ponderou. 
 
Tudo indica que os canhões da rossa estão apontados para Carlos Sainz – talvez, quando você esteja lendo esta análise, o negócio esteja confirmado. Sim, está. Há quem ache que não faz sentido, mas faz todo. A Ferrari não assina com alguém se experiência com a F1 e pilotos do primeiro nível, Lewis Hamilton e Max Verstappen, não estão disponíveis. 
 
Sainz está no patamar salarial de Leclerc, tem experiência e não é um talento incontrolável. Perceba: o espanhol fez um 2019 espetacular pela McLaren, mas nos outros dois anos em que esteve com um mesmo parceiro durante todo o campeonato, 2015 e 2018, foi derrotado de maneira categórica: por Verstappen e Nico Hülkenberg, respectivamente. 
 
Não há um piloto dois na dupla, mas há um piloto mais talentoso: Leclerc. E não é estranho ao que a Ferrari tem feito. Foi assim que venceu o título mundial pela última vez, 2007, com Räikkönen e Felipe Massa. A possibilidade é de repetir o sucesso nos anos futuros.
 

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