Venda de Nürburgring gera polêmica e abre debate sobre dinheiro público em autódromos na Alemanha

Moradores da região de Nürburg estão insatisfeitos com a decisão do governo do estado de Renânia-Palatinado colocar o circuito de Nürburgring à venda. Futuro da histórica pista é um grande ponto de interrogação

Colocado à venda em maio deste ano, o circuito alemão de Nürburgring deve deixar de ser um bem público nos próximos meses, o que não agrada aos moradores da região do autódromo.

Em 2009, foi concluída uma grande obra de modernização que incluiu a construção de novos prédios para o funcionamento de centros comerciais, hotéis e um parque de diversões – apelidado de NüroDisney – com uma montanha russa à margem da reta dos boxes da pista. Entretanto, essas obras levaram a empresa Nürburgring GmhB, de propriedade do governo do estado de Renânia-Palatinado, à falência.

A companhia declarou bancarrota em meados de 2012 e, então, o Parlamento Europeu proibiu o governo local de fazer novos investimentos no autódromo. Enquanto isso, investiga as ajudas financeiras que já haviam sido dadas nos anos anteriores.

No primeiro semestre deste ano, o governo de Renânia-Palatinado decidiu pela venda do complexo para pagar a dívida contraída, cujo valor é estimado em mais de R$ 1,1 bilhão.

Nürburgring fica em uma região bastante isolada na Alemanha (Foto: Force India)

Comparando com o cenário do automobilismo brasileiro, é como se a SPTuris, empresa que tem como sócio-majoritária a Prefeitura de São Paulo e administra o Autódromo José Carlos Pace, quebrasse, e a justiça proibisse a Prefeitura de fazer novos investimentos no palco do GP do Brasil de F1.

A grande preocupação do povo da região de Nürburg, Adenau e outros distritos próximos é com o destino que será dado ao autódromo nas mãos de um novo dono. Eles não querem ver o circuito fechado para o público ou então que o comprador tire o foco do automobilismo e passe a investir mais em outras áreas.

Nos 86 anos que se passaram desde a primeira corrida ali realizada, criou-se uma relação de dependência com o esporte a motor, tanto por parte de pilotos e equipes regionais quanto em termos de hotéis, restaurantes, entre outros – há famílias, por exemplo, que alugam suas casas na época do GP da Alemanha de F1 para quem vai até a distante região acompanhar a prova.

A infraestrutura do entorno do Nürburgring é pouca. Koblenz e Bonn – antiga capital administrativa da Alemanha – são as cidades de médio porte mais próximas, a 60 km e 70 km de distância, respectivamente. E, no caminho para se chegar à pista, o que se vê são muitos vilarejos em meio a uma paisagem bucólica.

Confira algumas imagens do circuito de Nürburgring

‘Save the Ring’

Criado em dezembro de 2010 pelo jornalista local Mike Frison, o movimento ‘Save the Ring’ conta com 79 mil seguidores em sua página no Facebook e é o principal símbolo da resistência à venda do complexo. “Apesar de todas as frustrações, está sendo muito empolgante ver o alcance que conquistamos”, disse o líder da resistência, que assistiu às 24 Horas de Nürburgring pela primeira vez em 1981, ao GRANDE PRÊMIO.

“Estive em Le Mans na semana retrasada e a primeira pessoa que eu encontrei no paddock foi Lorens [Lin, chefe] da equipe de Hong Kong, a KC. Nunca havíamos nos encontrado antes, mas ele sabia tudo sobre o ‘Save the Ring’. Coisas assim acontecem o tempo todo”, contou.

Nordschleife está incluso na venda e ideia é que também continue existindo (Foto: Daimler)

Segundo ele, o apoio que o grupo tem não é político ou financeiro, é apenas “a propagação da palavra”. “É isso que me mantém na luta”, falou.

Frison é radicalmente contra a venda. “Uma mudança de proprietário como essa, visto que o ‘Ring’ é público desde sua criação, em 1927, deveria ser tratada com todo o cuidado possível, mas encaramos um tumultuado e não devidamente pensado processo de venda”, criticou o teutônico.

Para o jornalista, investimentos públicos em autódromos são mais do que válidos. “Pessoalmente, acredito que governos deveriam gastar seus orçamentos sabiamente e infraestrutura para cultura e esporte é claramente parte disso. Então, definitivamente, sim!”

O processo de venda

A venda de Nürburgring está entrando em sua segunda fase, na qual os mais de 100 que manifestaram interesse em um primeiro momento receberão informações mais detalhadas sobre o complexo e indicarão o valor que pretendem pagar – caso queiram realmente continuar no processo. Esse valor ainda não será o preço de compra, apenas uma referência. As negociações devem se estender até o primeiro bimestre de 2014.

De acordo com a revista ‘Autoweek’, o montante deve girar em torno de aproximadamente R$ 500 milhões, o que Karl-Josef Schmidt, diretor-administrativo do circuito, negou ao GP. “Não há um preço fixado. É uma questão de oferta e demanda. O preço pelo qual vai ser finalmente vendido será o preço de mercado”, explicou. “E não é um leilão”.

