Mercedes toma susto com Red Bull, se recupera sob batuta de Hamilton e vira jogo

2021 começou estranhamente difícil para a Mercedes. Apesar da vitória logo de cara, a equipe alemã enfrentou problemas para desenvolver o manhoso W12. Depois de quase desistir da luta pelo título, o time renasceu sob a liderança ímpar de Lewis Hamilton e foi capaz de virar o placar para cima da rival Red Bull. Ao menos por enquanto

Os erros seguidos, rodadas e uma enorme dificuldade de manter o carro na pista levantaram algumas sobrancelhas durante a pré-temporada da Mercedes no Bahrein. Diante das mudanças do regulamento, que incluíram uma intrigante redução do downforce, a multicampeã adotou um conceito mais extremo para o seu W12. A traseira do modelo se tornou arisca demais, até para os padrões de Lewis Hamilton, e forçou uma releitura do projeto que culminou em certeiras atualizações quase perto das férias. Só que, mais do que nunca, a equipe alemã precisou da genialidade de seu heptacampeão para encerrar a primeira parte de temporada na frente. Isso porque, ao longo das 11 primeiras etapas, nem tudo obedeceu à lógica dominante dos anos anteriores. A verdade é que, em muitos momentos, a esquadra de Toto Wolff se viu encurralada e até perdida. Precisou voltar à fábrica e ouvir sua estrela.

Acontece que a Red Bull acertou a mão de seu RB16B – uma versão melhorada do carro de 2020 –, e isso assustou a Mercedes. E desde muito cedo ficou claro que a disputa do título ficaria restrita apenas a Hamilton e Max Verstappen.

Tanto é que as quatro primeiras corridas do ano deixaram a impressão de que os austríacos poderiam ter vencido todas elas, não fossem erros de estratégia ou excessos do igualmente rápido Verstappen. Experiente e danado, Hamilton aproveitou cada vacilo: no próprio Bahrein, executou uma armadilha na problemática curva 4; em Ímola, não venceu, mas contou com a sorte para alcançar o segundo lugar do pódio, depois de um erro incomum; em Portugal e na Espanha, foi decisivo no ritmo de corrida e na tática.

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MAX VERSTAPPEN; LEWIS HAMILTON; GP DO BAHREIN; F1
Hamilton pegou Verstappen no Bahrein pelos limites de pista (Foto: Reprodução)

Só que também foi em Barcelona que o time dos carros pretos estranhamente estagnou. Entre Mônaco e as duas corridas na Áustria, algo aconteceu nas garagens alemãs. Nas ruas do Principado, o longo carro da Mercedes penou. Valtteri Bottas, até então apagado e errático, foi melhor que Hamilton, mas acabou sendo vítima de um pit-stop que durou quase dois dias, depois que a porca ficou presa e só foi solta quando o carro retornou à sede na Inglaterra. Já o inglês se viu sem ação no meio do pelotão. Terminou a corrida com um esquisito sétimo posto, enquanto o oponente holandês celebrava a vitória – a primeira desde o GP da Emília-Romanha.

Depois disso, a F1 foi ao Azerbaijão. Hamilton até foi capaz de mudar o acerto do W12, para tirar o melhor da grande reta de chegada. Ainda assim, não foi páreo para a Red Bull. Mas o destino brincou com ambos os postulantes ao título: após liderar com folga boa parte da corrida, Verstappen teve a corrida limada por um ingrato furo de pneu. O infortúnio do rival surgiu como uma chance para Lewis, mas um botão errado na relargada lhe arrancou a oportunidade. Sergio Pérez venceu. E o drama da Mercedes seguiu.

Aí as esperanças de um retorno à melhor forma se configuraram no GP da França. A ideia era voltar ao desempenho na Espanha, dada a semelhança de condições entre as duas pistas. No entanto, a Red Bull tinha planos diferentes. Dona de um carro versátil e veloz, os taurinos deram o troco nos alemães, usando a mesmíssima tática da corrida em Barcelona. A parada extra de Verstappen o fez superar o heptacampeão no fim. E Hamilton sequer pode com o rival.

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LEWIS HAMILTON; SERGIO PÉREZ; RELARGADA; GP DO AZERBAIJÃO; BAKU;
Erro de Hamilton na relargada marcou jornada da Mercedes no Azerbaijão (Foto: Getty Images/Red Bull Content Pool)

Golpe maior aconteceu nas duas provas na Áustria. Enquanto a Mercedes tentava entender o que tinha dado errado em Paul Ricard, a Red Bull atacou de novo. Com uma velocidade reta invejável, os energéticos venceram as duas corridas em casa. O W12 sofria em reta e com desgaste de pneus. Então, o jeito foi controlar os prejuízos. Hamilton ainda beliscou um pódio, mas viu a diferença para Max subir para incríveis 32 pontos.

O cenário era desolador para a Mercedes, que disse que a queda acentuada de performance também era resultado da decisão de parar de desenvolver o carro atual, para focar no projeto de 2022. Mas a derrota doeu em Lewis.

