De caminho incomum até chegar aos monopostos e após vencer um acidente que poderia encerrar uma carreira que ainda começava, Caio Collet explica os desafios de deixar o país natal rumo ao sonho

Não é exagero dizer que quase todos os pilotos que chegam às categorias de base e sonham com a Fórmula 1 deram seus primeiros passos — ou voltas! — no kart. O GRANDE PREMIUM olha para o futuro e conta a história das principais promessas do esporte a motor brasileiro, e no capítulo de hoje, Caio Collet explica como a escola que prepara os jovens aos monopostos também foi marcante em sua carreira. No entanto, o primeiro contato do paulistano de 20 anos com a velocidade foi num veículo um tanto peculiar e muito mais comum em outra modalidade: o rali.

Talvez para os mais jovens, o sobrenome Collet não traga à memória a relação com o off-road. O piloto é filho de Carlo Collet Jr., que foi campeão do tradicional Rali dos Sertões em 2006 nos quadriciclos. Na ocasião, o pequeno Caio tinha apenas quatro anos quando o pai subiu ao lugar mais alto do pódio na categoria recém-adicionada aos Sertões. Mas o mundo das corridas não era novidade, uma vez que Collet já acompanhava o pai muito antes nas competições.

“Eu lembro que quando eu tinha três anos, meu pai — que ainda era piloto de rali, competia no Rali dos Sertões — me deu de aniversário meu primeiro quadriciclo”, contou Collet ao GRANDE PREMIUM. “Daí em diante, comecei a ir para as pistas com meu pai, ia acompanhar ele e ficava assistindo sempre com meu quadriciclo e dava umas voltas sempre que dava. Essas são minhas maiores lembranças, acompanhar ele nos Sertões ou em corridas que ele fazia no Campeonato Nacional ou Paulista, nessas coisas eu sempre estive junto com ele e assistindo dos meus três aos meus seis anos”, continuou.

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Caio Collet celebra vitória na F-Renault Eurocup em Ímola (Foto: Renault DPPI)

Não demorou muito para Caio seguir os passos do pai para valer e acelerar oficialmente com o veículo que o acompanhava. Ele recorda que por volta dos sete anos de idade, fez a sua primeira corrida no Campeonato Paulista de quadriciclo.

“Eu comecei pelo rali. Mas por mais que sejam quatro rodas, um volante e tudo mais, é bem diferente uma coisa da outra”, salientou, quando questionado sobre o que o período — ainda que curto — no rali acrescentou em sua formação como piloto. “Então, a adaptação ao carro foi uma coisa nova. É um pouco diferente o quadriciclo do kart, então foi tudo novo. Acho que isso me influenciou muito quando eu comecei, foi mais um pulo de um esporte para o outro mesmo”, disse.

O começo no kart foi aos sete anos, mas a mudança definitiva para a categoria contou com um elemento extra: aos oito anos, Collet sofreu um acidente quando andava de quadriciclo com seu pai e fraturou duas vértebras. A mãe de Caio, então, entrou em cena, e a partir daí, a carreira do jovem mudaria para sempre.

“Foi na mesma época em que eu comecei a andar de kart, para falar a verdade. Então, minha mãe falou para eu escolher um. Ela não queria que eu fosse para o rali de jeito nenhum, porque ela via como meu pai voltava dos ralis — todo machucado, na maioria das vezes com algum osso quebrado, alguma coisa que sempre estava machucada, então ela falou para eu escolher um. Então, acabei decidindo ir para o kart”, explicou.

Como é impossível dizer o que teria sido da carreira de Collet no rali se ele não tivesse sofrido o acidente, a história tratou de ser escrita na grande escola dos monopostos. E a verdade é que o kart acabou se mostrando uma escolha muito acertada para o menino. No segundo ano competindo após o acidente, foi vice-campeão brasileiro de kart na categoria mirim.

E esse foi só o aperitivo para o que viria a seguir. Collet teve uma carreira no kart muito bem sucedida em solo brasileiro, conquistando quatro títulos nacionais, seis títulos paulistas e dois títulos do Top Kart Brasil.

