Erros cruciais e pilotos expostos: passo a passo da derrota da Jaguar na Fórmula E

A Jaguar foi praticamente perfeita em termos de estratégia ao longo da temporada da Fórmula E, mas errou justamente no momento mais decisivo e deixou seus dois pilotos expostos no eP de Londres 2. No fim, a festa pelo título inédito do Mundial de Equipes teve gosto amargo com as derrotas de Nick Cassidy e Mitch Evans para a Porsche de Pascal Wehrlein

O cenário pós-corrida do eP de Londres da Fórmula E, que encerrou a temporada 2023/24 no último fim de semana, mostrou uma Jaguar dividida em emoções completamente diferentes. Enquanto o chefe James Barclay celebrava a conquista inédita do Mundial de Equipes, os semblantes de Mitch Evans e Nick Cassidy eram de pura desolação com o que acabara de se desenrolar na segunda corrida do fim de semana. De postulante ao título do Mundial de Pilotos e até favorita em determinado momento da prova, a equipe inglesa se embananou nos próprios planos, viu a tragédia se abater sobre Cassidy e assistiu Pascal Wehrlein celebrar a conquista com a Porsche. Mas como tudo mudou tão rapidamente?

Primeiro, o cenário: Cassidy entrou na rodada dupla de Londres com 176 pontos, 12 a mais que Evans e Wehrlein, empatados na segunda colocação. O piloto da Jaguar ainda levava a melhor nos critérios de desempate, o que deixava os dois titulares dos felinos nas duas primeiras posições com apenas um fim de semana pela frente. No fim, não foi o suficiente.

Seria muita ingenuidade ou desconhecimento supor que a Jaguar entraria no fim de semana de Londres sem uma estratégia na mesa. O plano era deixar Cassidy e Evans disputarem o título na pista, mas entrar em cena caso houvesse a necessidade de priorizar um dos pilotos. Durante a corrida, o cenário se alternou rapidamente, a estratégia deu errado e Wehrlein tomou as rédeas da situação.

A situação não poderia ser melhor para o público durante a prova. Mesmo com Maximilian Günther largando em segundo, Evans tomou a posição do alemão logo na largada e se colocou atrás de Cassidy, o pole, enquanto Wehrlein chegou para a festa pouco depois e se estabeleceu em terceiro. Assim, virou uma disputa direta por uma vitória que daria o título a qualquer um deles.

Cassidy voltou em terceiro após a segunda ativação do modo ataque e ficou exposto (Foto: Fórmula E)

Em mensagens constantes pelo rádio, Phil Ingram — engenheiro de Cassidy — e Josep Roca — engenheiro de Evans — começaram a traçar o plano que seria seguido com as duas Jaguar à frente, situação que ocorreu em outros momentos do campeonato e mostrou que os ingleses estavam afiados para lidar. Que o diga o eP de Mônaco, um monólogo britânico que terminou com um 1-2 puxado por Mitch.

A Jaguar, então, pediu que Evans segurasse Wehrlein para que Cassidy pudesse ativar o modo ataque e voltar em primeiro, o que funcionou inicialmente. Mitch, entretanto, esperava receber a mesma cortesia de volta, o que não aconteceu. Na verdade, Nick foi em direção à segunda ativação e voltou em terceiro, e Pascal passou a dividir os dois carros da esquadra inglesa.

A partir daí, Evans começou a segurar o pelotão atrás de si em uma sequência de voltas que gerava uma grande dúvida: quando o neozelandês e o alemão ativariam o modo ataque? Sem nenhuma ativação feita por ambos, Nick tinha uma situação de certa forma favorável, já que havia feito as duas. Atrás dele, porém, o caos se desenrolava com as constantes batalhas e trocas de posições que envolveram Günther, Oliver Rowland, António Félix da Costa e até Jean-Éric Vergne.

Desta forma, os dois pilotos da Jaguar estavam expostos: Evans era constantemente atacado por Wehrlein e gastava bateria para manter a ponta, enquanto Cassidy precisava segurar o terceiro lugar de qualquer forma — o que também o fazia gastar muito mais energia do que o ideal. Isso ficou claro em uma das comunicações.

Evans segurou Wehrlein por muito tempo e gastou energia demais (Foto: Fórmula E)

“Mitch [Evans] foi orientado, mas está voltando atrás no plano”, disse Ingram pelo rádio. Cassidy respondeu de imediato. “É, estou vendo e desperdiçando energia me defendendo. O que vamos fazer?”, questionou o neozelandês.

O cenário de ter Wehrlein entre os dois carros da Jaguar passou a ser favorável à Porsche, que conseguia economizar certa energia enquanto pressionava o líder e ainda via Nick preocupado com o que acontecia atrás. Chefe do time alemão, Florian Modlinger admitiu que esse movimento mudou todo o cenário da corrida.

“Um momento-chave para nós, e que não esperávamos, foi quando Cassidy caiu [para terceiro] ao ativar o modo ataque e ficou atrás de Pascal [Wehrlein]”, disse ao portal inglês The Race. “Foi um ponto vital na corrida, e não esperávamos que eles [Jaguar] fossem fazer isso. Assim que Cassidy ficou atrás de Pascal, entramos no jogo”, explicou.

Mesmo assim, Nick ainda tinha uma situação um tanto favorável. Afinal de contas, como o próprio piloto afirmou após a prova, precisava ‘apenas’ se manter próximo aos dois primeiros, já que ambos ainda tinham de ativar o modo ataque duas vezes cada. O grande problema era o que acontecia atrás, e o medo se materializou na abertura da volta 29: Da Costa e Günther brigaram, os dois acertaram a traseira de Cassidy e o pneu do neozelandês furou. Naquele momento, o líder do campeonato na abertura da rodada abandonava os sonhos de título.

