Sem ‘superlicença’, CBA veta Moraes e faz Hot Car chamar Ricardo Sperafico para etapa do Velo Città

O sonho de Lukas Moraes em poder estrear na Stock Car foi adiado. O piloto não foi autorizado pela Confederação Brasileira de Automobilismo, que, na sua alegação, diz que Lukas não tem a Licença Máster, necessária para disputar corridas da categoria

Lukas Moraes vai ter de esperar pelo menos mais algum tempo antes de estrear na Stock Car. O paulista de 22 anos foi anunciado pela Hot Car para as quatro últimas corridas da temporada 2018 em substituição a Néstor Girolami, que não pode dar sequência no Brasil em virtude de compromissos na Argentina. No entanto, um dia depois do anúncio feito pela equipe chefiada por Amadeu Rodrigues, na última segunda-feira (17), a CBA (Confederação Brasileira de Automobilismo) vetou a participação do jovem a partir da rodada dupla deste fim de semana no Velo Città. 
 
A entidade alega que Moraes não tem a chamada Licença Máster, que tem o mesmo efeito da 'superlicença' na F1, que habilita um piloto a alinhar no grid da Stock Car. Assim, a Hot Car chamou Ricardo Sperafico de última hora para correr neste fim de semana. Só que o piloto entende que houve um erro administrativo da CBA com relação à autorização para correr. 
 
Para entender o caso, o GRANDE PRÊMIO falou tanto com Lukas, naturalmente frustrado por ver seu sonho adiado, e também com a CBA e o presidente do Conselho Técnico Desportivo Nacional, Carlos Montagner, conhecido também pelo seu histórico como diretor de corridas no GP do Brasil de F1 e na própria Stock Car.
 
Moraes, que atualmente é dono de graduação Prata na FIA (Federação Internacional de Automobilismo), tem um passado vencedor nas categorias de base. Depois de estrear na Europa, ganhar corridas e ter finalizado a temporada 2013 da F-Abarth em quarto lugar, Moraes voltou ao Brasil no ano seguinte, correu pela equipe PropCar e foi vice-campeão da F3 Brasil — campeonato vencido por Pedro Piquet — sendo um dos poucos a quebrar a série de vitórias do filho do tricampeão mundial de F1, tendo vencido debaixo de muita chuva uma das corridas em Interlagos.
Lukas Moraes foi vetado pela CBA e não vai poder estrear na Stock Car (Foto: Divulgação)

Mesmo sem muitos recursos financeiros, Lukas disputou corridas do antigo Brasileiro de Turismo — hoje Stock Light — desde 2015. No ano seguinte, correndo pela equipe RR, encaixou uma grande temporada, comemorou sua primeira vitória na classe de acesso à Stock Car, além de mais dois pódios. O piloto ficou fora da etapa de Curvelo, mas voltou para correr a prova final, em Interlagos, onde quase venceu novamente, finalizando em segundo e o campeonato em sétimo lugar.

 
Na temporada passada, o paulista novamente enfrentou dificuldades para encontrar patrocinadores e, por isso, realizou apenas sete corridas no Brasileiro de Turismo. Foram boas participações, com três provas largando no top-3 e cinco entre os seis primeiros, além do quarto lugar obtido na corrida 1 em Londrina. A falta do combustível financeiro impediu Lukas de fazer toda a temporada e mostrar seu potencial.
 
Contudo, em 2018, uma grande porta se abriu no exterior. Lukas foi convidado pela equipe francesa 3Y Technology para disputar a temporada 2018 do Blancpain GT Series, um dos mais importantes campeonatos de turismo do mundo. Era chegada a chance de fazer parte de uma das categorias de elite do esporte a motor e dividir curvas com pilotos conhecidos como Raffaele Marciello — oriundo da Academia da Ferrari e que se sagrou campeão do certame —, Kelvin Van der Linde e Robin Frijns, os dois últimos presentes na última Corrida de Duplas da Stock Car, além dos ex-F1 Will Stevens e Christian Klien.
 
Lukas disputou a classe Silver Cup e conseguiu alcançar um bom desenvolvimento ao longo do campeonato a bordo da BMW M6 GT3. Foi uma temporada de evolução com a conquista de uma vitória e um segundo lugar na classe em Brands Hatch e, para fechar o campeonato, mais um pódio, desta vez no tradicional circuito alemão de Nürburgring, ao terminar em terceiro lugar ao lado do belga Denis Dupont no último fim de semana.
 
De volta ao Brasil, a expectativa de Lukas era dar mais um passo na sua carreira nas pistas com a chance recebida para estrear na categoria mais importante do automobilismo brasileiro correndo pela Hot Car. Mas o veto da CBA à participação na etapa do Velo Città mudou a trajetória. 
Lukas Moraes, de macacão branco ao lado de Denis Dupont, no pódio em Nürburgring (Foto: Fotospeedy)
A escala de licenças, o imbróglio e a frustração de Moraes
 
O regulamento desportivo da Stock Car diz, no artigo terceiro, que “as inscrições dos pilotos, em qualquer prova do campeonato, deverão ser analisadas pela CBA e, a qualquer momento, pelos Comissários Desportivos”. No mesmo artigo, a entidade define os pilotos Rookies [estreantes] “aqueles que não participaram de uma temporada da Stock Car. Para esta qualificação, define-se temporada da Stock Car o piloto que participar de mais de 6 etapas no ano. O piloto deverá possuir Graduação Máster”.
 
