Opinião GP: McLaren coroa reviravolta na própria história com título merecido na F1
A McLaren respira aliviada. Após uma temporada tensa, de altos e baixos, a equipe papaia finalmente chegou ao título de Construtores da F1, encerrando um jejum que já durava 26 anos. Mas o time precisou se reinventar muito antes deste campeonato e muito do sucesso se deve à gerência ímpar de Zak Brown, que não só resgatou as origens da marca, como também impôs um novo olhar sobre a estrutura do Mundial. Agora, a esquadra laranja precisa apenas aceitar o protagonismo
A McLAREN ENFIM voltou a comemorar um título entre os Construtores na Fórmula 1. A última vez havia sido em 1998, quando a equipe ainda vivia sob a batuta do icônico Ron Dennis — Lando Norris sequer era nascido. E de lá para cá, o time atravessou períodos de altos e baixos, naqueles anos em que a Ferrari dominava com Michael Schumacher. Mais tarde, assumiu o protagonismo quando precisou lidar novamente com uma explosiva disputa interna, entre Lewis Hamilton e Fernando Alonso, aí veio o título do inglês e alguns anos mais de brilho aqui e ali. Até sofrer um desvio difícil de entender e que quase a fez desaparecer. Para a sorte dela e da própria F1, o resgate foi providencial e, embora não tenha sido da noite para o dia, recolocou a esquadra britânica na jornada que agora a leva a celebrar a merecida taça do mundo em Abu Dhabi. Foi uma reviravolta de cinema.
Tudo começa com o próprio Dennis. Quando ele é forçado a deixar o comando em 2016, a McLaren ainda tentava se encaixar dentro do então novo regulamento técnico, com uma Honda que estava longe de qualquer nível de competitividade. Quem não se lembra do motor de GP2 da mensagem de rádio de Alonso, hein? Pois é, esse foi o rumo torto que o antigo dirigente inglês deu à equipe. Fora das pistas, a marca também mergulhou em uma grave crise financeira. Quase faliu, na real. E quem lançou o bote salva-vidas foi Zak Brown, recrutado pelo grupo acionista do time em 2017 e cercado de dúvidas. Ocupando o cargo de diretor-executivo, o empresário norte-americano, do ramo do marketing-esportivo e ex-piloto, impôs uma nova mentalidade de trabalho, em um momento difícil não só do time, como também da F1, que estava longe ainda dos acordos de teto orçamentário e atravessava uma transição de propriedade.
Mas o fato é que Brown foi capaz de salvar a McLaren do abismo, atraindo investimentos e convencendo patrocinadores que aquele negócio tinha potencial. Como se não bastasse, também recorreu ao passado da esquadra, uma das mais longevas da história da F1, para retomar a cor laranja de Bruce McLaren, renovando a identidade da marca. Além das habilidades comerciais e de uma visão diferente daquilo que se pensava no paddock da F1, Brown levou Alonso para a Indy e de lá trouxe Gil de Ferran. O brasileiro foi um dos pilares mais importantes neste processo de reestruturação da McLaren. Gil ajudou não só na gestão e a orientação de pilotos, mas também na organização da fábrica. E aqui um segundo ponto sobre o quão importante é a chefia de Zak, porque ele também parece compreender o quanto é fundamental ter as pessoas certas nos lugares certos.
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A credibilidade e o talento singular em conectar pessoas são um dos elementos mais importantes da gestão de Brown — confirmados na visão de Tony Kanaan, braço direito de Brown na Indy, ao GRANDE PRÊMIO. E parece ser verdade. O executivo tem muitos méritos ao tomar decisões certeiras, como a troca da Honda pela Renault em 2018 e, mais tarde, a opção pela Mercedes. Mas talvez o movimento mais decisivo tenha sido mesmo a escolha de Andrea Seidl em um primeiro estágio. Campeão pela Porsche, o alemão foi o responsável por diversas mudanças técnicas dentro da equipe e a aposta em uma dupla jovem: Norris e Carlos Sainz. Depois que o engenheiro optou por seguir o projeto da Audi, a segunda melhor decisão foi colocar Andrea Stella na chefia.
O italiano chegou à McLaren por meio de Alonso, quando o espanhol deixou a Ferrari ao fim de 2014. Stella trouxe toda a bagagem acumulada em anos de Maranello e do trabalho com Schumacher e Kimi Räikkönen. O engenheiro acompanhou de perto a transformação do time de Woking e, quando o bicampeão resolveu parar com a F1 pela primeira vez, ficou e chamou a atenção pela precisão técnica. Andrea é quem responde pelo salto de qualidade e evolução técnica da McLaren nesta nova fase.
As mudanças promovidas por ele foram até mais profundas que as do antecessor e explicam como a equipe passou do fundo do grid no começo de 2023 para o título em 2024. Stella teve a ousadia de transformar tudo ainda no início da temporada passada e, com a calma que a F1 muitas vezes não têm, reajustou o que era necessário. E se no último ano, o crescimento da equipe havia sido impressionante, neste campeonato atingiu um patamar ainda mais alto. Das atualizações ao entendimento do que o carro era capaz, a McLaren ofuscou a concorrência do ponto de vista técnico, e isso é total crédito de Andrea e seu time.
Portanto, a McLaren leva um título importante e merecido em 2024, porque coroa não só esse trabalho de excelência na fábrica, mas também de uma gestão que ousou ao mexer com a história e teve paciência em crescer. Brown e Stella têm ampla responsabilidade do que se tornou a equipe papaia. E a única ressalva, de fato, é um contraditório receio de ser grande — e aqui se aplica também aos pilotos, sobretudo Norris.
A verdade é que a equipe poderia ter feito mais nesta temporada, incomodado mais o campeão Max Verstappen. As oportunidades perdidas ao longo do ano deixaram claro que o time inglês tem de confiar no próprio trabalho e querer vencer, seja em uma dividida de curva, seja em uma estratégia mais agressiva. É preciso integrar a mentalidade que revolucionou a trajetória do time aos boxes nas pistas do mundo. E é também imperativo que o título conquistado agora não mascare os erros da temporada.
Então, se Lando levar ao cabo o que disse após a vitória categoria em Abu Dhabi, o campeonato de 2025 já começa diferente. Porque a McLaren já é, sim, favorita. “A única coisa que aprendi neste ano é provavelmente acreditar um pouco mais em mim mesmo. Certamente não cheguei ao topo com tanta frequência quanto gostaria em certos momentos como piloto, especialmente nas minhas lutas contra Max. Mas, no geral, espero que o ano que vem seja um ano em que consiga enxergar e decidir antes da primeira corrida se vamos lutar por um campeonato. Nós nunca pensamos nisso. Nós nem sequer tivemos a sensação disso da perspectiva da equipe e também para mim como piloto. Então espero que o ano que vem seja esse ano.”
E se for o ano, a McLaren terá tudo o que é preciso.
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