Do segredo do sucesso ao do fracasso, ‘Bonde da Haas Sem Freio’ já virou mística

Problemas crônicos nos freios, pior equipe de engenharia da Fórmula 1 e uma dupla errática que acaba levando todas as culpas. A Haas é a pior operação do Mundial

Figuras insossas, de pouco carisma e até antipáticas, Romain Grosjean e Kevin Magnussen são alvos fáceis, especialmente por serem tão erráticos, para um público que se desespera nos problemas que a Haas continua apresentando e que fizeram o time norte-americano cair num precipício de 2018 para 2019. Mas a dupla não é a maior responsável pelo fracasso da escuderia de Gene Haas. Nem perto disso. Venha com esta análise.

Falemos dos dois logo de cara. O texto acaba sendo uma peça de defesa dos dois homens ao volante da Haas, mas não é essa a intenção. Grosjean e Mangussen poderiam, provavelmente deveriam, ter sido demitidos a este ponto. Pelo menos um deles, com certeza. Talvez a entrega de resultados crescesse um pouco, talvez o carro pudesse ter alguns pontos positivos diferentes do que estão aí agora. Mas, sinceramente, o problema fundamental seria o mesmo. A Haas seria uma draga de mesmo nível.

Vamos aos fatos. Inicialmente, o motivo do abandono da abertura da temporada 2020, na Áustria, semana passada. A equipe confirmou que um superaquecimento dos freios causou o abandono de suas duplas, algo que ficara evidente durante a prova. Chega a ser covardia tratar Grosjean e Magnussen com escárnio pelas escapadas de pista do domingo. Os dois tentavam pilotar carros de corrida que não freavam, uma tarefa impossível.

Voltemos no tempo. E vamos direto para 2016, primeira temporada da Haas no Mundial de Fórmula 1. Vamos para mais ou menos um mês antes daquele campeonato, na pré-temporada, mais precisamente. Vamos para 25 de fevereiro de 2016. Na manhã daquele dia de testes coletivos, em Barcelona, Esteban Gutiérrez viu seu tempo de pista terminar mais cedo por conta de falhas nos freios.

Kevin Magnussen esteve de máscara na coletiva da F1 (Foto: LAT Images)

“Tivemos um superaquecimento nos freios, um problema na asa dianteira, mas não foram muitas coisas”, disse Guenther Steiner, chefe do time norte-americano. “Com esses carros, a questão é que os consertos demoram algum tempo, são sempre complicados. Nos freios, por exemplo, demora uma duas horas para trocar o disco e deixar sangrar”, avaliou na ocasião.

Uma dupla de meses se passaram até o GP do Bahrein, segunda etapa de um campeonato que tinha começado bem para o time de Gene Haas. Romain Grosjean fora ao sexto lugar na estreia e encaixou um quinto posto no traçado barenita. Gutiérrez abandonou na Austrália após ser abalroado por Fernando Alonso e, em Sakhir, abandonou. Imaginam qual foi o problema? Freios, claro.

“Tivemos um problema no disco de freios e estamos investigando o que quebrou. Estamos trabalhando com a fabricante de freios para entender melhor o problema e evitá-lo no futuro”, contou Steiner.

Na Espanha, em 15 de maio, Grosjean também abandonou a corrida por conta dos freios. Os problemas voltariam algum tempo depois. O disco de freio de Grosjean explodiu durante o GP da Malásia, no primeiro fim de semana daquele outubro.

“Houve uma falha no disco de freio do carro de Romain: ele explodiu. Não sabemos o motivo. Vimos alguma vibração na telemetria um pouco antes, então precisamos investigar. Investigações em discos de freio de carbono não são fáceis, são projetos científicos”, falou Steiner. A explosão no carro de Grosjean foi após apenas oito voltas em Sepang.

Nos Estados Unidos, em Austin, Grosjean foi décimo e colocou mais um pontinho na conta, mas Gutiérrez e os freios entraram em desalinho uma vez mais. A situação se complicava por ser o GP de casa.