Collet é piloto da MP Motorsport na F3 (Foto: Dutch Photo Agency)

“Acho que no Brasil, eu consegui ter muito sucesso no kart. A partir de 2014, comecei a disputar e ganhar a maioria dos títulos em que eu competi, acho que a partir daí tive muito sucesso, e isso abriu os olhos de algumas pessoas no Brasil — o que me levou a ir para a Europa”, contou Caio ao GP*. “Mas naquela época eu ainda era muito cru, para falar a verdade, em questão de experiência do mundo afora, eu achava que com o kart do Brasil eu ia chegar na Europa sendo o bam-bam-bam, e tudo mais”, acrescentou.

Apesar de parecer falta de modéstia, o piloto explicou: simplesmente não acompanhava as categorias inferiores, a escada para se chegar à Fórmula 1. Na visão de Caio — ainda muito voltada, na época, ao território brasileiro e ao cenário do kart nacional —, seus resultados em solo tupiniquim seriam suficientes para lidar com a concorrência na Europa. E o brasileiro reconheceu que o choque de realidade foi forte.

“Quando eu cheguei, foi um choque”, admitiu. “Porque, na minha cabeça, eu não via as outras categorias. Não tinha acesso à F4, F3, F2, então eu não sabia muito qual era a escada, o caminho até a F1. Então, na minha cabeça, se eu estivesse ganhando no kart, estaria à frente de todo mundo — o que não é o caso. Então, quando eu cheguei na Europa e comecei a aprender mais e viver esse mundo, foi realmente quando eu tomei um choque e vi que o buraco era mais embaixo”, contou.

Acostumado a competir sempre contra os mesmos rivais em solo brasileiro, Collet admitiu que a quantidade substancial de competidores e equipes quando chegou à Europa foi o suficiente para assustá-lo um pouco. Apesar dos bons resultados que conseguiu logo de cara em sua primeira participação em solo europeu — como o sexto lugar da F4 nos Emirados Árabes, com seis pódios em sete corridas —, Caio reconheceu que a mudança brusca de ambiente lhe trouxe certo choque no início.

“Acho que o maior choque foi a quantidade de pilotos e o nível das equipes. Acho que isso me chocou bastante”, revelou. “Eu lembro que no Brasil, eu disputava a maioria dos campeonatos com dois ou três pilotos que eram muito rápidos, estavam sempre na frente. Quando eu cheguei na Europa para o profissionalismo… E também a maneira que as equipes trabalham — em que você só tem um mecânico e precisa colocar a mão na massa, correr atrás das coisas —, acho que isso foi um choque para mim no começo”, afirmou.

“E eu tinha cinco, seis companheiros de equipe que andavam no mesmo nível que eu, então para me destacar tive de trabalhar duro, fazer algo diferente”, ressaltou, destacando a mudança de competitividade vivida na chegada à Europa. “Então, acho que foi o primeiro choque. Mas meu primeiro ano foi de muito sucesso, consegui me adaptar rápido e tive pessoas ao meu lado que me ajudaram muito nessa transição. O Gastão [Fráguas] principalmente, o Waltinho [Travaglini], que era meu chefe de equipe no Brasil e veio comigo para as primeiras corridas na Europa, acho que eles dois me ajudaram muito no começo e me ajudaram a fazer essa transição mais rápido”, reconheceu.

Caio Collet na F4 Francesa (Foto: Dutch Photo Agency)

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O caminho de Collet seguiu até uma etapa decisiva e que o colocou definitivamente no radar: a competitiva Fórmula 4. A primeira fase foi em 2017, nos Emirados Árabes, terminando na sexta colocação. Na temporada seguinte, ainda no começo do ano, Collet venceu o importante prêmio Volante Winfield, sendo o primeiro brasileiro a alcançar o feito. Isso deu a ele o passaporte para a F4 Francesa, e Caio não desperdiçou a chance: disputou 21 corridas na temporada, venceu sete vezes, terminou em segundo em duas ocasiões, foi ao pódio em terceiro em outras quatro e ainda assinalou sete poles e sete voltas mais rápidas.