“Precisamos de algum tipo de atualização”, dizia um impaciente multicampeão, depois de achar que era “impossível” acompanhar Verstappen durante a rodada no Red Bull Ring.

“Eles fizeram um ótimo trabalho nestas últimas corridas”, completava Hamilton. “Tem sido muito difícil para nós desde Mônaco, o que obviamente foi um pouco desastroso, e o mesmo em Baku.”

“Foi melhor na França, mas eles estão um passo à nossa frente. Então, estamos apenas trabalhando o máximo que podemos para ver se podemos preencher essa lacuna. Não estamos nem na metade da temporada. Então, ainda estou perseguindo esse título”, assegurava.

Verstappen comandou a rodada tripla entre França e Áustria (Foto: Red Bull Content Pool)

Então, o GP da Inglaterra, que veio na sequência, ganhou enorme importância, porque era o limite para que a Mercedes voltasse ao jogo. Se as provas na Áustria e nas ruas do Principado e Baku não se adequavam ao W12, o veloz circuito de Silverstone tinha de ajudar. Por isso, um grande pacote de atualizações foi pensado para a corrida de casa de Hamilton.

O modelo chegou com assoalho redesenhado e novos bargeboards. A ideia foi melhorar a passagem do fluxo de ar e entregar um equilíbrio entre downforce e velocidade de reta. Deu absolutamente tudo certo – a Mercedes chegou a temer por um fracasso. Antes do fim de semana britânico, a equipe entendia que, se sofresse outra derrota, teria de voltar para dentro de si para entender os erros.

A etapa inglesa ainda marcou a estreia do formato de corrida de classificação para formar o grid do GP. Lewis brilhou na tomada de tempos, mas não pode com uma melhor largada de Verstappen no sábado. Na corrida do domingo, o cenário foi bem diferente. Os dois rivais começaram a prova com muita ação, dividindo curvas e andando lado a lado por boa parte da primeira volta. Isso foi até voltarem à famosa Copse, quando Hamilton tentou a ultrapassagem. A briga estava tão intensa que o toque pareceu inevitável. Pior para Max, que rodou e bateu com força na barreira de proteção. Lewis foi considerado predominantemente culpado pelo incidente. E tomou 10s de punição.

A Red Bull esbravejou, mas não teve jeito. Apesar da sanção, o inglês se recuperou para vencer. E comemorou com a mesma intensidade, o que gerou críticas dos adversários porque o rival ainda estava no hospital. É bem salientar que Lewis perguntou ao menos duas vezes sobre a situação do oponente, que estava bem.

De qualquer jeito, o incidente na Copse mudou a disputa e as relações entre Mercedes e Red Bull. Hamilton e Verstappen.

Acidente entre Max Verstappen e Lewis Hamilton no GP da Inglaterra (Vídeo: F1)

A treta se armou de vez, quando os taurinos decidiram entrar com um pedido para revisar a punição de Hamilton. A Red Bull deixava claro que iria para o tudo ou nada. Na Hungria, corrida seguinte e que encerrou a primeira parte de temporada, os energéticos tentaram convencer os comissários ao recriar a cena do acidente. Não deu. A FIA (Federação Internacional de Automobilismo) manteve o que havia sido definido duas semanas antes.

Enquanto a vida dos energéticos se enrolava, Hamilton cravou a pole e partiu para a vitória em Hungaroring. Só que, como vem acontecendo em 2021, nada é tão óbvio. A chuva que atingiu a pista pouco antes da largada provocou um boliche na freada da curva 1. Bottas errou, encheu a traseira de Lando Norris, que bateu em Verstappen – que saíra de terceiro. O finlandês ainda teve tempo de colidir em Pérez, arruinando de vez a Red Bull. O drama desta primeira volta foi apenas fez piorar as relações já terríveis entre os dois candidatos ao título e seus chefes.

A batida deixou o holandês com ‘meio carro’. Já Lewis pode seguir, sem antes protagonizar uma das cenas mais surreais da história: depois da bandeira vermelha, todo mundo decidiu trocar pneus antes da relargada, menos Hamilton, que se viu sozinho no grid e de compostos de chuva, quando a pista já estava seca. Esse erro deixou o piloto britânico em último lugar após cinco voltas. Mas a Mercedes se redimiu com uma ótima estratégia e permitiu que o recordista de vitórias se recuperasse uma vez mais. Aliás, a atuação do dono do carro #44 foi uma das mais belas do ano. Lewis não venceu, é verdade, mas brilhou em uma disputa roda a roda com Fernando Alonso e ainda foi ao pódio, para desespero de seus rivais.

O terceiro lugar, que pode virar um segundo, dependendo do que acontecer com a desclassificação de Sebastian Vettel, foi o suficiente para recolocá-lo na liderança do Mundial. As férias serão curtidas com sabor de vitória.

Afinal, são oito pontos de vantagem no Mundial de Pilotos. E 12 no de Construtores. Nada mal, para quem chegou a ver a diferença ultrapassar os 30 tentos.

