Projeto foi idealizado pelo piloto da Fórmula E Sérgio Sette Câmara. Atividades acontecem em um kartódromo em Vespasiano, cidade metropolitana de Minas Gerais, e tem como principal objetivo tirar as crianças das ruas e ajudá-las a se desenvolverem como pessoa
O Brasil é conhecido mundialmente por ser o país do futebol. Com inúmeros craques já revelados no mundo, e com os grandes sucessos obtidos nas competições, crianças — por que também não dizer os adultos? — se inspiram em jogadores e os seguem como ídolos ao longo de carreiras inteiras e parte representativa das próprias vidas. Valendo-se disso, e também por ser um esporte barato e acessível, não é raro encontrar programas sociais que centram no futebol para ajudar crianças que em situação de vulnerabilidade social.
Porém, o Automobilismo Educacional, nome do projeto criado pelo piloto Sérgio Sette Câmara através do Instituto que leva seu nome, decidiu seguir por um caminho diferente. Dentre as inúmeras atividades que realiza, utiliza o kart para lidar com um grupo de 40 crianças e adolescentes entre 11 e 15 anos.
A primeira turma do Automobilismo Educacional foi formada em 2021, por meio de uma parceria com a Prefeitura de Vespasiano, cidade localizada na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais, e tem atividades concentradas no Kartódromo RBC Racing. O curso tem um ano de duração e acompanha o calendário letivo. Com participação direta da Secretaria Municipal de Educação, 40 crianças e adolescentes (20 meninos e 20 meninas) são selecionados nas dez escolas municipais. A escolha leva em conta o desempenho escolar, a frequência nas aulas, a vulnerabilidade social, e a família dos alunos precisa ser contemplada com o programa Bolsa Família, do Governo Federal.
Assim, o projeto trabalha com os alunos duas vezes por semana, às segundas e às quartas-feiras, e os participantes recebem orientação teórica sobre pilotagem – regras, comportamento na pista, bandeiras — e andam nos karts acompanhados dos monitores. Além disso, há atividades extrapista com dinâmicas variadas, acompanhamento com psicóloga uma vez por semana, além de um lanche reforçado após as atividades.
O GRANDE PREMIUM acompanhou dois dias de atividades do Automobilismo Educacional e conversou com Sérgio Sette Câmara, com a coordenadora Paôla Chaves, o instrutor Wellington Horta, a psicóloga Flávia Venâncio e com alguns alunos para saber um pouco mais sobre a dinâmica do programa.
A ideia do Automobilismo Educacional surgiu depois que Sette Câmara precisou sair de Belo Horizonte para se dedicar à carreira no automobilismo. Em meio às viagens, o mineiro, junto do pai, deparou-se para a falta de acessibilidade para diferentes classes no esporte a motor. Afinal, a prática da atividade é cara e geralmente se resume a pessoas com poder aquisitivo mais elevado. Um dos objetivos iniciais, então, era levar a dinâmica de formação para crianças que nunca tiveram contato com o kart.
Assim como em qualquer início de projeto, porém, as dificuldades aparecem pelo caminho, e saber como selecionar os participantes foi um dos maiores desafios encontrados. Ademais, como relatado pelo próprio Sette Câmara, por se chamar ‘Automobilismo Educacional’ não faria sentido ter um trabalho voltado exclusivamente para o esporte. Foi preciso ter uma ligação com a parte acadêmica.
“A primeira dificuldade encontrada no projeto foi como conseguir selecionar essas crianças. É muito fácil falar ‘Ah, vamos selecionar com base no rendimento escolar e vulnerabilidade social’. Mas vai descobrir isso… Conseguir estabelecer essas parcerias [com a Prefeitura e a Secretaria Municipal de Educação] foi muito bom, deu muito mais significado para o projeto e você vê quando conversa com as crianças aqui que elas valorizam. Elas têm uma situação de vulnerabilidade social, mas também são as que mais performam. Então o filtro aplicado já traz aquelas crianças que realmente são diferenciadas”, contou Sette Câmara ao GRANDE PREMIUM.