Wehrlein fez de tudo para forçar Evans ao erro (Foto: Fórmula E)

“Eu recuperaria todo o déficit energético”, garantiu Cassidy. “Estava feliz com meu carro. Sabia que eles [Evans e Wehrlein] teriam de ativar o modo ataque duas vezes. Então, não queria entrar em confusão com Pascal. Só precisava ficar 1s atrás de Mitch, o que estava confiante em fazer porque Pascal parecia ter mais ritmo que ele”, destacou.

“No fim, o que aconteceu no segundo modo ataque [voltar em terceiro] me colocou em uma posição perigosa e levou ao acidente que me tirou da corrida. Se não fosse acertado, creio 99,9% que teria vencido o campeonato”, deixou claro o piloto.

Com Cassidy fora, a batalha virou um duelo particular de Evans, que seguia em primeiro, e Wehrlein, que ameaçava o neozelandês de todas as formas possíveis e o fazia gastar energia. Mitch, no entanto, não estava nem um pouco feliz com a estratégia escolhida pela Jaguar durante a prova e deixou claro pelo rádio, quando Nick ainda estava na pista, que “tiraria as luvas” — o que significa que partiria para cima.

“Acordamos que se chegasse naquela situação [com 1-2 na pista], piloto e engenheiro poderiam fazer o que quisessem para ficar livres para ativar o modo ataque. O time de estratégia não se envolveria. Alguns minutos depois, me disseram para deixar Nick abrir vantagem para ativar o modo ataque e voltar na minha frente. Eu não esperava por isso”, admitiu Evans após a corrida.

Wehrlein e Porsche acertaram praticamente tudo. A Jaguar errou quando não podia (Foto: Fórmula E)

Com Cassidy fora, Evans e Wehrlein ativaram o modo ataque já na volta 29 e voltaram, respectivamente, em segundo e terceiro, com Rowland na liderança. No entanto, o safety-car entrou praticamente no mesmo instante, e as duas ativações não contaram de acordo com a regra — que impede que os carros ativem a potência extra com o carro de segurança na pista.

Na saída do safety-car, Evans e Wehrlein ativaram o modo ataque de novo. Mitch voltou em segundo, mas Pascal caiu para quinto, atrás de Da Costa e Robin Frijns. Enquanto Rowland foi obrigado a deixar Mitch passar, já que a direção de prova investigava uma ultrapassagem sob bandeira amarela, António segurou o neerlandês e também abriu passagem para o alemão, que voltou ao terceiro posto.

Neste momento, bastava a Evans vencer, mas tanto ele quanto Wehrlein ainda tinham uma ativação para fazer. Rowland, o segundo, já havia feito as duas. Quando os dois foram novamente ao traçado externo, Oliver recuperou a ponta, Evans voltou em segundo e Wehrlein ficou em terceiro. Com um problema, porém: Mitch errou a ativação e se colocou em situação extremamente complicada.

A partir daí, o campeonato caiu no colo da Porsche. Evans precisou ativar o modo ataque de novo, caiu para terceiro e ainda precisou tirar o pé para que a potência extra acabasse antes da linha de chegada, já que as duas ativações precisam ser feitas e completadas antes do fim da corrida. Wehrlein apenas se manteve em segundo e celebrou o título da Fórmula E no fim. Mitch, já fora do carro, deixou clara a insatisfação com o desenrolar dos fatos.

No fim, Pascal Wehrlein levou o título mundial da Fórmula E 2023/24 (Foto: Fórmula E)

“Não sei como as comunicações aconteceram. Meu lado da garagem não estava feliz, mas basicamente me disseram para deixar Nick ativar o modo ataque de graça. Acho que apostaram tudo em um piloto, foi o que pareceu. O time tem muitas justificativas para dar, porque isso nunca foi conversado e, no fim, foi o que fodeu minha busca pelo título”, disparou.

“Isso me pegou de surpresa, não houve essa explicação antes da corrida. Foi o que me expôs, me fez esperar para ativar o modo ataque e causou o erro na ativação no fim. Foi tudo muito estranho. Acho que fiz a linha corretamente. Mas, para ser sincero, precisaria vencer porque ficaria empatado com Pascal se terminasse em segundo e ele em terceiro [e Wehrlein levaria o título por ter uma vitória a mais]”, reconheceu.

A fala de Evans tem motivo: depois de ser deixado na liderança e exposto aos ataques de Wehrlein, o neozelandês gastou muita energia se defendendo e teria muitas dificuldades para segurar Pascal, mesmo que tivesse acertado a ativação. O dano já estava feito.

Se a Jaguar foi, ao longo de todo o campeonato, uma equipe que coordenou as estratégias de forma quase perfeita, com o ápice em Mônaco, tudo ruiu em Londres em meio à falta de definições claras. O plano de ‘deixar rolar’ foi alterado com a corrida em andamento, e o retorno de Cassidy em terceiro colocou tudo a perder ao expor os dois ao mesmo tempo. No fim, Mitch gastou energia demais para se defender de Wehrlein e Nick foi acertado por quem vinha atrás. A Porsche fez tudo certo e foi campeã.

Os felinos não definiram uma prioridade clara antes da prova, deixaram as coisas acontecerem e viram a Porsche focar totalmente na corrida de Wehrlein — e ainda ser ajudado por Da Costa, que permitiu a passagem de Pascal em momento crucial e furou o pneu de Cassidy, mesmo que de forma não intencional. No fim, todos os acertos ao longo do campeonato não valeram de nada para o Mundial de Pilotos, já que os erros cometidos na última rodada — tanto no sábado quanto no domingo — custaram o título. A Jaguar errou quando menos podia e precisou lidar com um resultado quase certo quando se desperdiça chances em um campeonato tão equilibrado: a derrota.

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