A regra abre uma exceção ao dizer que “pilotos convidados pela empresa promotora poderão participar com carteira PGC-A, porém com currículo aprovado pela CBA para participação exclusiva desta prova. A apresentação do currículo deverá ser de no mínimo 5 dias antes da etapa”. No artigo sexto, que diz sobre as licenças dos pilotos, a CBA reitera: “Todos os pilotos participantes do Campeonato Brasileiro de Stock Car devem possuir Licença Master emitida pela CBA, atendendo ainda o disposto no Art. 3”.
Trecho do Código Desportivo do Automobilismo que diz respeito às licenças dos pilotos (Foto: Reprodução)

Ao todo, a CBA lista cinco tipos de licença no seu Código Desportivo do Automobilismo: Máster; Piloto Graduado de Competição ‘A’ – PGC-A; Piloto Graduado de Competição ‘B’ – PGC-B; Piloto de Competição – PC; e Piloto Escola de Competição – PEC.

 
Lukas é portador da licença chamada PGC-B. O mesmo CDA prevê que os cinco primeiros colocados na classificação da temporada anterior, em campeonato nacional, têm direito à promoção de Licença PGC-B para PGC-A, com campeão e vice-campeão recebendo a promoção automaticamente.
 
O documento prevê, no artigo 31.3.2, que “as promoções de PC para PGC-B ou de PGC-B para PGC-A para campeões e vice-campeões serão automáticas e as demais classificações serão facultativas, cabendo ao interessado manifestar sua intenção em ser promovido”. A alínea seguinte diz que “caso o piloto não manifeste seu interesse na promoção acima, nova avaliação poderá ser efetuada durante o mesmo ano”.
Lukas Moraes já venceu na categoria de acesso à Stock Car (Foto: Duda Bairros/Vicar)
O fato é que Moraes, mesmo com o vice-campeonato da F3 Brasil, não recebeu a promoção automática para a Licença A. Permanecendo com a PGC-B, o piloto não pode fazer a transição diretamente para a Máster, ficando assim impedido de obter a licença para estrear na Stock Car.
 
Ao GRANDE PRÊMIO, Lukas falou sobre o imbróglio e lamenta pela chance perdida de realizar um sonho na carreira ainda em 2018. O piloto entende que houve um erro administrativo da entidade em não conceder automaticamente a licença A, que é o último passo antes da Máster.
 
“É complicado. A gente já tinha buscado tudo, a expectativa era muito alta. Venho trabalhando por este momento há muito tempo e, por uma decisão da CBA, sou barrado de correr. O problema é que há quatro anos, quando fui vice-campeão da F3 Brasil, eles deveriam ter subido automaticamente para categorização A, mas isso não ocorreu. E acabou ficando por isso mesmo. E eles alegam que meu currículo não me credencia a pleitear a Licença Máster. Então não entendo: como posso ter licença para correr no Blancpain, que é o principal campeonato de GT do mundo, e não posso para correr na Stock Car? Não vejo sentido nenhum. Não entendo como estar no Blancpain não me categoriza para estar na Stock Car”, disse o piloto.
Requisitos para a emissão da Licença Máster, necessária para um piloto disputar a Stock Car (Foto: Reprodução)
“A gente vai tentar entrar com um pedido na CBA para que possamos receber a categorização A, o que deveria ter sido feito anos atrás, para então tentar pedir a Máster. Mas acho que vai ser complicado voltar ao grid da Stock Car neste ano. A própria Hot Car, junto com a Bardahl, têm urgência [de um piloto] e é complicado depender disso, se vou correr ou não, se a licença vai sair ou não. Sei que não vai ser um trâmite rápido.”, explicou Lukas, que é vinculado à Federação Maranhense desde 2015.
 
“É uma pena. Justamente porque venho trabalhando há tempos nisso, saiu o anúncio, a gente já estava lá dentro, muitos pilotos me parabenizaram porque a hora tinha chegado… Mas não é um adeus, vamos continuar batalhando para estar lá na Stock Car assim que for possível”, complementou o piloto, sem desistir do sonho de correr na principal categoria do Brasil.
 
O outro lado: CBA justifica impedimento a Lukas na Stock Car
 
O GRANDE PRÊMIO acionou a assessoria de imprensa da CBA, que se posicionou, por meio de nota, sobre o impedimento à participação de Lukas Moraes no grid. A entidade, por sua vez, defende que o piloto deveria ter se manifestado sobre a intenção em receber a Licença A a partir de 2015 como argumento para rebater o ponto em que o paulista defende ter sido promovido automaticamente.
 
