Grandes Entrevistas: André Lotterer

“Não quero parecer arrogante, mas prefiro estar em uma situação top no que eu faço do que ser mediano ou fraco na F1. Também estou satisfeito com o nível do esporte na LMP1 e no Japão. Não preciso da F1 para me sentir feliz. Com certeza, quando comecei, queria me tornar piloto de F1, mas não aconteceu e eu estou tranquilo quanto a isso”

Andre Lotterer em Spa-Francorchamps: sua apresentação formal à F1 (Foto: Beto Issa)

Para a imensa maioria dos pilotos que começam a andar de kart, ainda na infância, ter a chance de um dia correr no Mundial de F1 é um grande sonho. Talvez o maior dos sonhos. Nem todos o realizam; alguns até chegam lá, mas não vão muito longe. No caso de André Lotterer, o sonho durou uma mísera volta e meia ao redor do circuito de Spa-Francorchamps, na Bélgica, no dia 24 de agosto, até parar com o motor quebrado.

Quando se deseja demais algo, a chance de se decepcionar quando esse algo está nas suas mãos é igualmente enorme. Lotterer concorda. De certa forma, foi o que o alemão que completou 33 anos no último mês de novembro viveu em Spa.

Com a F1 ainda se espreguiçando após a longa pausa para as férias do verão europeu, a notícia de que o campeão mundial de endurance e três vezes vencedor das 24 Horas de Le Mans disputaria o GP da Bélgica pela Caterham pegou muita gente de calças curtas. Lotterer foi convidado pelos então chefes Colin Kolles e Christijan Albers para assumir o lugar de Kamui Kobayashi com a justificativa de que, com sua experiência, ajudaria a melhorar o carro. O objetivo — não por culpa do piloto — não foi cumprido.

“Não fiquei desapontado, mas eu esperava mais da sensação de estar no carro de F1. O downforce era bem baixo, com as novas regras, e a aderência dos pneus era bem pequena. Isso deixou bem difícil de guiar. A Caterham também não é o melhor carro. E os novos motores, com o turbo, o ERS, a pilotagem, não é tão pura quanto era com o V8. Essas três coisas não foram tão empolgantes quanto eu pensei que fossem ser”, descreve o piloto em entrevista ao GRANDE PRÊMIO.

Para Lotterer, contava mesmo a oportunidade de sentir o gosto de largar em um GP. Seu futuro não reside na principal categoria do automobilismo. E foi por isso que, mais tarde, ele recusou novos convites para defender o time nos GPs da Itália e de Abu Dhabi — neste último, já com o time sob a administração judicial de Finbarr O’Connell.

“Spa era uma coisa legal. Fazer uma corrida, largar na F1. Acho que me saí bem. Foi legal. Mas tenho minha carreira com a Audi e também no Japão, em que venço corridas, e, para mim a prioridade é andar na frente. Tiveram alguns motivos para eu não querer correr de novo. Um é que o carro não era competitivo, então, para uma segunda vez, não fazia sentido. E eu aceitei que não entrei na F1 por uma equipe melhor, e não quero correr só para falar que estou na F1 e andar por um time do fim do grid.

Se a F1 estivesse diferente e eu pudesse ver mais oportunidades para o próximo ano, com vagas disponíveis em outros times, talvez eu arriscasse. Mas não tem. Não há futuro para mim na F1. Nem estou tentando. Sei como tudo é. E não quero fazer um ou dois anos de F1 e aí chega alguém com muito dinheiro e eu caio fora. Não tenho patrocinadores e não é possível sem. As grandes equipes já têm seus pilotos. Se uma equipe de ponta me chama e fala ‘te damos um teste e podemos começar algo sério, profissional’, sim. Mas, no momento, se não estou em uma equipe de ponta na F1, minha situação na Audi é melhor.” 

André Lotterer fez em Spa a única corrida de sua carreira na F1 (Foto: Beto Issa)

As credenciais de Lotterer

Embora o nome de Lotterer pudesse soar completamente estranho a muitos fãs de F1, ele é ouvido há algum tempo por quem acompanha o automobilismo em geral. Nos últimos três anos, o alemão brilhou no endurance ao vencer três vezes as 24 Horas de Le Mans e ser campeão do WEC na primeira temporada da história da categoria. Ainda levou para casa o título da F-Nippon em 2011.