Como se sabe, a prática do esporte a motor é um tanto cara, e manter 40 karts em atividades duas vezes por semana é um desafio. Por isso, o Automobilismo Educacional funciona com uso da Lei de Incentivo do Esporte, através da qual recebe suporte de patrocinadores. Mas encontrar esses patrocinadores pode ser mais difícil do que se imagina.
“Você acha que só porque está ajudando outras pessoas vai ter uma vontade muito grande e que pessoas vão aparecer para ajudar, e que não vão faltar recursos. Mas não é assim. É um projeto que tem de ser constantemente trabalhado para estar engajado e lembrar as pessoas que existe, porque às vezes cai no esquecimento. Mas a gente tem feito um bom trabalho, temos ótimas pessoas trabalhando aqui”, disse o piloto.
A parte de captação de patrocínio não é simples e exige um intenso trabalho in loco. Por isso, muitas vezes o piloto não está sempre fisicamente presente na iniciativa. Afinal, com a disputa na Fórmula E ao redor do mundo, não resta tanto tempo assim para ficar no Brasil. É aí que entra o papel de um dos dos principais encarregados da função: o pai, que também se chama Sérgio Sette Câmara — e é, inclusive, ex-presidente do Clube Atlético Mineiro.
Ainda que o trabalho do próximo ano esteja garantido com direito a projeto de 2024 já formatado, a equipe segue sempre trabalhando em busca de novos parceiros. Por ser um programa financiado pela Lei do Incentivo ao Esporte, não pode ter fins lucrativos e nem tampouco acumular o que sobrou no caixa num ano para utilizar no ano seguinte.
Para explicar mais detalhadamente, antes de iniciar o trabalho com a turma de 2024, o Automobilismo Educacional traça planejamento com a projeção dos gastos que terá ao longo do ano. Dentro desses custos entram salário dos funcionários, manutenção dos karts, equipamentos de segurança, material para as atividades teóricas e afins. Suponha que os custos de um ano de programa são orçados em R$ 500 mil. O instituto então terá apenas esse valor para utilizar com a turma. Caso use uma quantia menor que R$ 500 mil, o excedente precisa ser devolvido ao Governo. Afinal, em tese, o dinheiro é do Estado, uma vez que o dinheiro da Lei do Incentivo ao Esporte permite que empresas e pessoas físicas destinem parte do que pagariam de Imposto de Renda em projetos esportivos aprovados pelo Ministério do Esporte.
O início no Kart
Quem já andou de kart sabe que, antes do início das sessões, os funcionários do kartódromo promovem um briefing para explicar, principalmente para os iniciantes, algumas regras do esporte, como regulamentação das bandeiras e comportamento na pista. No Automobilismo Educacional o processo de aprendizado é parecido, mas contém muito mais detalhes. Por lidar com crianças, o cuidado precisa ser consideravelmente maior.
Por isso, o primeiro mês é voltado apenas para as aulas teóricas. De acordo com a coordenadora Paôla Chaves, é nesse momento que costuma haver uma resistência maior por parte de alguns alunos, já que o conteúdo é um pouco menos ‘divertido’. O instrutor Wellington Horta explicou que nas primeiras aulas o foco está em questões de respeito e segurança na pista.
“Ao chegarem aqui, tudo é muito novo, pouquíssimos tiveram contato com automobilismo a não ser na televisão, porque é um esporte caro. Naquele primeiro contato, temos de passar a questão da disciplina que o esporte exige, a segurança na pista, de respeito entre os pilotos, exatamente com o intuito de trazer para eles, além do crescimento respeitoso, a questão da segurança”, contou o instrutor.
Por se tratar de algo totalmente novo, também é comum uma ou outra criança sentir medo principalmente por ser uma prática que envolve riscos. Dessa forma, para tornar as coisas mais leves, Wellington divide o treinamento em diferentes graus.
“Temos módulos de adaptação, de apresentação, que vem desde apresentação do próprio kartódromo, como se inicia uma carreira no automobilismo, que a maioria dos pilotos começaram no kart. A gente também mostra isso para eles antes de ir para a pista”, disse ao GRANDE PREMIUM.
Depois das aulas teóricas, começa a aula prática, mas os alunos ainda não vão para a pista pisar fundo. Num primeiro momento, aprendem como acelerar, frear e fazem algumas atividades instrutivas com o uso de cones. Aí, sim, vem a primeira ida das crianças para a pista. Claro, acompanhadas do instrutor.