“Foi solicitada à CBA, na noite da última terça, 18, a graduação do piloto Lukas Moraes à ‘Licença Master’. Atualmente, o competidor está enquadrado na categoria ‘PGC-B’. Segundo o Código Desportivo de Automobilismo de 2018, em seu artigo 31.4, ‘para a emissão da Licença Máster, o piloto deverá possuir no mínimo graduação PGC-A (…)." 
 
"O requerimento também alegou que Moraes, por ter sido vice-campeão da Fórmula 3 Brasil em 2014, deveria ter sido promovido ao status de PGC-A na ocasião. No entanto, conforme o CDA em seu artigo 31.3.2., “cabe ao interessado manifestar sua intenção em ser promovido”, o que não ocorreu. Logo, o Conselho Técnico Desportivo Nacional não concedeu a ‘Licença Master’ solicitada porque tal ato seria um descumprimento ao Código Desportivo de Automobilismo”, diz a Confederação.
Carlos Montagner justificou o veto à participação de Lukas Moraes na Stock Car (Foto: Fernanda Freixosa/Arquivo Stock Car)
O regulamento desportivo da Stock Car, documento que rege também os pilotos habilitados para correr na categoria, é de responsabilidade do Conselho Técnico Desportivo Nacional, presidido por Carlos Roberto Montagner.
 
O dirigente endossou o argumento da entidade a respeito do assunto. “O Lukas Moraes, pela graduação da CBA, é PGC-B. E na Stock Car só pode andar com carteira Máster. Foi solicitada, na Federação do Maranhão, a promoção dele de PGC-B para Máster. Só que existe no meio disso, que é a PGC-A, e ele não a tem. Esse é o motivo pelo qual ele está impedido de participar. A promoção é automática, mas ele tem de dizer que quer ser promovido. Só que não houve: em 2015, 2016, 2017 e 2018, durante esse tempo todo ele foi PGC-B”.
 
“Existe, também, uma análise de currículo, uma série de restrições para você ser piloto Máster. Para [a transição de] PGC-B para PGC-A existem restrições e de PGC-A para Máster existem restrições. Ele tem de se encaixar numa dessas possibilidades, de PGC-A para Máster. E como ele tem a carteira B, ele até consegue pedir a carteira A, mas não consegue pedir a Máster”, salientou o diretor.
 
“No máximo, nesse ano, ele seria PGC-A. Não dá para ele começar o ano como PGC-B, mudar durante o ano para PGC-A e, no fim do ano, mudar de novo, para Máster. Não dá para ter duas graduações no mesmo ano”, complementou.
 
Licenças polêmicas
 
Em 2018, a Stock Car chegou a ter no grid dois pilotos que correram de forma esporádica. O goiano Renato Braga, por exemplo, disputou a Corrida do Milhão justamente em Goiânia e também correndo pela Hot Car. O piloto, que tem graduação Bronze da FIA, teve participações no antigo Brasileiro de Turismo desde 2013, e teve como melhor resultado um sétimo lugar na prova de Goiânia em 2015. 
 
Braga já disputou também o Brasileiro de Marcas, Porsche Cup e também do Mercedes-Benz Challenge. Neste ano, disputou também o Super Trofeo Lamborghini na Europa.
 
No entanto, mesmo com um currículo bem menos expressivo em relação ao de Moraes, Montagner justificou porque Renato Braga obteve autorização para acelerar na Stock Car e que o caso não se aplica a Lukas, mesmo com o jovem tendo graduação maior da FIA.
Renato Braga, mesmo sem licença Máster, foi autorizado a correr na Stock Car (Foto: Hot Car)
“O Renato Braga tinha corridas na Europa e correu de Mercedes também. Ele foi autorizado a participar, como convidado, de Licença PGC-A, da última corrida do ano passado. E nós sabíamos que ele poderia ser Máster pelo currículo dele. Então ele foi autorizado a correr na última etapa da Stock Car no ano passado sem marcar pontos. É uma situação diferente da do Lukas porque ele sempre foi A. Então, excepcionalmente, foi permitida a participação dele e, neste ano, pelo currículo dele, já pode ser piloto Máster. Não é o caso do Lukas”, explicou.
 
Outro piloto autorizado a correr neste ano na Stock Car, na Corrida de Duplas, em Interlagos, e na etapa de Curitiba, foi Fernando Croce. Paulista de Ribeirão Preto, Croce tem 37 anos e tem no currículo presenças em categorias GT na Europa e também no Brasil. No mesmo ano em que Lukas foi vice-campeão da F3 Brasil, Fernando terminou como nono colocado.
 
O cartel do piloto ribeirão-pretano ainda compreende corridas no GT Itália em 2016 — onde ficou em 20º colocado no geral — e no Brasileiro de Turismo do ano passado, na temporada em que somou oito pontos e ficou em 23º no campeonato, com oito pontos. Croce disputou 12 provas, enquanto Moraes, mesmo tendo feito cinco corridas a menos, somou 32 tentos e terminou em 14º lugar.
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