“A F4, para mim, foi um ano de sucesso”, recordou Collet. “Consegui fazer uma adaptação rápida, em termos de pilotagem eu não sofri muito, mas com o formato do final de semana, a maneira que você aborda as coisas foi um pouco diferente do kart, que você anda toda hora — tem cinco, seis treinos, depois cinco ou seis baterias, pré-final e final —, então você não para de andar um minuto. E na F4, você tem uma corrida e tem de esperar um ou dois meses para a outra corrida, tem 30 minutos de treino e já vai direto para a classificação, grid invertido e tudo mais. Isso tudo para mim foi uma experiência nova e que eu tive de me adaptar rápido”, continuou.

Foi na época da F4 que Collet também começou a cruzar com nomes hoje bastante conhecidos de quem acompanha a base e que também estavam em busca de um lugar ao Sol. “Na época, eu estava disputando campeonato com o Théo Pourchaire, da F2, e com o Arthur Leclerc, que está na F3 comigo, então acho que eles dois foram meus maiores rivais na época”, destacou.

“Mas acho que consegui fazer uma boa transição do kart para a F4, consegui ser bem rápido e principalmente pontuar na maioria das corridas, o que fez muita diferença, principalmente por causa do grid invertido. Eu consegui andar super bem, então, para mim, foi um ano de muito sucesso”, frisou.

A temporada na F4 Francesa foi de muito sucesso para Collet (Foto: Dutch Photo Agency)

E enquanto Collet fazia sua parte, buscando resultados em meio a tantos talentos em potencial do automobilismo, uma figura em especial o notou ainda no kart e se tornou uma espécie de tutor: Felipe Massa. Na época em que começou sua caminhada, ainda criança, Massa já era um nome forte na Fórmula 1.

A perda do título na última volta em 2008, aliás, foi algo que ficou marcado na vida de Collet. “Na época que eu comecei a assistir Fórmula 1 e pegar gosto pelo esporte, era a época em que o Felipe [Massa] estava brigando pelo título, então acho que eu tenho ele como uma referência, lógico. Também tantos outros brasileiros, como [Ayrton] Senna em primeiro lugar, [Nelson] Piquet, Rubinho [Barrichello], todos eles que fizeram um longo caminho na F1 representam bastante, fizeram muito pela nossa história, então tenho como ótimas referências”, salientou.

Ao ser questionado especificamente sobre a importância de Massa em sua carreira, Collet contou que o ex-piloto da F1 o ajudou na transição do kart para a F4 e, depois, da F4 para a F-Renault — categoria essa em que Caio competiu em 2019, ficando em quinto lugar.

“Eu e o Felipe temos uma relação muito boa. E eu consegui contar com o apoio dele e de diversas outras pessoas, a gente na época ter o mesmo manager [Nicolas Todt, filho de Jean Todt] acho que facilitou bastante, ele sempre tentava me ajudar da melhor maneira possível, falava de mim para todos que ele conhecia. E acho que isso me ajudou muito, abriu bastante o caminho para mim, então tenho de agradecer muito a ele pelo que fez e ainda faz pela minha carreira”, frisou.

E se um ex-piloto brasileiro de Fórmula 1 foi fundamental para o crescimento de Collet na carreira, outro deles é quase sempre lembrado por todos como inspiração àqueles que almejam um futuro de sucesso na principal categoria do esporte a motor: Ayrton Senna.

Ao falar sobre o peso de Senna para o cenário do automobilismo brasileiro, Collet disse que seria “impossível” traçar uma trajetória igual à do tricampeão mundial. Ídolo de gerações no Brasil, Senna segue inspirando os novos talentos do país — mesmo após 28 anos de sua morte.

“O Ayrton é o Ayrton, e o que ele fez vai ficar para sempre na história. Acho que é impossível você fazer igual ou tentar ser como o Ayrton”, opinou. “Acho que ele era uma pessoa única, e não vai existir outro como ele. Então, é realmente você focar no seu melhor, fazer o que você consegue, principalmente para representar bem o Brasil e para você, lógico”, salientou Collet.

“Acho que cada um é cada um, e o Ayrton Senna é um ídolo nacional que vai ser muito difícil de você tomar a posição dele algum dia”, avaliou. “Então, acho que se alguém conseguir chegar pelo menos perto do que ele fez e da pessoa que ele foi, eu com certeza já vou estar muito feliz”, almejou o brasileiro.