Nesse caso, Wellington, ou algum dos outros professores de Kart, lideram o comboio e ensinam o traçado ideal a ser seguido. Quando o GRANDE PREMIUM esteve no Kartódromo RBC Racing para acompanhar as atividades do Automobilismo Educacional, o projeto de 2023 já estava próximo da metade e os alunos conseguiam andar sozinhos na pista.
“Hoje, eles estão num patamar que conseguem desenvolver velocidade um pouco maior, mas ainda está na primeira metade do curso e não liberamos para que fiquem totalmente livres na pista e compitam entre si. Mas faremos isso em breve, colocando sensores eletrônicos nos karts para marcar o tempo de volta, emitir relatórios de corrida, e vai ser muito bom”, contou Wellington.
“A evolução é gigante. Aproximando do final do curso, fazemos alguns eventos diferentes. Começamos a fazer corridas, coisas assim, e gosto muito de ver a evolução. Inclusive, na turma de 2022, tinha alguns que já andavam assim, igual a mim, para não falar um pouco mais rápido [no fim do ano]. É lógico que eles também têm diferença de peso, mas é muito parelho”, reforçou Sette Câmara.
As crianças que participam do projeto se divertem, é claro, com as atividades na pista. No entanto, nem todas elas se sentiram muito confortáveis quando tiveram o primeiro contato com o kart. É o caso de Bianca Novaes, de 13 anos, aluna da Escola Municipal Maria de Paula Santos, de Vespasiano.
Bianca tem o basquete e o futebol como alguns dos principais passatempos, e a prática do kart era algo ainda distante de sua realidade. A agora pilota soube da existência do Automobilismo Educacional através da amiga Noemi, que participou do programa em 2022 e sempre falou das atividades com empolgação. Ao GRANDE PREMIUM, contou um pouco da experiência.
“Fiquei feliz quando fui selecionada. Minha amiga Noemi fez parte do projeto, contou tudo e fiquei com muita vontade de participar. Mas [quando fui andar de kart pela primeira vez] fiquei muito insegura, porque mesmo com as orientações, estava com medo de acelerar demais e acabar batendo. Mas hoje estou bem mais tranquila”, contou.
A situação de Diego Menezes Alves, também aluno da Escola Municipal Maria de Paula Santos, foi um pouco diferente. Dentre os participantes do projeto, Diego é o mais fanático por automobilismo e tem Jeff Gordon, tetracampeão da Nascar, como uma das referências no esporte a motor. Por já ser familiarizado com o esporte, a adaptação foi mais tranquila.
“Sempre gostei de automobilismo, meu primeiro contato foi durante o GP do Brasil de 2014, que não foi a melhor das corridas, mas foi a primeira que vi e foi aí que surgiu esse amor. Tinha muita vontade de vir aqui conhecer e andar nos karts, mas é muito caro e, até então, não tinha essa oportunidade. Mas acabei sendo aceito no projeto e comecei a guiar”, continuou. “Fiquei feliz e um pouco ansioso, porque eu também gosto muito de futebol e fazia aula que era no mesmo dia do kart. Mas consegui mudar os horários para poder vir para cá, porque vale muito a pena”, seguiu.
“Não diria que o kart é difícil de pilotar, é até bem fácil. Para me acostumar não foi difícil. No início, eu estava um pouco ansioso, muito mais afobado do que sou hoje em dia, então às vezes cometia alguns erros bobos que me faziam rodar. Mas é muito bom poder correr e ter a sensação de estar na pista e acelerar um pouco. É algo importante porque, além da sensação boa, é um momento de lazer para mim”, disse Diego.
Victor Hugo também falou sobre a importância do Automobilismo Educacional e definiu o tempo que passa no kart como um dos únicos momentos de lazer que tem no cotidiano.
“Quando fui selecionado, tive uma sensação muito boa. A diretora da escola me chamou e perguntou ‘você quer participar do kart?’ Eu pensei na hora ‘o que é kart?’ Aí, ela me mostrou umas fotos sobre o que era o projeto e eu aceitei participar”, disse Victor.