Montanha russa foi construída à beira da pista em Nürburgring (Foto: Getty Images)

Schmidt destaca que a operação do complexo gera um lucro de aproximadamente R$ 170 milhões, que hoje não pode ser totalmente aproveitado por causa da dívida. “A nossa operação é lucrativa. O ponto é que o investimento feito nos últimos anos foi muito caro e não pode ser pago pelos nossos lucros. A companhia que é dona do circuito faliu, e o estado, que é dono da companhia, não foi autorizado a colocar mais dinheiro na empresa porque as leis da União Europeia não permitem”, pontuou.

Esse lucro, porém, só foi gerado depois da recente modernização. Antes disso, o excedente “era bem menor”, falou Schmidt.

“Todo mundo fala desde o começo que o parque foi a ideia mais estúpida de todos os tempos. [O investimento] era muito grande para ser recuperado. Antes mesmo da aprovação nós organizamos protestos e cartas abertas, mas o governo não escutou. Na verdade, apenas reagiram arrogantes”, relatou Frison.

A par das ideias do ‘Save the Ring’, Schmidt garante que Nürburgring continuará sendo tratado como uma área de interesse público se vendido ao investidor correto. “Temos que deixá-lo aberto para o público, para uso público e para o automobilismo”, afirmou.

“As pessoas têm medo que alguém compre o Nürburgring e não leve o negócio adiante, e as vilas ao redor se beneficiam muito do ‘Ring’. É uma região pobre em infraestrutura, uma região pobre na Alemanha, e eles precisam do ‘Ring’. Têm medo que alguém como [Roman] Abramovich [dono do time de futebol inglês Chelsea] venha, compre o Nürburgring e use apenas para seus próprios fins. Esses são medos que não serão concretizados. Estamos procurando por um investidor que toque o negócio adiante”, assegurou.

Caminho sem volta?

“Posso entender que eles estão com medo”, concordou Schmidt. “Mas eles tentam impedir a venda e isso é legalmente impossível. Não vai dar certo. No meio tempo, acho que eles compreenderam que não há volta, então acho que é mais construtivo ajudar a encontrar um investidor, pois não há por que fazer oposição. Não há volta, tem que ser vendido”.

Essa posição é contestada por Frison. “Esse é o discurso dos políticos envolvidos e está errado. Ninguém está forçando a venda, exceto o governo local. É correto que Bruxelas investiga ajudas ilegais do estado, mas estão distantes de tomar uma decisão final”, contrapôs o jornalista.

Apoio surpresa na GP2

No último fim de semana, a bandeira hasteada por Frison ficou em evidência para o mundo todo durante as corridas da GP2 com a equipe Russian Time. Os carros pilotados por Sam Bird e Tom Dillmann, foram pintados com o desenho do traçado do Nordschleife, a versão original do circuito, que tem mais de 22 km de extensão. Frison só ficou sabendo quando viu as fotos dos bólidos na pista. “Estou adorando”.

Gerente do time da categoria integra a programação do Mundial de F1, Timo Rumpfkeil não compartilha de todas as ideias do ‘Save the Ring’. Também piloto, o alemão contou ao GRANDE PRÊMIO que o objetivo da equipe foi chamar a atenção para a causa para tentar garantir que o destino do Nürbugring seja o melhor possível.

Até que ficou bonito o carro da Russian Time com a pintura do Nordschleife (Foto: GP2)

“Amamos Nürburgring. É um dos circuitos com mais história no mundo e precisa ser mantido. Esperamos que o Nürburgring tenha um bom futuro com um potencial novo dono que mantenha o automobilismo como foco. Garantir que continue sendo uma casa para o automobilismo e, é claro, lucro para o novo dono. Encontrar um balanço”, analisou.

“Eu não estou contente com tudo o que aconteceu, mas talvez algumas das organizações estejam pedindo muito. Sei que no momento é difícil para todas as partes envolvidas se verem no mesmo barco. É possível se todos se moverem na direção certa”, completou.

O futuro do GP da Alemanha

Desde que a Nürburgring GmbH decretou falência, a realização do GP da Alemanha de 2013 foi colocada em xeque. A partir dali, Bernie Ecclestone, detentor dos direitos comerciais da F1, iniciou novas negociações com o circuito, que não tinha recursos para pagar a taxa para receber a corrida.

Entre GPs da Alemanha, da Europa e de Luxemburgo, a corrida do último domingo foi a 47ª da F1 em Nürburgring (Foto: Getty Images)

Obviamente, a categoria não queria deixar de andar no país do atual tricampeão Sebastian Vettel. Na semana passada, o jornal ‘Bild’ reportou que Ecclestone inclusive abriu mão da taxa para garantir a prova alemã. Isso foi negado por Schmidt. “Fizemos um contrato especial com Ecclestone que está protegido por um acordo de confidencialidade”, esquivou-se Schmidt. “É completamente diferente dos outros contratos que já tivemos”, adicionou.

Em 2014, dando continuidade ao revezamento que acontece desde 2008, o GP da Alemanha acontecerá em Hockenheim. Até que se defina o calendário do Mundial de 2015, muita água vai passar por baixo da ponte.

Chamada Chefão GP Chamada Chefão GP 🏁 O GRANDE PRÊMIO agora está no Comunidades WhatsApp. Clique aqui para participar e receber as notícias da Fórmula 1 direto no seu celular! Acesse as versões em espanhol e português-PT do GRANDE PRÊMIO, além dos parceiros Nosso Palestra e Teleguiado.