Sem critério e sem vergonha: FIA atua em modo aleatório e se perde no Japão

Foi um salseiro, como se diria no vocabulário popular. A FIA mostrou deu três respostas para a mesma pergunta, tratou situações parecidas de maneira bem diferentes sem que desse uma explicação plausível e mostrou, no GP do Japão, que não tem uma diretriz muito clara

A FIA viveu no último domingo, em Suzuka, seu dia mais complicado na Fórmula 1 desde o GP do Canadá, em 9 de junho. Há, na realidade, uma conexão entre os eventos. Mas agora, no GP do Japão, foi um desespero. Desde as três mudanças de opinião num claro lance envolvendo Charles Leclerc até a definição tardia e confusa da queima de largada de Sebastian Vettel. Tudo isso levanta uma óbvia pergunta: os comissários seguem alguma diretriz?
 
Cabe uma explicação sobre o paralelo traçado aqui. Naquela prova em Montreal, quando Vettel recebeu uma punição de 5s acrescidos ao tempo final de corrida por voltar à pista de forma perigosa – quando liderava e escapou para a brita -, a decisão dos comissários não apenas definiu o vencedor: definiu o destino da prova. Lewis Hamilton vinha em segundo e preparava um bote para os momentos finais da prova, mas abortou a missão e apenas comboiou Vettel. 
 
No fim, o alemão recebeu a bandeirada e o inglês venceu. Punir Vettel foi controverso – para dizer o mínimo -, mas foi ainda mais irritante por fazer com que a corrida acabasse de forma prematura. Privou os fãs de uma batalha entre os dois maiores pilotos da geração.
 
As críticas foram pesadas e fizeram com que a FIA pensasse em mudar a abordagem e aumentasse a liberdade para as brigas de pista. É importante que o leitor entenda que o entendimento, em linhas de gerais, é que essa é a decisão correta. Mas liberdade e explosões de caos são duas coisas distintas.
Acidente entre Leclerc e Verstappen (Foto: AFP)
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Os comissários da FIA presentes no Japão – Gerd Ennser, Dennis Dean, Yasuhiro Yodono e Tom Kristensen, ele mesmo, o maior vencedor de Le Mans – tomaram uma decisão velocíssima e permissiva após a largada e, provavelmente, por agilidade e estilo, tenham até comemorado o acerto que atingiu as expectativas daqueles que mais cobram. 
 
Fora do campo da imaginação sobre como pensaram e sobre o que certamente acreditaram está o lance real. Sim, porque foi claro desde o primeiro replay, que Leclerc, ultrapassado por Max Verstappen, fez um movimento brusco, desordenado e sem propósito para dentro, onde estava o holandês, que não tinha como se defender. Aquele replay #1 era o pecado original dos comissários. Era evidente que Leclerc fora grosseiro, irresponsável e, por consequência, culpado.
 
A corrida dos dois foi atrapalhada de diferentes formas. A de Verstappen, de maneira irreversível. Imediatamente teve que ir aos boxes tentar salvar o carro ou o que restava de corrida. Quando recebeu a rápida notícia da decisão da FIA, respondeu boquiaberto. Poucas vezes a gente consegue captar a franqueza da declaração de alguém durante uma corrida, mas o espanto de Max era notório. 
 
"O quê? Mas para onde eu deveria ir?", questionou. "Ele veio direto no meu carro!", falou. 
 
Com o carro esburacado, sem rendimento e pneus sendo destruídos, Verstappen não tardou a abandonar a corrida. Seria, aliás, o único abandono do dia. E Verstappen saiu compreensivelmente furioso com a FIA.
 