“Foi muito bom quando o professor deixou a gente fazer o zigue-zague, por exemplo, foi um dos dias que mais gostei. Mas melhor ainda foi quando a gente foi para a pista. No começo, o professor orientava e ia com a gente, mas agora já vamos sozinhos. O projeto para mim é muito importante, porque antes eu só ficava em casa. Hoje posso vir pra cá, interagir com mais gente, e também acaba sendo um dos únicos momentos de lazer que tenho”, falou ao GRANDE PREMIUM.
Durante a visita, Pedro Iago, de 15 anos e um dos alunos que se destacou na turma de 2022, estava no kartódromo e falou um pouco sobre como o Automobilismo Educacional mudou a sua vida. O irmão de Pedro já trabalhava com uma das equipes que se estabelecem no RBC Racing e, por isso, o jovem sempre teve vontade de conhecer o local e andar de kart. Assim como Bianca, o garoto de 15 anos soube do projeto do instituto Sérgio Sette Câmara a partir de um amigo.
Conforme confirmado pela coordenadora Paôla Chaves e pelos demais instrutores do programa, Pedro se destacou pela proatividade ao longo de 2022. A vontade de aprender acabou rendendo um emprego como auxiliar dos mecânicos na equipe AS Racing, que fica no kartódromo em Vespasiano.
“Um dia eu vim aqui com um amigo meu que trabalha na mesma equipe que o meu irmão, e eu peguei um pneu lá para desmontar, ia fazendo as coisas de forma voluntária, até que meu patrão, Adriano Nogueira, perguntou se eu queria trabalhar aqui. Ele pediu permissão para a minha avó, eu também conversei com ela, e, aí, comecei a trabalhar”, disse Iago.
Hoje, com a rotina do novo trabalho, o jovem contou que, depois da escola, passa em casa, almoça, espera aproximadamente uma hora e vai para o kartódromo. Entre as funções que exerce, por enquanto, está o básico, como ajudar na manutenção dos equipamentos, calibrar os pneus e ajudar no acerto para as corridas — algo que revelou ainda não saber com maestria, mas que está aprendendo. Ademais, oferece uma espécie de mentoria para pilotos mais jovens.
“Passo para eles muita coisa que aprendi no Automobilismo Educacional. Teve um dia que veio um menino que tinha andado de kart pouquíssimas vezes, e fui correndo com ele na pista e coloquei em prática tudo o que aprendi, pontos de freada, onde acelerar, como se deve virar, essas coisas. Ensinei e ele diminuiu mais de 2s no tempo de volta, o que é muita coisa”, lembrou.
Pedro ainda credita o projeto por expandir os horizontes da vida, agora voltada para o esporte a motor. “Vou fazer um curso de inglês e tentar ir para os Estados Unidos para seguir carreira lá trabalhando com telemetria, acertos e mecânica em geral. O Lucas Nogueira, filho do meu patrão, trabalha fora e pode fazer essa ponte”, afirmou.
Automobilismo educacional vai além das atividades na pista
Por mais que seja extremamente divertido ter a oportunidade de andar de kart duas vezes por semana, está enganado quem pensa que a atividade em pista é a única que chama a atenção das crianças e dos adolescentes. Por se tratar de um programa com objetivo social, o Automobilismo Educacional conta com o acompanhamento da psicóloga Flávia Venâncio, bastante querida pelos alunos, como a aluna Evelyn destacou.
“Gosto muito de correr, mas a primeira vez que andei tive um pouco de medo de bater, de causar algum problema por acelerar demais, mas depois eu perdi isso. O Automobilismo Educacional foi muito importante para eu me abrir mais, ser mais confiante e menos antissocial. Eu era bem fechada, tinha muito medo de rejeição, mas depois isso mudou. A interação com os colegas e as conversas com a psicóloga me ajudaram muito. Comecei conversando mais com a psicóloga e ela foi me dando algumas dicas para me aproximar das pessoas. Isso também me ajudou na escola, onde antes eu tinha poucos amigos e agora tenho bastante”, disse ao GRANDE PREMIUM.
