Coluna Wild Card, por Juliana Tesser: Memórias de um período ruim

Para mim, o circuito de Sepang ficará para sempre marcado pela morte de Marco Simoncelli. Não que a pista tenha alguma ‘culpa’ pelo que aconteceu, mas é a referência mais forte daquele trágico fim de semana

 

A MotoGP desembarca no circuito de Sepang neste fim de semana para a realização do GP da Malásia. Apesar de a etapa poder ser decisiva para duas classes – Moto3 com o título de Sandro Cortese e Moto2 com o de Marc Márquez – o fim de semana será marcado pelas lembranças de Marco Simoncelli.
 
Na próxima semana, a morte do italiano completa um ano e está será a primeira visita da categoria – em corridas, ao menos – depois do acidente fatal de 2011.
 
A morte de Simoncelli aconteceu um momento trágico. A minha primeira lembrança daquele período é a do acidente de Jorge Lorenzo na Austrália. Claro, o que aconteceu depois faz a lesão do espanhol não parecer nada, mas perder uma parte do dedo, por menor que seja, nunca é legal.
 
Eu não tinha nem um ano de Grande Prêmio na época e não tinha bem certeza sobre a nossa política de publicação de fotos desse tipo. Acabei escolhendo uma menos ruim, o que significa que eu tive de ver todas as outras.
Pai de Simoncelli foi o grande herói em um momento tão difícil (Foto: Bridgestone)
Trabalhei sozinha naquela noite e devo dizer que foi bem difícil tirar da cabeça as imagens do dedo do Lorenzo. Acabei o trabalho e fui dormir. Fiz isso praticamente o dia inteiro. Quando acordei, meus pais me contaram sobre o acidente na Indy.
 
Minha primeira reação foi entrar em contato com a redação do GP para saber se eles precisavam de ajuda. Nunca tinha trabalhado na morte de ninguém, mas sabia que aquilo iria exigir o trabalho de todos.
 
Não vi as imagens do acidente na hora, não quis ver. Li o que o pessoal tinha escrito e me concentrei em ajudar no que podia.
 
Claro que eu sabia quem era Dan Wheldon, mas ali, naqueles primeiros momentos, nada parecia muito real. No dia seguinte, vi as imagens do acidente e chorei pela primeira vez ao escrever uma nota sobre a tatuagem que o Wheldon tinha feito junto com a esposa.
 
Os dias seguintes foram pesados. As notícias eram muito tristes e, claro, afetaram todo mundo.
 
E aí chegou o fim de semana da MotoGP. Eu, sinceramente, não me lembro de muita coisa daquele fim de semana além do que aconteceu com Simoncelli. Não sei como foram as corridas anteriores e, se me arriscar a dizer qualquer coisa, devo errar. Só sei que o Márquez estava machucado.
 
A cobertura da MotoGP sempre foi solitária. Normalmente faço todo o trabalho sozinha e como ainda era início da manhã aqui no Brasil, não tinha mais ninguém na redação virtual do GP.
 
As primeiras notícias vindas da Malásia não eram tão assustadoras. É, ele tinha perdido o capacete e tal, mas alguns jornalistas que estavam lá noticiavam pelo Twitter que ele estava consciente.
 
Fiquei um tanto perdida. Não sabia bem o que fazer. No fundo você sabe que foi uma coisa grave, mas é melhor acreditar que tudo vai ficar bem. Procurei na internet um link para a transmissão da SporTV portuguesa, que faz uma cobertura bem legal do Mundial. Achei também um link para a TV espanhola. A coisa não era boa. Lorenzo, que não estava correndo, foi um dos primeiros pilotos a se manifestar. Ele disse alguma coisa pelo Twitter e eu não lembro bem o que foi, mas vinha acompanhada de um palavrão.
 
A TV logo começou a exibir o Carmelo Ezpeleta, presidente da Dorna, indo de garagem em garagem para falar sobre o cancelamento da corrida. Ali tive certeza de que a coisa era mais grave do que os rumores iniciais.
 
Decidi mandar uma mensagem para o Victor Martins, também conhecido como chefe, para falar o que tinha acontecido. Tão logo ele apareceu, a notícia da morte de Simoncelli foi confirmada. Comecei a chorar imediatamente.
 