Leclerc seguiu. Inicialmente, ainda em boa posição. Andava na terceira colocação, logo à frente de Hamilton, mas causava uma bagunça. A asa dianteira foi impactada com o acidente e estava se desfazendo, soltando destroços pela pista e jogando algumas partes nos carros que vinham atrás. Uma parte arrancou o retrovisor direito de Hamilton, outro pedaço grudou num dos dutos de freio de Lando Norris e causou superaquecimento dos freios do novato da McLaren – Norris não recuperou o ritmo depois disso, uma vítima colateral do acidente da largada. 
A asa quebrada de Leclerc (Foto: AFP)

 
A FIA mandou Leclerc parar imediatamente. A Ferrari mandou Leclerc parar imediatamente. Leclerc disse não e seguiu por mais duas voltas. 
 
No meio disso e depois de muitos replays e críticas, todas justificadas, a FIA soltou uma nova informação: iria, sim, investigar o acidente. Logo depois, uma terceira notícia: investigaria após o fim da prova. Mas por quê?
 
A santíssima trindade – seria a tríplice Larry, Curly e Moe? – de decisões sobre o acidente, do começo estapafúrdio ao fim incompreensível, destacam outro problema grave: a falta de clareza. A FIA não abre o jogo. Apesar das três fases da investigação, tudo isso aconteceu ainda no começo da prova, era grave e poderia ser encerrado num pit-stop subsequente – a punição acabou sendo de 5s pela batida e 10s pela demora em atender ao chamado da Ferrari. Por que não?
 
Foi só depois disso, com quase 30 voltas de corrida, que outro assunto foi abordado: a largada queimada por Vettel. A imagem inicial, mais uma vez, foi definitiva. Como levar tanto tempo, mesmo com os sensores-maravilha que os comissários fazem uso, a detectar uma das ilegalidades mais simplesmente detectáveis de uma corrida de automóveis? A FIA não puniu Vettel, no fim das contas, sem muitas explicações. Depois da corrida, divulgou um comunicado onde explicava que a movimentação de Seb aconteceu, mas ficou dentro do permitido.
 
Num trabalho que consiste em avaliar ações, atitudes e servir de mediador entre a competitividade máxima e o enquadramento dentro da legalidade, o trabalho dos comissários conta com muita coisa subjetiva. A maior parte, na realidade. Mas a queima de largada não é uma delas. Largada queimada é largada queimada, é objetivo, é claro e simples de ver. 
 
A opinião deste jornalista é que Vettel realmente não deveria ser punido. O tetracampeão se mexe o colchete antes das luzes apagarem, mas para na sequência, o que atrapalha a largada. Não foi à toa que Vettel segurou Leclerc atrás dele e viu Valtteri Bottas passar como uma flecha prateada para tomar a dianteira. Vettel tomou uma punição automática e esportiva ao tentar consertar o próprio erro. Outra punição depois disso seria cruel demais.
 
Mas as coisas são diferentes. Concordar com a não punição de maneira alguma deixa satisfação com a forma que a FIA age. Se o órgão pensa como eu, então que explique isso. Ou explique qual é o tipo de movimento permitido antes da largada. Qual queima de largada não é queima de largada? Por quê? Alguém entendeu? Qual a necessidade de agir de forma tão obscura?
Sebastian Vettel (Foto: Reprodução/TV)
No fim das contas, a FIA dá duas indicações: uma é que realmente deseja ser mais permissiva, o que é bom. Outra é que não sabe bem quais os critérios seguir. Sob qual critério o acidente causado por Leclerc não merece avaliação? É um dos casos mais claros de que alguém passou gravemente dos limites, comprometeu a integridade esportiva e até física de si mesmo e de um competidor. Se um caso tão claro causa tamanho pânico, como é que vão atuar em situações totalmente subjetivas, de leves movimentos e falta de concessão? A decisão pode ir para qualquer direção sem muita fundamentação.
 
É o que leva a crer que os ventos das críticas é que vão soprar a FIA para o lado da liberdade ou da severidade. Sem critérios claros, os comissários vão sempre ser empurrados para o lado oposto ao que estão no momento, porque no momento estarão sempre tomando decisões estapafúrdias. 

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