“E também levo muita experiência daqui para lá. Meus colegas até me perguntam como funciona o projeto, se precisa pagar para participar, e expliquei como é. Muitos deles têm vontade de participar. O projeto é muito importante para a diversão, mas ele também traz benefícios para o lado mental, onde a gente aprende a se abrir mais para as coisas”, disse Evelyn.
Bianca e Pedro também reconheceram a importância extrapista e valorizaram o tempo junto da psicóloga.
“Gosto de ir para a pista e competir, mas quando cheguei não era isso o que mais gostava. [Conversar com] a psicóloga também é uma das atividades que gosto bastante. Com os conselhos dela, consegui ser um pouco mais social, menos tímida. Gosto muito daqui por ser uma experiência diferente e por poder conhecer novas pessoas”, disse Bianca.
“Gostava das aulas dentro de sala, que a Flávia conversava com a gente sobre assuntos importantes para a vida. Aprendi muitas coisas como pessoa”, finalizou Pedro.
O GRANDE PREMIUM também conversou com a psicóloga para entender um pouco mais sobre o trabalho que ela realiza junto das crianças e dos adolescentes. Flávia Venâncio contou que, durante as aulas, tenta, primeiramente, desmistificar e tirar o estigma de que a psicologia é “coisa de doido”. A partir disso, mostra que está ali para ajudar e, se necessário, ter uma conversa olho no olho.
“Atualmente a gente percebe que as relações estão muito virtuais, acho que muitas vezes eles sentem essa necessidade de uma conversa presencial, de alguém que vai falar e escutar sem julgamento. Acho que foi por isso que foi tão bem recebido. Tento explicar o motivo pelo qual estou ali, que vai existir dificuldades durante o processo, e que a gente está ali para conversar e resolver as situações de um jeito descontraído, na linguagem que eles estão acostumados a receber”, relatou Venâncio.
Desde que o programa teve início, lá em 2021, Flávia disse que precisou mudar a metodologia de trabalho em diferentes oportunidades, uma vez que as turmas têm maturidade diferente entre si. Certos temas precisam ser abordados com mais cautela. No entanto, ressaltou que falar sobre as emoções, como amor, raiva, medo e ansiedade sempre foi um assunto bem recebido.
“A partir daí, eu falo da importância de conhecer as emoções e saber como se comportar diante de cada uma delas. Depois a gente vai começando a falar de outros assuntos, porque aí nesse momento que a gente está falando das emoções eu consigo perceber mais ou menos como é aquele grupo. Se é um grupo que está mais preparado para falar daqueles assuntos, ou se não se identificam, e aí eu tenho de mudar esse percurso. Mas na maior parte das vezes, embora esses tópicos sejam delicados, essas turmas são muito maduras para falar sobre isso, só depende de como vamos abordar”, lembrou a psicóloga.
“A maior parte deles já teve uma crise de ansiedade na vida, por exemplo. Então quando a gente pensa isso de uma criança de 12, 13 anos, a gente pode pensar ‘nossa…’ parece algo distante, mas infelizmente [problemas relacionados a] ansiedade tem aumentado muito, principalmente em pessoas nessa idade. Geralmente vou pensando isso”, continuou.
As atividades, no entanto, não se resumem apenas a conversas. Quando alguns alunos apresentam um pouco mais de dificuldade para visualizar o tema, Flávia adota outras metodologias e utiliza, por exemplo, filmes — com a classificação indicativa compatível com aquele grupo — para tentar ilustrar de forma mais clara a situação.
Na turma que esteve presente em 2022, por exemplo, que avaliava como um pouco mais madura, um dos alunos sugeriu abordar alguns temas a partir de debates. Venâncio realizou um júri simulado e abordou assuntos como guerras, aborto e outras questões controversas. Mas sempre deixou claro: o objetivo é fazer com que as crianças se desenvolvam pessoalmente, não é voltado para o esporte.
“Eram assuntos bem mirabolantes, mas entendo que isso, infelizmente, não é para todos. Então mudei conforme o nível de maturidade. Quando surge um assunto que está sendo muito comentado, mas às vezes é polêmico, eu tento trazer para sala de aula. O intuito não é necessariamente formar uma opinião, mas desenvolver o pensamento crítico, de fazer com que eles criem uma habilidade de argumentação, que percebam os perigos a que podem ser submetidos. Meu objetivo é fazer com que eles se desenvolvam pessoalmente”, afirmou Flávia.