O Victor me disse para escrever a notícia e eu mal conseguia ver o teclado do tanto que chorava. Acho que fiz mais barulho do que deveria, porque meu pai apareceu no meu quarto para saber o que tinha acontecido. Minha mãe veio na sequência e foram eles que fizeram com que eu me concentrasse para escrever o que precisava.
 
Não demorou, toda a redação estava lá. Cada um trabalhando em uma parte da cobertura. E eu segui chorando. Escrevendo e chorando.
 
Logo vieram os primeiros rumores de que Valentino Rossi abandonaria as pistas. O choro aumentou nesta hora. Você para para pensar em como se sentem os pilotos que o atropelaram. Como eles se sentem culpados. É tudo muito triste.
 
Um tempo depois o Victor me disse para ir descansar. Eu fui, mas foi bem difícil conseguir dormir.
 
Mas a cobertura não tinha acabado por aí. Os dias seguintes foram difíceis também. O funeral de Simoncelli foi bonito, mas muito triste. E eu chorei, de novo. Acho que chorei por umas duas semanas. E ainda teve o GP de Valência, todas aquelas homenagens e todo aquele choro.
 
Na época, eu ouvi três coisas quase como um mantra:
 
– ‘Você trabalha com um esporte de risco, tem de se acostumar! Não pode ficar chorando sempre que isso acontecer.’ Balela! Ninguém se acostuma com isso.
 
Tem gente que acha que jornalista veio ao mundo para criticar os outros. Tem piloto até que acha que nós fomos feitos para atrapalhar a vida deles. A coisa não funciona bem assim. Ao menos para mim.
 
O trabalho consome uma boa parte do meu dia e, de certa forma, esses pilotos passam a fazer parte da minha vida. Eu não quero vê-los machucados.
 
Prefiro ver um cara chato ganhado corrida do que vê-lo dar com a cara no muro. E não é só porque traduzir os termos médicos dos releases é complicado, mas porque jornalista é uma pessoa como qualquer outra.
 
– A outra coisa que eu ouvi é que o Simoncelli morreu fazendo o que gostava. E eu não dou a mínima para isso. O Marco era mais novo do que eu e deveria estar vivo para casar, ter filhos e fazer sei lá o que ele planejava fazer da vida.
 
– O terceiro é o ponto mais incomodo. ‘Ele virou um herói agora que morreu?’ Não, claro que não. Mas ele era um cara novo, alegre, acessível, que não deveria ter morrido. Muita gente perguntou isso por causa das declarações feitas pelo pai de Jorge Lorenzo, Chicho, em que ele dizia que o Marco era um piloto perigoso e que alguém deveria tê-lo avisado que aquilo estava errado. Não acho que Simoncelli era um cara perigoso, mas, ainda que fosse, não era a hora de dizer aquilo.
 
Papai Lorenzo se diz amigo do pai de Simoncelli, então ele deveria ter pensado na dor do Paolo antes de sair falando besteira por aí.
 
Falando em herói, acho que Paolo é o grande herói desta história. A imprensa italiana não foi muito simpática com ele – e com o Valentino – quando eles voltaram para a Itália com o corpo do Marco, mas ele sempre se mostrou um homem equilibrado e, mais do que tudo, deixou claro que não se arrependia de ter ajudado o filho a buscar o sonho de ser piloto.
 
Para mim, o circuito de Sepang vai ficar para sempre marcado pelo aconteceu com Simoncelli. Sempre que a MotoGP aparecer por lá, a lembrança do italiano vai reaparecer, assim como Misano nos lembra de Shoya Tomizawa. E da mesma forma que me lembro de Ayrton Senna quando escuto falar em Ímola.
 
Por favor, não me venham com aquele papo de viúva. Eu era uma criança quando ele morreu. Não me lembro das corridas, não era fanática pela F1 e não vou discutir se ele era melhor que o Schumacher.
 
O que eu me lembro é que eu chorei para caramba. Eu me lembro também que eu estudava em uma escola cheia de frescura, mas que esqueceu todas as suas regras no dia seguinte ao permitir que os alunos escrevessem em todo o chão do pátio para se despedir do Ayrton. Acho que foi a forma que eles encontraram de consolar um bando de crianças.
 
De uma forma ou de outra, mesmo sabendo que eu convivo com um esporte de risco, não é fácil aceitar que essas coisas aconteçam. Tenho certeza de que essa é uma história da qual eu vou me lembrar para sempre.
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