O Japão se tornou a casa de Lotterer depois que a F1 lhe fechou as portas. Após os títulos da F-BMW Junior em 1998 e da F-BMW Adac em 1999, foram dois anos como piloto de testes da Jaguar, em 2001 e em 2002. Ao ver que não arranjaria uma vaga no grid, arrumou as malas e partiu para o outro lado do mundo. Lá, firmou-se e venceu também o SuperGT em 2006 e 2009, além de ter se tornado um embaixador da Audi no país.

As origens de Lotterer, no entanto, passam pela América do Sul. Seu pai, fruto do casamento entre um alemão e uma boliviana, nasceu em La Paz e cresceu no Peru antes de se mudar para a Europa, especializar-se em motores e criar uma equipe de turismo e rali com base na Bélgica. “O automobilismo também era o mundo dele. Cresci no meio disso”, recorda André. O início no kart se deu aos sete anos, mas foi aos 13 que foi feita a opção: “Era mais o meu pai. Aos 13, foi quando decidi que queria ser piloto”.

A trajetória como piloto de fábrica da Audi começou em 2010, um ano depois da estreia em Le Mans por uma equipe privada tocada por Colin Kolles. Uma trajetória que Lotterer não gostaria de trocar.

“Sempre fui muito realista. No automobilismo, você não pode sempre escolher. Sempre joguei as minhas cartas e, quando não virei piloto de F1 depois de ser piloto de testes da Jaguar, eu segui em frente. Procurei formas de manter meu status profissional e tirei o máximo que pude. Com o passar dos anos, OK, não posso ir para a F1, mas sou profissional. E, quando a Audi veio, eu fiquei muito feliz. Le Mans é um desafio incrível.”

O melhor pódio do automobilismo

As vitórias em Le Mans são os maiores motivos de orgulho de Lotterer entre todos os feitos celebrados em quase 30 anos de automobilismo — mais, inclusive, que o título do Mundial de Endurance em 2012. Isso porque a corrida francesa é, nas palavras de Lotterer, “mais intensa”. 

“Talvez, se você é italiano e vence em Monza correndo pela Ferrari, você tenha essa sensação no pódio. Mas o pódio de Le Mans é o mais bonito do automobilismo”

“Com certeza. É uma grande corrida, a maior do mundo, e ter vencido três vezes é bem especial. É uma corrida que, não importa quantas vezes você já tenha vencido, você quer vencer de novo. É tão intensa, tão grande, que a satisfação por ganhar é enorme. E quando você tem esse gosto, quer de novo, e de novo, e de novo”, resume.

A intensidade leva a uma série de sensações diferentes ao longo das 24 horas de corrida em Sarthe.

“O que eu gosto é que tem uma parte única da pista que só é aberta uma vez por ano e que é realmente rápida. Curtimos demais os protótipos. Ali, nossos carros ganham vida, e a velocidade é muito, muito alta. Controlar o carro, atacando mais e mais o limite nas curvas Porsche, é muito empolgante. De dia e durante a noite. E o que também gosto é a chance de poder vencer a corrida com seu engenheiro perguntando se você pode fazer mais um stint, ‘aguenta mais um? aguenta mais um?’, e você sabe que pode fazer a diferença para ganhar ou perder. É uma grande corrida. É realmente satisfatório, e você lida com muitas emoções. Uma corrida, uma no ano, e é enorme. A sensação de colocar toda a energia em uma corrida, desenvolver o carro durante o ano especialmente para essa meta, dividir o carro com seu companheiros, correr, dormir, correr de novo… Velocidade sem parar por 24 horas. A adrenalina, a sensação, é muito especial.

Experiência é fundamental em Sarthe, e esse foi o fator-chave para a conquista da vitória no circuito, em junho de 2014, quando o protótipo da Audi não era tão rápido quanto o da Toyota. “Você precisa de muita experiência para não cometer erros e estar sempre no mais alto nível. No começo da corrida não tínhamos o carro mais rápido, mas da meia-noite até o dia seguinte, ganhamos velocidade e ficamos mais rápidos. Achamos que talvez pudessem no alcançar, mas abandonaram. O segundo carro da Toyota não era tão rápido, nós éramos mais rápidos na manhã”, comenta.

A edição de 2014 não passou sem um susto: um problema de confiabilidade que custou momentaneamente a liderança da corrida. “No começo você fica muito desapontado. Bravo, acha que sua corrida acabou. Está na liderança por três voltas, a Toyota abandonou, e tem esse problema. Vê sua posição após os reparos e está em terceiro. É muito desapontador”, conta.