“É agridoce, porque foi outra falha nos freios com Esteban. Nada para nos orgulharmos”, falou Steiner. Confirmou, ainda, que a Haas discutia a ideia de mudar a fornecedora de freios: deixar a Brembo e fechar com a Carbon Industrie (CI). “Vamos testar outros materiais, precisamos fazer alguma coisa. Não dá para continuar quebrando tudo com Esteban, ele estava em boa posição [para pontuar]. A Brembo está fazendo o máximo para encontrar o problema, mas precisamos fazer o que for necessário por nós mesmos”, seguiu.

Mas qual o motivo de tantos problemas de freio? “Não sei. Se eu soubesse, não teríamos”, falava o chefão.

Apesar dos pesares, o ano era muito positivo. A Haas estreou na F1 pontuando bastante. Os problemas eram esperados para uma equipe que saía do nada, inteiramente criada do zero, em seu ano #1. O impressionante era outra coisa: a Haas utilizava uma série de equipamentos produzidos pela Ferrari. Tudo que podia ser comprado pronto, era. Assim, a equipe inaugurava uma nova fase na F1 que buscava corte de custos. O caminho era positivo: a Haas terminou o ano com 29 pontos, todos de Grosjean, e, de maneira impressionante, na frente da Renault no Mundial de Construtores – além de Sauber e Manor. A sensação é que tinha encontrado o segredo do sucesso para as equipes intermediárias.

A temporada 2017 trouxe mudanças. Grosjean permaneceu, claro, mas Gutiérrez perdeu a vaga para Magnussen. O dinamarquês, claro, perdeu a vaga na Renault para Nico Hülkenberg – e foi preterido, por algum motivo, por Jolyon Palmer.

Os problemas de freio, entretanto, insistiam. O começo do campeonato de 2017 não contou com abandonos da nova dupla de pilotos por conta dos freios, mas as questões se mostraram visíveis durante treinos e testes coletivos. Os freios seguiam sendo o calcanhar de Aquiles, o que causou uma medida drástica. No GP da Rússia de 30 de abril, quarta etapa do campeonato, a Haas testou os freios da fabricante rival.

“Começamos a usar os freios da CI em Sóchi, mas não estávamos conseguindo resfriá-los o bastante. Se não der para resfriar os freios, você acaba superaquecendo e o pedal fica longo. Além disso, o desgaste é muito grande. Avaliamos para ver se dava para sobreviver uma corrida inteira, mas não dava. A decisão, então, é continuar com o freio da Brembo. Vamos correr com o Brembo em Barcelona”, comentou Steiner.

Guenther Steiner, chefe da Haas

Os pilotos também tinham conclusões diferentes. Grosjean queriam ficar com a Brembo, mas Magnussen preferia os freios da CI. “Para concluir como resolver o problema, leva um tempo. Mas chegaremos lá. Vamos levar o tempo que precisar”, contou. Da Rússia em diante, a Haas foi mudando. Mudou de volta para Brembo, voltou à CI, regressou aos freios Brembo e assim por diante.

Afinal, qual era o problema? “É bastante conhecido que tivemos dificuldade com ajustar a temperatura dos pneus e com superaquecimento dos freios”, admitiu Gene Haas em setembro de 2017. Para ele, a questão ainda era o noviciado. Os freios não deixaram de ser problema, mas não forçavam tantos abandonos.

Havia quem falasse em problema na codificação dos freios, nada que fosse direto da Brembo, mas algo que a própria Haas aprontava em sua fábrica. Os freios não causaram abandonos naquela temporada, mas prejudicaram o rendimento geral. Além disso, a Haas não evoluiu: seguiu em oitavo no Mundial de Construtores, à frente de uma caótica McLaren e novamente da Sauber.

Mas 2018 estava na área – e seria o melhor ano da Haas. O que não impedia dos problemas continuarem a surgir vez ou outra. Steiner cantava antes da temporada que a equipe utilizaria somente uma fornecedora durante o ano para evitar as dores de cabeça do campeonato anterior. “Nossa meta é andar em todas as pistas com os mesmos freios. Espero conseguir”, falou.

