A Fórmula 1 vive fase iluminada em 2020. Em que pese o domínio da Mercedes e de Lewis Hamilton, a categoria teve uma série de corridas marcantes e apenas algumas propriamente chatas. Tivemos vencedores inéditos e uma grande variedade de pilotos no pódio, como o GP de Sakhir bem nos mostrou. Só que uma semana se passou e o cenário já não poderia ser mais diferente: se os treinos livres de sexta-feira (11) servirem como referência para os próximos dias, é bem possível que o GP de Abu Dhabi volte a ser um verdadeiro sonífero.
Há três motivos para acreditar em uma corrida previsível. O primeiro é o fato de que a Mercedes ainda aparenta ter vantagem considerável sobre a Red Bull, com Max Verstappen já até se conformando com o posto de terceiro colocado. Sim, não é novidade ver a Red Bull atrás, mas o déficit de 0s7 no segundo treino livre dificulta até mesmo acreditar em uma surpresa no sábado ou no domingo.
O segundo fator é que o homem voltou. Hamilton está recuperado do coronavírus e participou normalmente das atividades do dia. Não liderou, condição que coube a Valtteri Bottas, mas mostrou que está em condições de competir normalmente. E sabemos o que ‘normalmente’ significa: vir com força na classificação e, mesmo que perca a pole, mostrar ritmo forte na corrida.
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Esse ponto contribui para a previsibilidade não por ódio ao Hamilton ou coisa parecida. Sempre é bonito ver alguém andar tão bem, claro. Acontece que um segundo round entre Bottas e George Russell seria interessantíssimo. Será que o ritmo do britânico voltaria a ser superior? Será que o finlandês reagiria bem aos acontecimentos da semana passada? São perguntas que ficam sem respostas, para lamento do público e do próprio George, que voltou ao normal na Williams.
O terceiro fator é a pista em si. Ah, Abu Dhabi. Como é possível uma pista ser tão lamentável? Salvo a corrida de 2012, realmente empolgante, e as de 2014 e 2016, impulsionadas principalmente por lutas por título que se arrastaram até o último GP, só tivemos corridas que caíram em esquecimento. É difícil acreditar que esse panorama mude, ainda mais na única pista em que a Mercedes tem 100% de aproveitamento na era V6 Turbo, de 2014 para cá. Seis vitórias em seis ocasiões, quatro delas com Lewis. Claro que retrospecto não garante vitória, mas é difícil acreditar em uma mudança logo em um dos anos mais poderosos da parceria Hamilton-Mercedes.
A menos que tenhamos abandonos, é difícil fugir do trio Hamilton-Bottas-Verstappen no top-3. E, mesmo que um desses tenha problemas, existe uma chance boa de o substituto ser outra Red Bull. É que Alexander Albon andou bem: o tailandês foi quarto tanto durante a tarde quanto durante a noite. O déficit de 0s2 para Max no TL2 é um pouco enganoso, já que o holandês errou em sua melhor volta, mas isso não muda o fato de que Albon começou bem contra rivais do pelotão médio.
Lando Norris, quinto mais rápido do dia, foi 0s2 mais lento que Albon. É boa notícia para o tailandês ter uma margem dessas, mas é melhor ainda para o britânico: a McLaren chega em Abu Dhabi precisando somar 11 pontos a mais que a Racing Point para terminar o Mundial em terceiro. Começar andando mais rápido do que os rivais rosáceos é um bom sinal, que fica melhor ainda quando lembrando que Sergio Pérez, sétimo melhor do dia, terá de largar em último por troca de componentes do motor. Se o mexicano sofrer para pontuar, Norris e Sainz não terão necessariamente que fazer milagre no domingo. Só que, dada a reação brilhante de domingo passado, é bem possível que Sergio entre na briga mais cedo do que se imagina.
A Renault ainda está matematicamente na briga pelo terceiro lugar, mas os resultados de sexta-feira não são animadores nesse sentido. A equipe amarelada precisa buscar 23 pontos contra a Racing Point e 12 contra a McLaren. Não é impossível, mas seria necessária uma performance amplamente superior, o que não se vê até aqui. Esteban Ocon e Daniel Ricciardo começam apenas em sexto e nono, mantendo um nível de performance normal. Desse jeito, talvez seja mais negócio se contentar com o quinto lugar.
Quem não tem que se preocupar com pontuação, até por ser essencialmente café-com-leite em Abu Dhabi, é a Ferrari. Não há mais como ir além do sexto lugar no Mundial, assim como a chance de perder posição para a AlphaTauri é remota. Desse jeito, o foco do fim de semana é em Sebastian Vettel: o alemão se despede de Maranello, encerrando ciclo de cinco anos. E não parece capaz de encerrar da forma mais vistosa: o 15° lugar nos treinos livres é mais do mesmo em um ano de sofrimento puro. Vai ser difícil até mesmo pontuar desse jeito, o que também é normal em 2020. Charles Leclerc em oitavo é como jogar sal em uma ferida que não cicatrizou em momento algum do ano.
Há muitas histórias em Abu Dhabi. O retorno de Hamilton, as dificuldades de Bottas, a ausência de Grosjean, as mudanças de Vettel, o fim de uma temporada muito desafiadora. Tudo isso rende assunto, tudo isso merece um olhar carinhoso. Pena que um GP empolgante não parece fazer parte das pautas da próxima semana.