Como De Ferran fez parte do processo que levou McLaren de volta às glórias na F1

O dia 29 de dezembro marca uma data dolorida para todo o mundo do esporte a motor: a perda de Gil de Ferran aos 56 anos. Um ano depois, o GRANDE PRÊMIO reconta a história do ex-piloto que mudou a vida da McLaren e se tornou uma peça vital para a reestruturação que culminou no título do Mundial de Construtores em 2024

Há exatamente um ano, o esporte brasileiro sofria um baque e tanto com a perda inesperada de Gil de Ferran, vítima de uma parada cardíaca aos 56 anos de idade. Bicampeão da Indy e vencedor das 500 Milhas de Indianápolis em 2003, o brasileiro nascido na França recebeu uma série de homenagens da McLaren, equipe que ajudou a recolocar nos trilhos na Fórmula 1. Se a escuderia de Lando Norris e Oscar Piastri conseguiu o título do Mundial de Construtores de 2024, muito disso se deve também ao trabalho de Gil.

A vida pós-Indy de Gil de Ferran envolveu experiências bastante diversificadas, como a participação na extinta American Le Mans Series, na V8 Supercars australiana e até um teste na Fórmula E pela Andretti, além de ter sido um dos fundadores da Extreme E. O que marcou o ex-piloto mesmo, entretanto, foi o projeto à frente da McLaren, onde chegou para ser diretor-esportivo em 2018.

Tudo começou um ano antes, na verdade, quando Fernando Alonso decidiu disputar as 500 Milhas de Indianápolis pela primeira vez. Sem experiência na prova, recebeu a ajuda de Gil — e os dois acabaram virando amigos. Encantada com o conhecimento do brasileiro, a McLaren decidiu levá-lo como diretor-esportivo em época extremamente difícil na F1.

Afinal de contas, a McLaren dos primeiros anos da era híbrida em absolutamente nada lembrava a equipe que faturou o Mundial de Construtores de 2024. A parceria com a Honda — que também viria a ser campeã no futuro, mas com a Red Bull — foi um fracasso completo. Entre 2014 e 2018, o melhor que o time conseguiu foi um quinto lugar entre as equipes, e justamente no primeiro ano.

Andrea Stella carregou no peito um tributo a Gil de Ferran ao celebrar título (Foto: McLaren)

Em 2015 e 2017, temporadas completamente miseráveis fizeram a equipe passar vergonha com dois penúltimos lugares, e ficou claro que as coisas precisavam mudar. Em julho de 2018, depois da renúncia de Éric Boullier, Gil foi chamado pela McLaren para ocupar o posto de diretor-esportivo e ajudar na reconstrução de uma das marcas mais tradicionais do esporte.

Aqui, há um ponto curioso. Sem anúncio oficial por parte da McLaren, a participação de Gil na garagem foi notada por Andrew Benson, jornalista da BBC e responsável por divulgar a informação ao mundo. A descoberta veio em uma conversa com a filha de De Ferran, Anna, que tratou o pai como “doutor” da equipe.

O crescimento do time, a partir daí, foi gradual, mas evidente. Quarta colocada em 2019, a McLaren chegou ao terceiro lugar do Mundial de Construtores em 2020, atrás apenas da dominante Mercedes — a campeã — e da Red Bull. Em 2021, no entanto, Gil deixou a equipe e não participou da campanha que terminou com o quarto posto.

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“Essa é por Gil”: McLaren fez uma série de homenagens ao longo de 2024 (Foto: Reprodução/@RobChinchero)

O destino dos dois, porém, não demoraria a se cruzar novamente. Em maio de 2023, depois de mais uma queda de competitividade e o quinto lugar em 2022, o CEO Zak Brown aprofundou o processo de reestruturação. Entre as principais decisões, vieram a contratação de Andrea Stella, que segue como chefe da equipe até hoje, e a volta de Gil — desta vez como consultor.

O papel do brasileiro na equipe era inteiramente nos bastidores, e o próprio Gil preferia ficar longe dos holofotes. Nada, porém, que diminuísse o impacto na equipe: após um começo ruim em 2023, a McLaren simplesmente saiu de equipe de meio de pelotão para dar uma prova surpreendente de competitividade. Depois de um grande crescimento já em meio ao campeonato, o time entrou em 2024 muito mais próxima dos ponteiros. Ao crescer mais um pouco e aproveitar o declínio da Red Bull, veio o tão sonhado título — algo que não acontecia desde 1998.

Gil, é claro, não viu a glória deste ano ser consumada. Porém, engana-se quem pensa que o impacto dele na equipe foi pequeno. Nas palavras de Stella, a profundidade do trabalho feito pelo brasileiro fica evidente.

“A maioria das pessoas conhece o Gil como um campeão da Indy. Pessoalmente, conheço-o por ser alguém extremamente competente no automobilismo, na Fórmula 1, na abordagem estratégica e no gerenciamento de pessoas. Quando alguém da equipe conversava com Gil, sempre saía inspirado e com a sensação de: ‘Acho que entendo melhor agora o que preciso fazer’. Ou com ideias, como: ‘Agora tenho um conceito sobre o qual trabalhar'”, elogiou em entrevista à BBC.

Campeão nas pistas, De Ferran foi enorme também fora delas (Foto: Reprodução)

Adorado por todos com quem trabalhou, deixou marcas por onde passou: seja dentro ou fora dos carros, como piloto ou dirigente, na Indy ou na Fórmula 1. O trabalho de bastidores e a ausência de vontade de ser a estrela mais reluzente da companhia muitas vezes impedem que todos tenham real ciência da profundidade que o trabalho de Gil teve na reconstrução da McLaren, mas os resultados com e sem ele servem como prova concreta deste impacto.

Especialista, calmo e extremamente habilidoso em ensinar — característica vital em líderes, já que possuir e transmitir conhecimento são duas coisas completamente diferentes. Gil marcou e remarcou o nome na história do automobilismo a cada empreitada. Curiosamente, a pessoa que não fazia nenhuma questão dos holofotes se tornou justamente uma das peças mais importantes na engrenagem de um time tradicional, mas que estava muito longe dos dias de glória. Dos títulos na Penske à reconstrução da McLaren na Fórmula 1, o mundo do esporte a motor chora pela perda, mas celebra por ter podido contar com o inesquecível ‘Doutor’ Gil de Ferran.

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