“Além dos debates em grupo, das atividades em sala e dos filmes, vez ou outra a psicóloga também oferece um atendimento online individual para o aluno que está enfrentando problemas pessoais. Em alguns momentos, a própria criança pede pelo atendimento; em outros, Flávia percebe uma mudança no comportamento e chama para conversar.
“Tem alguns casos mais graves, de ansiedade generalizada, precisava de intervenção um pouco maior, até de encaminhamento para outros órgãos. Por exemplo, Vespasiano tem o CAPS infantil, muitas vezes quando o caso é mais grave, que necessita da avaliação de um médico, fazemos o encaminhamento para outra unidade”, falou.
“Mas já aconteceu de estarem passando dificuldade porque os pais separaram, por causa de envolvimento com droga, abuso de álcool. Vamos percebendo. Como estamos ali no dia a dia com eles, a gente nota alterações importantes no comportamento e chama para conversar. Eles também falam de relacionamento amoroso, primeiro amor, e conversamos”, lembrou.
Flávia ainda avaliou de forma positiva o desenvolvimento que os alunos têm ao longo do curso.
“Esse desenvolvimento é muito particular. Mas percebo de forma geral que todos eles, quando entram, são muito tímidos, têm dificuldades para falar e dar opinião sobre as coisas. Com o passar do tempo, temos até de poder o tempo todo, porque começam falar, todos querem falar e expressar, então é algo muito positivo. E eles têm se desenvolvido muito bem”, finalizou a psicóloga.
Durante o planejamento do projeto, Sette Câmara contou que, antes de definir que as crianças teriam acompanhamento com a psicóloga, cogitou contar com aulas sobre nutrição ou engenharia, áreas que são muito ligadas ao esporte. De acordo com Chaves, a ideia inicial acabou não indo para frente justamente por conta de uma orientação da Prefeitura de Vespasiano.
“Foi uma sugestão por causa do perfil dessas crianças. Ao todo são 40 alunos e cada um é de um jeito e traz uma bagagem, então a gente precisava de aporte psicológico aqui dentro para dar conta de acompanhar essas crianças. E, na verdade, foi muito melhor do que esperávamos. Acabou que foi uma ideia que deu muito certo e desde então a gente não mudou mais”, contou a coordenadora.
Com o Automobilismo Educacional fluindo bem e caminhando para o quarto ano de funcionamento, Sette Câmara disse que tem vontade de expandir a ideia para outras cidades. Reconheceu, porém, que existe dificuldade para isso. Além de demandar um kartódromo com boa estrutura, o projeto precisa de relação estreita com a Prefeitura local, o que dificulta a possibilidade de expansão. Além disso, a rotina agitada da carreira de piloto diminui o tempo para que Sérgio acompanhe as outras operações de perto como faz em Vespasiano. Apesar disso, o piloto mineiro reforçou que ainda tem algumas ideias para aplicar no trabalho que acontece no Kartódromo RBC Racing.
“Acho que está entregando até mais do que a gente esperava. Porque, no começo, seria só a parte teórica e prática do kart. Hoje em dia o projeto faz muito mais. Ele tem acompanhamento psicológico, tem excursão, tem a palestra de faculdade que vem aqui mostrar o carro de corrida deles, às vezes vêm esportistas. Então acho que entregamos uma experiência muito mais rica do que foi originalmente proposta. Seria muito repetitivo ficar só naquilo de teórico e prático”, contou o piloto da ERT na Fórmula E.
“Mas sempre podemos melhorar. Ainda tenho vontade de trazer mais o lado da engenharia, da mecânica para dentro da sala de aula. Acho que se a gente conseguir se encaixar em alguma matéria, tipo, noção mecânica, algo que tem a ver com esse esporte, seria interessante. É algo que dá pra evoluir na parte na parte da sala de aula”, finalizou.
Por enquanto, mesmo que os planos de futuro ainda estejam apenas no futuro, o presente mostra um projeto que vai para a quarta classe diferente e, assim, cruzará a marca de uma centena de crianças e adolescentes contemplados.
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