Coluna Parabólica, por Rodrigo Mattar: Paradoxos entre a Copa do Mundo e o automobilismo

Ao longo dos anos, diversas coincidências envolveram a Copa do Mundo de futebol e o Mundial de F1. As histórias incluem o surgimento do gesto tão repetido por Ayrton Senna: levantar a bandeira do Brasil após cada vitória

Minhas primeiras lembranças concretas de Copa do Mundo da FIFA se confundem com o meu ‘início’ como apaixonado por automobilismo. O ano foi o mesmo: em 1978, realizou-se o Mundial da Argentina e dele me recordo por vários motivos: o principal deles foi de, em plena sala de aula no primário, assistir a Brasil x Espanha e ver o zagueiro Amaral salvar de forma milagrosa um chute à queima-roupa de Cardenosa, em cima da linha do gol. Lembro também do gol relâmpago de Lacombe contra a Itália, as bombas holandesas de Haan e Brandts contra a mesma Azzurra e, claro, do infame Argentina 6 x 0 Peru, que nos tirou da decisão e levou Cláudio Coutinho a nos proclamar “campeões morais”, porque terminamos em terceiro e invictos.

Quatro anos depois, a ênfase dada à cobertura da Copa do Mundo impedia a nós, apaixonados pelo automobilismo, acompanhar algumas corridas na íntegra e uma das vítimas desse “efeito Copa” foi o GP do Canadá de 1982, aquele mesmo em que morreu o Riccardo Paletti e cuja transmissão começou após a partida inaugural do Mundial, entre Argentina e Bélgica. Com Galvão Bueno na cobertura do Mundial de Futebol, a narração foi de J. Hawilla e com a batida grave após a largada, a corrida foi paralisada por duas horas. Em seu reinício, a Globo seguiu com a transmissão, mas logo a interrompeu para exibir o “Fantástico”. Só no “Show da Vida” é que, em flash, vimos Nelson Piquet vencer pela primeira vez com a Brabham BMW Turbo.

A primeira vitória de Piquet com a Brabham BMW não passou ao vivo na Globo por causa da Copa do Mundo (Foto: Divulgação)

Em 1986, foi ainda pior: o Brasil perdeu para a França numa traumática decisão por pênaltis em Guadalajara e, não muito distante do México, em Detroit (EUA), Ayrton Senna era zoado por grande parte dos técnicos da Lotus. A equipe britânica tinha motor Renault e dezenas de seus integrantes eram franceses — inclusive o diretor técnico Gérard Ducarouge.

No dia seguinte, 21 de junho, os telespectadores brasileiros não acompanharam ao vivo o GP dos EUA. Ficamos com la mano de Diós, ou seja: a genialidade explícita de Diego Maradona em seu gol histórico e a não menos histórica malandragem do gol de mão contra a Inglaterra. A nós, restou um compacto com os melhores momentos da corrida estadunidense. E ficamos privados de ver, ao vivo, o registro da volta de consagração de Ayrton empunhando a bandeira brasileira, como vingança por toda a zoação sofrida na véspera. O gesto o acompanharia até o fim de sua carreira – e muitos talvez nem soubessem que a origem dessa celebração veio de uma derrota no futebol. C’est la vie.

Maradona e a seleção brasileira voltaram a estar no caminho dos fãs dos esportes motorizados em 1990. No mesmo dia de Brasil x Argentina, em Turim, tinha GP do México de F1 no circuito Hermanos Rodriguez. Mais um dia de tristeza: o gol de Caniggia em passe de Maradona sepultou a “Era Dunga”, pôs fim ao canhestro reinado de Sebastião Lazaroni como treinador da seleção e nós aqui perdemos a íntegra de uma corridaça onde Alain Prost emergiu da 13ª posição para vencer, porque na sequência da derrota brasileira, a Globo preferiu exibir Holanda x Alemanha. 

Não foi a única corrida que não conseguimos ver na totalidade, se não me engano, pois o GP do Canadá, semanas antes, foi várias vezes interrompido para mostrar a seleção brasileira pronta para a estreia contra a Suécia, também em Turim. A transmissão foi uma das primeiras que Cleber Machado fez para a Globo e foi um dia de histórica dobradinha, com Senna em primeiro e Piquet em segundo.

Em 1994, com a Copa nos EUA, o risco de interrupções das transmissões foi zero. Foi um ano marcado pela intensa gozação no paddock da F1, que resultou numa troca de ‘gentilezas’ entre Jordan e Minardi. Irlandês, Eddie vibrou com a vitória de seu país sobre a Itália e mandou pintar na carenagem de seus carros uma provocação: “Ireland 1, Italy 0”. Ao fim das oitavas de final, com a Irlanda fora e a Itália seguindo em frente até enfrentar o Brasil — e perder — Giancarlo Minardi respondeu na medalhinha. “Italy in, Ireland out”. Em bom português: Itália dentro, Irlanda fora.

Na Copa da França, a única coincidência, se não me engano, foi entre um chuvoso GP da Inglaterra e o dia da final entre os donos da casa e o Brasil — naquele mesmo misterioso domingo em que Ronaldo “Fenômeno” se debatia em convulsões no quarto de hotel em Lésigny, que dividia com o lateral Roberto Carlos, coincidentemente com a TV ligada no exato instante em que a corrida de F1 passava num canal europeu de esportes.

Felizmente, de 2002 para cá, não nos vimos atingidos no direito de acompanhar as corridas de F1. Pelo menos os fãs desta categoria não têm do que se queixar, mas a Copa continua fazendo suas vítimas noutras emissoras e eventos como as 24 Horas de Le Mans, por exemplo, foram totalmente colocados em segundo plano, escanteados pela Copa verde-e-amarela. Num balanço racional, o automobilismo levou um tremendo prejuízo diante da fama do violento esporte bretão, dentro das televisões brasileiras, nos últimos 30 anos.

A final do Maracanã acontecerá no próximo dia 13, no intervalo entre as corridas realizadas em Silverstone e Hockenheim. Quando o paddock estiver fervilhando antes do GP da Alemanha, quem será que vai comandar a gozação? Felipe Massa? Os alemães? Os franceses? Ou todos serão sacaneados por alguém que nunca foi campeão do mundo de futebol?

Só o tempo dirá…

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