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O toque causado por Valtteri Bottas na largada do GP da Hungria (Foto: AFP)

CHEFE X CHEFES

Lewis Hamilton e Max Verstappen protagonizam desde o início da temporada uma disputa quente, marcada por armadilhas da experiência e desempenho puro. Por boa parte do ano, os dois tiveram uma convivência cordial. O inglês deixou passar alguns movimentos mais agressivos do rival, como a dividida na primeira curva de Ímola ou a largada do GP da Espanha. Mas também foi audaz ao pegar o oponente em Sakhir, além de comentários tácitos como os de Mônaco, quando afirmou que Max lutava para provar seu valor. O holandês respondeu com a vitória e disse que preferia ‘conversar’ apenas na pista. Mas se o clima era morno entre os postulantes, o mesmo não acontecia entre seus chefes.

Por grande parte desta primeira metade de temporada, Toto Wolff, Christian Horner e Helmut Marko ganharam mais notoriedade que a própria dupla de candidatos ao título, ao trocarem farpas via imprensa constantemente. Os atritos foram diversos e tiveram início com uma declaração sem filtro algum do austríaco da Mercedes, que dizia ter perdido respeito por alguns nomes do paddock. Não demorou muito para entender de quem Toto falava.

De um lado, a Red Bull se queixou de regras como a do limite de pista. Mais tarde, foi acusada pela Mercedes de ter asas flexíveis. A pressão alemã foi tão grande levou a FIA a mudar os critérios de verificação. Os taurinos devolveram na mesma moeda e apontaram o dedo para as asas dianteiras do W12. Aí a equipe da estrela passou a desconfiar da performance do novo motor Honda e da velocidade dos pit-stops da rival.

CHRISTIAN HORNER; TOTO WOLFF; RED BULL RING;
Christian Horner e Toto Wolff: os dois rivais lado a lado (Foto: Bryn Lennon/Getty Images/Red Bull Content Pool)

Mas nada disso elevou tanto o nível de rivalidade quanto os desdobramentos do acidente de Silverstone – na verdade, ultrapassou esses limites. Os energéticos foram até as últimas consequências para tentar ampliar a punição dada a Hamilton. Recriaram a cena do toque na pista e no simulador. Fizeram queixas sobre os custos dos danos. Pediram até uma suspensão ao inglês. Mas tiveram o pedido rejeitado.

A Mercedes, então, não perdeu a chance de criticar fortemente a adversária, especialmente devido aos ataques sofridos por Lewis. “Além de deixar esse incidente no passado, esperamos que essa decisão também marque o fim das tentativas da alta cúpula da Red Bull de manchar o nome e a integridade de Lewis Hamilton, até mesmo através de documentos utilizados na tentativa falha de revisão”, dizia a nota dos alemães após a veredito dos comissários.

No fim, Wolff ainda tentou se desculpar com Horner depois da corrida húngara pelo erro de Bottas, quando os dois se cruzaram durante as entrevistas na TV, mas o chefe taurino o dispensou. “Ele vai pagar a conta?”, questionou Christian, de forma fulminante, antes de reclamar que o esporte precisa olhar para a questão de as equipes perderem carros e motores sem culpa nenhuma, quando um limite orçamentário foi introduzido este ano.

E é nesse clima que as duas adversárias encerraram o GP da Hungria.

Wolff garante que acidente causado por Bottas não influenciará na decisão de dupla para 2022 (Foto: Reprodução)

BOTTAS E O ÚLTIMO ANO

Mas se Hamilton liderou a Mercedes e tomou para si a responsabilidade pela disputa do título, assinando, inclusive, a renovação de contrato ainda em meados do início do campeonato, o outro piloto da equipe viveu dias inglórios. Sob pressão por conta do último ano de acordo com os heptacampeões, Valtteri Bottas enfrentou grande dificuldade para lidar com o W12, chegou a dizer que o carro era inguiável e ficou muito aquém do esperado.

O finlandês não conseguiu acompanhar o colega de time, apesar dos dois pódios no Bahrein e em Portugal. A diferença de tempo e performance se tornou abissal em Ímola, quando largou em oitavo e ainda se envolveu em um acidente com George Russell, que destruiu a Mercedes. E a Williams também.

Em Mônaco, tentou salvar a Mercedes do vexame, ao lutar pelo pódio em dia de Hamilton. Mas um problema no pit-stop o tirou da disputa. Depois disso, não conseguiu tirar mais do carro nas provas em que a equipe alemã teve dificuldades. Retornou ao pódio nas provas da Áustria e na Inglaterra. Inclusive, tentou fazer o jogo do escudeiro, mas a verdade é que o nórdico pouco fez nesta primeira parte de temporada e ainda encerrou esse trecho do Mundial com um acidente que seria até desculpável dada as condições da pista, mas o fato de ter tirado de combate os rivais diretos não ajuda muito.

Agora, parece apenas uma questão de tempo para que venha a confirmação de sua substituição na Mercedes para 2022.

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