Sonhos são feitos de quê? Magnussen vai de descarte ao dia de maior piloto do mundo

Kevin Magnussen viu a carreira na Fórmula 1 chegar a um beco sem saída, mas as circunstâncias o mandaram de volta. No Brasil, viveu o maior dia possível

F1 2022, GP DE SÃO PAULO: MAGNUSSEN POLE! TUDO SOBRE A CLASSIFICAÇÃO | Briefing

Do que são feitos os sonhos? É uma pergunta complicada de responder, porque não é algo objetivo e nem pode ser tratado como imutável. De gente para gente, fase a fase da vida, os objetivos se ajustam, as arestas se aparam e o sonho de antes é substituído pelo de agora. Kevin Magnussen sonhou o sonho mais evidente de alguém que pensa dia e noite com ser piloto quando crescer: queria ser campeão mundial. O mundo girou, os sonhos mudaram. Em Interlagos, nesta sexta-feira (11), o novo sonho apontou e valeu a pena ser sonhado.

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Magnussen tirava bastante da Haas, mas era claro que não para a pole. Nunca tanto assim, com um carro de rabeira de grid. O carro do piloto que fez o pior tempo do treino e larga em último, Mick Schumacher. Pedir pole era querer o impossível, uma Ilíada, e esperar a pole seria abraçar a decepção mais descarada. Era justo imaginar o Q3, largar nas cinco primeiras filas, mas seria tão somente isso.

Mas elas, as circunstâncias, resolveram sorrir amistosas para o piloto dinamarquês. Magnussen foi o primeiro a sair para a pista no Q3, como fizera no Q1 e no Q2, para andar antes dos demais. Coisa que sobretudo os pilotos de equipes pequenas gostam de fazer. A volta foi competitiva, forte, de alguém que entendeu a pista onde estava.

E, aí, glória: um erro de George Russell, uma brita inteira de estacionamento, bandeira vermelha. Junto com iisso, como uma fiel acompanhante, a chuva ganhou força. Um conjunto que impediu que qualquer outro piloto aproveitasse a pista no platô de qualidade em que Kevin brilhou, bem como aniquilou a possibilidade de melhorar a volta estabelecida. A tempestade perfeita, a pole-position.

A estrada de Magnussen na Fórmula 1 é longa, tem percalços-mil e uma ventania impávida. The Long and Winding Road, como os Beatles cantaram no último disco, naquele adeus que virou nunca mais porque a vida, sempre a vida, resolveu agir e tirar do mundo a possibilidade de uma reunião.

Kevin Magnussen ao centro, no lugar do pole, na foto oficial (Foto: AFP)

O primeiro verso da música serve, por curiosidades dessas da vida, a toda-poderosa, como um retrato do que foi a carreira de Kevin Magnussen. “A estrada longa e cheia de ventania que leva até a sua porta nunca vai desaparecer. Já vi essa estrada antes, sempre me leva até aqui, até a sua porta”.

Magnussen foi encaminhado ao grid pela McLaren. Talvez o tempo, já quase uma década atrás, faça o público esquecer. Foi isso. Na primeira corrida, foi ao pódio, ainda que por conta de uma cascata que rendeu exclusões e impulsionou Kevin ao que era, até agora, o maior dos dias que viveu. Um pódio! Promessa, futuro que oferece um mundo de possibilidades, a glória ao alcance numa estrada que só tem entrada. Não tem saída, não tem desagravo, não tem desistência. Não dá para ver fim.

A McLaren entrou numa espiral. No fim do ano, com a parceria estabelecida com a Honda, Fernando Alonso chegou, Jenson Button ficou e Magnussen chegou ao fim da estrada que não tinha retorno ou porta de saída. Porque a vida gira com o planeta, e gira veloz. Gira como um carro de corrida, lépido e afiado.

O retorno se deu com a Renault, outra fábrica, em 2016. Os franceses preferiram, por algum motivo, manter Jolyon Palmer e dispensar Kevin no fim daquele ano, o mesmo Palmer que está no rol dos piores da Fórmula 1 dos anos 2010. Magnussen foi à Haas e por lá ficou durante alguns anos. O projeto teve um momento de alta, brigando pela primeira parte do Mundial de Construtores, mas desembocou no calabouço das equipes nanicas.

Na ânsia de salvar o seu futuro e diminuir a ventania na própria estrada, a Haas mandou Magnussen embora. Apostou, além do campeão da Fórmula 2 Mick Schumacher, em alguém que oferecia dinheiro que não acabava mais: Nikita Mazepin.

E Mazepin seria o piloto de 2022 não fosse outro desafio das circunstâncias: a guerra na Rússia. Não dá para dizer uma guerra é jogar a favor de alguém, mas moveu as peças de muitos grids. Um deles, na Fórmula 1: a família Mazepin e os laços com o governo russo. De bolsos fechados e imagem suja, os Mazepin já não tinham o que oferecer que fosse maior que a vergonha da equipe por mantê-lo. No meio da pré-temporada, foi chutado para a deriva.

A Haas precisava de alguém para substituir. Um nome que chegasse, testasse quase nada e fosse para a pista. Era Magnussen, aquele sujeito defenestrado diversas vezes da F1, que já estava vivendo as possibilidades dos Estados Unidos e que dava entrevistas chorosas afirmando que fracassou na tentativa do que era o sonho da vida: ser campeão mundial.

O momento em que Kevin Magnussen e a Haas comemoram a primeira pole-position em Interlagos (Vídeo: Reprodução/Twitter)

A F1 sorriu, piscou e chamou Kevin. “Qué vim, Kevin?”, questionou, num português coloquial que Guimarães Rosa assinaria sem problemas. Kevin veio. Foi. Pegou o carro.

Após 20 fins de semana, viu a sorte sorrir e maltratou a palmatória que tanto bateu. Quando o desenho delas, as circunstâncias, ficou claro, reagiu com espanto. “Vocês estão brincando! Eu nunca me senti assim em toda a minha vida”. Fez careta para a câmera, comemorou com aqueles que sofreram ao lado dele nos anos e ao longo dos anos. Foi felicidade pura em Interlagos. A felicidade que sonhou da maneira mais carinhosa, como numa moral da história de Hans Christian Andersen.

Sim, o título jamais virá. Mas depois de tantas vidas vividas dentro e fora da F1, fica a pergunta: e daí? A estrada lenta e tortuosa, cheia de ventanias, sempre levou Kevin de volta ao Mundial de Fórmula 1.

É um antídoto que o tempo desenvolveu. Porque a vida, de novo, fez o mundo rodar, girou junto. Tudo o que resta é o júbilo de ser o melhor, de estar na frente. Mesmo que seja por um dia, não importa, mas a tabela vai dizer para sempre: Magnussen #1. Daqui, então, que a estrada ofereça o que quiser oferecer. O grande dia chegou, e Kevin não precisa mais sonhar com ele: precisa somente lembrar.

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