CAIO COLLET; BARCELONA; F3; CORRIDA F3;
Caio Collet foi ao pódio em Barcelona na F3 este ano (Foto: Formula 3/MP Motorsport)

Sobre a corrida para chegar à Fórmula 1 — sonho de consumo de dez em cada dez jovens que buscam se sobressair nas categorias de base —, Collet admite que a situação não está boa para aqueles que se destacam nas modalidades inferiores. Atual campeão da F2, Oscar Piastri é um dos principais exemplos de que o sucesso não é garantia de um lugar na F1 — e não é o único, já que Nyck de Vries também segue esperando.

O brasileiro reconheceu a dificuldade na briga por uma vaga e deixou clara sua opinião sobre o fato de Piastri não conseguir um assento como titular: é algo que o desagrada bastante. Collet argumentou que as portas fechadas causam efeitos negativos não só naqueles que estão em condições de subir à F1, mas em todos que estão buscando seu lugar na escada de acesso à categoria.

“Acho que uma vaga na Fórmula 1 é realmente muito difícil. Você tem de estar no momento certo e na hora certa”, observou. “Então, acho que como você citou, por exemplo, o Oscar Piastri, que ganhou todos os campeonatos de três anos para cá, não ter uma vaga na F1 esse ano é um fato muito desagradável. Acho que ele, mais do que qualquer um, teria de ter essa oportunidade de uma vaga na F1, até porque ganhou tudo”, elogiou.

“Então, ele não indo para a F1, acho que desanima não só ele, mas também outros pilotos que estão na F2, na F3, porque quando você vê o campeão sem oportunidade de ir para a F1, acho que isso dá uma desanimada”, admitiu. “Mas você tem de estar no momento certo, na hora certa, e no ano passado não abriu nenhuma vaga para ele ir. Ele está em um ano de aprendizado aqui — acho que sou um amigo próximo dele e posso falar — para tentar uma vaga em 2023. Porque eu acho que ele merece mais do que qualquer um, então tem de torcer para ele entrar”, completou.

Em comum, Piastri e Collet dividem o uniforme: ambos são membros da Alpine Academy, que inclui ainda nomes como Jack Doohan e Olli Caldwell, ambos na F2, além do francês Victor Martins, concorrente de Collet na F3. Questionado sobre a rotina de treinos realizada nas dependências da Renault, Caio explicou que adapta seus exercícios de acordo com aquilo que precisa melhorar — seja força ou resistência, por exemplo.

Caio Collet é membro da Academia de Pilotos da Alpine (Foto: Dutch Photo Agency)

“É meu quarto ano como piloto da Alpine Academy, acho que o treinamento que eu vinha fazendo desde 2019 é basicamente o mesmo”, disse. “Lógico que eu vou evoluindo também fora da pista, com treinamentos físicos e mentais. Então, acho que conforme a demanda que eu tenho, vou aumentando os treinos e adaptando um pouco mais para o que eu tenho de fazer”, revelou.

“Acho que isso varia de ano a ano conforme as minhas metas, os resultados que eu tenho de cumprir, então acho que isso modifica sim a cada ano, mas nada de novo”, prosseguiu. “Acho que são só alguns ajustes que tenho de fazer no meu treinamento dentro e fora da pista, dependendo da situação e do campeonato que eu estiver disputando, mas nada de especial”, disse Collet.

Por fim, é natural que todos os membros de uma Academia do nível da Alpine saibam que, apesar da amizade, os pilotos são concorrentes — principalmente com um funil cada vez menor em relação àqueles que conseguem entrar na F1. Collet admite que todos possuem o sentimento de competitividade entre si, mas que conseguem gerenciar a situação para que a relação seja boa fora das pistas.

“Acho que nosso relacionamento é muito bom fora da pista, realmente não tem por que não sermos amigos e desfrutarmos da relação. A gente passa a maioria dos dias juntos, então acho que isso é uma coisa de convivência”, destacou. “A gente sabe que só tem uma vaga para nós quatro — se tiver —, então a gente tem de fazer nosso melhor dentro da pista, mostrar que cada um merece estar aonde está, mas não tem motivo para isso influenciar no nosso relacionamento fora da pista”, encerrou.

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