No Azerbaijão, Grosjean bateu de maneira um tanto quanto esquisita após uma intervenção do safety-car. “Quando eu toquei nos freios, estava travando a parte de trás. Os dois pneus traseiros ficaram travados, e eu rodei”, contou o francês. Mesmo assim, de fato, 2018 foi um ano especial. A Haas ficou com o quinto lugar do Mundial de Construtores, atrás somente de Mercedes, Ferrari, Red Bull e Renault.

Só que a sensação doce de 2018 não seria replicada em 2019. Logo em abril, Grosjean abandonou o GP do Azerbaijão com falhas nos freios. “Meu pedal estava no chão, então, por razões de segurança, precisei parar meu carro. Tudo estava indo bem antes”, falou Romain.

Mais tarde, nos Estados Unidos, foi Magnussen quem parou com problemas nos freios. Não apenas problemas, aliás. O disco de freio explodiu, tal qual anos antes. A corrida inteira eu estava tendo que apertar o pedal até o fim e pedindo para eles olharem, mas disseram que a temperatura estava normal, então continuei. E, aí, o disco explodiu. O disco explodiu, ficou sem disco”, comentou o dinamarquês. Magnussen, ainda no carro, reclamou com a equipe. “Eu avisei a vocês”, resmungou.

“Não temos desempenho o bastante no carro”, reclamava, enquanto isso, o chefe Steiner. Os freios não eram os maiores problemas da Haas em 2019. A Haas não era terrível no começo da temporada. Foi a um sexto lugar na Austrália, com Magnussen, e colocou os dois nos pontos na Espanha. A equipe americana, então, lançou mão do pacote de atualizações, aquele momento sempre muito esperado pelas equipes. Com as atualizações, o momento é de evoluir.

Ou deveria ser. O rendimento caiu em desgraça. Na Inglaterra, a equipe resolveu dividir. Magnussen seguia com o carro novo, enquanto Grosjean andava com o velho. Na Alemanha, é verdade, os dois pontuaram: mas a corrida, no chove e para daqueles mais miseráveis, causou situação muito particular e cheio de abandonos. De lá em diante, nas últimas dez corridas do campeonato, a Haas marcou parcos dois pontos: um nono lugar de Kevin na Rússia.

As atualizações pioraram o carro substancialmente, algo inédito na Fórmula 1 moderna. Ao menos nessa intensidade. O que deixou claro ainda a deficiência de engenharia. “Você nunca pode esperar que vá apenas melhorar, porque ninguém estaria no fim do pelotão. Acho que tínhamos um carro bom, mas o desenvolvimento não seguiu em um caminho certo”, declarou em entrevista ao GRANDE PRÊMIO durante o fim de semana do GP do Brasil. “Talvez não tenha uma explicação simples, mas, às vezes, no desenvolvimento, você não acerta, não faz as coisas certas e os outros te superam. Tenho consciência de onde estamos, não queremos estar aqui. Nosso objetivo é melhorar no próximo ano”, disse.

Na primeira etapa de 2020, os freios novamente. Mas não apenas eles. “Estávamos cuidando dos freios desde a primeira volta. É claro que alguma coisa está errada no sistema de resfriamento, então temos que trabalhar para resolver durante a semana”, falou Grosjean. O francês foi além. “O ritmo também é preocupação. Parece que temos o carro mais lento. É um carro complicado de guiar especialmente no tráfego. O maior problema para mim é o desempenho”, lamentou.

A Haas tem um problema de freios que não é resolvido e já dura cinco temporadas, tem a pior equipe de engenharia da Fórmula 1 – honestamente, o ‘Spec B’ de 2019 deveria ser motivo para demissões em massa naqueles dos mais altos cargos de engenharia. E nem citamos nos problemas de pit-stop feitos famosos em ‘Drive to Survive’.

Odeie Grosjean e Magnussen o quanto quiser. Os dois estão mais para vítimas que para causa da pior operação da Fórmula 1.

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