“Em Le Mans, quando você corre pela Audi, só a vitória conta. É uma corrida muito dura para se perder. Fantástica vencer, mas dura demais para perder. A dor é muito forte. Tem que esperar mais um ano por outra chance. Cada erro é muito doloroso”, afirma.

Todo esse conjunto resulta no que Lotterer acredita ser o melhor pódio do automobilismo:

“Provavelmente é o melhor pódio que você pode ter. Talvez, se você é italiano e vence em Monza correndo pela Ferrari, você tenha essa sensação no pódio. Mas o pódio de Le Mans é o mais bonito do automobilismo. Você se sente muito orgulhoso lá em cima, vê todas as pessoas. Está cansado, mas é incrível. E o melhor é que você divide com seus companheiros. São momentos que você nunca vai esquecer. Pega seu telefone e tira uma foto de toda aquela gente… É único, muito especial.”

Apesar de tudo, uma boa impressão

Ao defender uma equipe tão pouco competitiva na F1, o melhor parâmetro para se definir se o desempenho do piloto foi bom ou não é a comparação com o companheiro de equipe. E Lotterer saiu-se muito bem neste quesito no fim de semana em Spa-Francorchamps.

Enfrentando o fraco Marcus Ericsson, Lotterer foi mostrando evolução ao longodo chuvoso fim de semana na Bélgica. Superou o sueco por 0s1 no primeiro treino livre, no seco, e ficou 0s04 atrás no segundo, no molhado. No sábado, com ainda mais chuva, foi mal no TL3, mas recuperou-se na classificação cravando um tempo um segundo melhor que o de Ericsson.

Andre Lotterer durou pouco na corrida em Spa (Foto: Beto Issa)

Tamanha vantagem impressionou e reforçou uma impressão que se tem há algum tempo: de que o carro de F1 é muito fácil de guiar. O alemão discorda: “Não, não é tão fácil. É fácil chegar ao limite, mas ele exige uma pilotagem muito técnica. Se você frear um pouco tarde, é muito difícil controlar o carro e escolher para onde você quer ir na curv, ser preciso. Não é que você pode mudar muitas vezes a linha na mesma curva e coisas assim. É preciso muita técnica para achar essa linha. Sua mente quer estar aqui, mas você precisa tirar 20% da coragem ou do talento e aplicar muito tecnicamente. É difícil adivinhar”.

Apesar disso, não é tão fácil fazer uma escolha na comparação entre o protótipo LMP1 e o F1. Perguntado se o e-tron é mais prazeroso de se guiar, Lotterer disse que, “em algumas áreas, sim”, mas ponderou: “O F1 tem mais potência, o que é legal para o piloto. Mas em termos de downforce e pneus, temos mais aderência na LMP1. Em algumas curvas, somos mais rápidos.” Matada a vontade, agora é tocar a vida e seguir, mesmo, no endurance com a Audi:

“Não quero parecer arrogante, mas prefiro estar em uma situação top no que eu faço do que ser mediano ou fraco na F1. Também estou satisfeito com o nível do esporte na LMP1 e no Japão. Não preciso da F1 para me sentir feliz. Com certeza, quando comecei, queria me tornar piloto de F1, mas não aconteceu e eu estou tranquilo quanto a isso."

OS 10+ DA PRIMEIRA SEMANA

Por quatro dias, oito equipes marcaram presença no circuito de Jerez, na Espanha, para os primeiros testes da pré-temporada. Naturalmente, a curiosidade para se acompanhar as atividades na pista andaluz era grande, e também há diversos pontos a se destacar após essa primeira bateria de treinos coletivos. A liderança da Ferrari, o dia em que o brasileiro Felipe Nasr foi o mais rápido, os problemas da McLaren e a pintura da Red Bull foram alguns dos aspectos que chamaram a atenção. 

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O SOM AO REDOR
Tempos mais baixos, menos problemas e mais barulho. Dá para resumir assim, do ponto de vista dos motores V6 turbo, a semana de testes da F1 em Jerez de la Frontera, abrindo a pré-temporada de 2015. Introduzidas em 2014, essas unidades de força que atrelam sistemas híbridos ao motor de combustão interna vêm recebendo muitas críticas desde o princípio desta nova era.
 
Há cabos eleitorais fortes que pedem a mudança do regulamento — a alternativa mais defendida neste momento é a adoção de propulsores com 1000 cavalos de potência. Mas é incontestável como, com o passar do tempo, nota-se uma evolução.

Leia a matéria especial do CONTA-GIRO desta semana no GRANDE PRÊMIO. 

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