Ricciardo sai de cena por injusta porta dos fundos e deixa lição sobre saber hora de parar

A 'homenagem' em Singapura para mascarar o jogo de equipe e favorecer Max Verstappen trouxe um fim, no mínimo, constrangedor para a carreira bastante digna de Daniel Ricciardo na F1

A carreira de Daniel Ricciardo na Fórmula 1 merecia um fim muito mais digno do que a confirmada dispensa da RB com ainda mais seis etapas a serem cumpridas na temporada 2024. Não foi, todavia, nenhuma surpresa, já que era a famosa ‘questão de tempo’ até o anúncio definitivo da troca por Liam Lawson acontecer — ele que, verdade seja dita, deveria ter começado o campeonato desde o Bahrein. Mas o ponto é que o rompimento com a Red Bull vem de forma muito mais cruel do que a rescisão com a McLaren, ao final de 2022, por escancarar uma realidade que muitos esportistas teimam em aceitar: o momento de parar.

Não é fácil dizer a alguém que é preciso sair de cena, pois já não executa determinada tarefa como antes. Mas há de se convir que, de certa forma, esse direito foi tomado de Ricciardo quando não coube a ele o ponto final. É claro, portanto, que brigaria até o fim para tentar trazer esse papel de volta para si, e ele viu justamente na casa que o revelou a oportunidade de provar que ainda não era chegada a hora de pendurar o capacete na F1.

Ricciardo teve um início bastante promissor ao chegar na Red Bull e bater ninguém menos do que o tetracampeão Sebastian Vettel em 2014. Era um ano, claro, dominado pela Mercedes, porém vieram das mãos dele as únicas três vitórias que não foram dos carros prateados. Foi por meio de Daniel também que a Renault voltou ao pódio após nove anos, em 2020, e o mesmo vale para a McLaren, que também ficou nove anos sem subir ao degrau mais alto até o GP da Itália de 2021.

Ao todo, foram oito vitórias conquistadas na F1, número que o coloca, por exemplo, ao lado de Denny Hulme, campeão mundial em 1967, e à frente de Keke Rosberg, o vencedor em 1982. No ranking dos australianos, Ricciardo está ali, colado em Mark Webber, coincidentemente piloto que também teve passagem notável pela escuderia austríaca. São resultados, portanto, que consolidariam qualquer um a ao menos ter uma segunda chance, e foi o que aconteceu.

Daniel Ricciardo está em sua 14ª temporada na F1 (Foto: Red Bull Content Pool)

Só que o plano, na realidade, era muito claro desde o começo, e por essa mesma razão também se tornou tão fatal, não dando o menor espaço para erros — ou, pior, para menos do que a cúpula de Milton Keynes esperava. E ao não conseguir andar na frente de Yuki Tsunoda e provar ser merecedor da vaga de Sergio Pérez para reeditar a explosiva dupla com Max Verstappen, para quê mais o velho Daniel poderia servir?

Ricciardo foi relegado à porta dos fundos de forma, no mínimo, constrangedora no GP de Singapura, uma ‘homenagem’ para mascarar o jogo nítido de equipe para favorecer Verstappen e colocar mais uma pulga atrás da orelha de Lando Norris. As lágrimas na entrevista pós-GP podem ser interpretadas de muitas formas, inclusive, e não seria exagero algum dizer que ali, ainda que implícito, houve um sentimento de vergonha. Definitivamente, a carreira de Daniel não precisava disso.

Agora, é bem verdade ainda que a imagem de Ricciardo não sai totalmente imaculada, e justamente por conta de falas bastante controversas no retorno — como a vez em que riu de um comentário machista em um programa de TV e ainda fez piada, ou quando disse que esperava que o Caso Horner não fosse “distração para ele”. Declarações totalmente fora de hora e que levam ao ponto inicial deste texto, o de saber a hora de parar. Como diz o célebre trecho do filme The Dark Knight, “ou você morre herói ou vive o bastante para se tornar vilão”.

Claro que não chegou a esse ponto, e ainda bem, pois Ricciardo é, sem dúvida, das figuras mais queridas e carismáticas que já passaram pelo paddock. Mas tudo tem começo, meio e fim, e há uma geração sedenta pedindo passagem com urgência em um grid que já começou a entender que passou da hora de um processo de renovação. E para a Red Bull, Lawson ainda pode representar a retomada de um projeto que sempre se mostrou eficiente na proposta de funcionar de ponte para os novatos da academia chegarem ao tão sonhado topo da escada dos monopostos.

E ainda há vida no automobilismo, o que significa que o sorriso marcante de Ricciardo voltará a ser notícia por aí. Que seja, portanto, um recomeço de verdade para dar ao veterano um desfecho respeitável.

Fórmula 1 agora só volta entre os dias 18 e 20 de outubro para o GP dos Estados Unidos, em Austin.

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