MotoGP dá azar com clima, mas acerta ao escolher democracia e priorizar segurança dos pilotos

A MotoGP não encontrou um clima favorável e, por conta das falhas no recapeamento de Silverstone, acabou forçada a cancelar o GP da Grã-Bretanha. Apesar do revés, o Mundial acerta em dar voz aos pilotos e priorizar a segurança

A MotoGP não teve um domingo fácil em Silverstone. Depois dos problemas enfrentados no sábado, especialmente no quarto treino livre, o Mundial de Motovelocidade voltou a sofrer no traçado de Northamptonshire.
 
Conforme previsto pelos meteorologistas, a chuva não deu trégua em 26 de agosto e, após seguidos adiamentos, resultou no cancelamento por completo do GP da Grã-Bretanha ― Moto3, Moto2 e MotoGP.
 
Presente no calendário do Mundial de forma ininterrupta desde 2010 depois de uma ausência de 23 anos, Silverstone atendeu um pedido do certame e promoveu o recape total da pista, mas o serviço executado pela Aggregate Industries não saiu a contento. 
 
As primeiras críticas vieram ainda durante a passagem da F1 pela pista, o que resultou em uma tentativa de Silverstone de sanar o problema. O tempo disponível, porém, não permitia uma solução decisiva. 
Só os patinhos se divertiram em Silverstone neste domingo (Foto: Michelin)
Na sexta-feira, primeiro dia de testes no traçado inglês, os pilotos criticaram as ondulações, mas o pior cenário se apresentou apenas no sábado. A chuva apareceu no quarto treino livre, ganhando corpo especialmente no trecho entre o fim da reta do hangar e a curva 10
 
A deficiência na drenagem acabou por criar um ‘mar’ na Stowe. Álex Rins perdeu o controle após aquaplanar e, mesmo ciente dos riscos, ficou na área de escape tentando desesperadamente sinalizar para os colegas. Mas não deu tempo de salvar todo mundo. Tito Rabat caiu na sequência, e, enquanto tentava se afastar do ponto do acidente, foi atropelado pela moto de Franco Morbidelli. O #53 sofreu fraturas no fêmur, tíbia e fíbula da perna direita e passou por uma cirurgia de emergência ainda na noite de sábado.
 
Como consequência, o certame tentou driblar a chuva e, em um plano formulado com as equipes, adiantou a corrida da MotoGP o máximo que pôde. Não deu certo. (Silverstone, aliás, tentou trabalhar em pontos da pista durante a noite para melhorar a drenagem).
 
Quando os pilotos partiram para as voltas de instalação em um chuvoso domingo, logo constataram que era impossível correr. A pista, afinal, estava em condições ainda piores do que no dia anterior.
 
Tradicionalmente democrática em cenários como esse, a MotoGP ouviu seus pilotos e achou por bem adiar a largada que estava prevista para as 7h30 (de Brasília). O campeonato passou, então, a buscar alternativas.
 
Uma das opções, inclusive, era transferir a corrida para segunda-feira, um feriado no Reino Unido. Mas, ainda que houvesse um consenso entre as equipes, o que não aconteceu ― de acordo com o jornal espanhol ‘As’, Honda, Yamaha, Suzuki, Aprilia, Pramac e Marc VDS rejeitaram a ideia ―, a organização ainda teria de lidar com questões operacionais que envolviam as equipes de segurança e até os fiscais de pista. No fim, o plano acabou se mostrando inviável e foi abandonado
 
A opção, então, era torcer para uma colaboração dos céus e pelo milagre da secagem expressa do asfalto. Depois de cinco horas de espera, os pilotos da MotoGP se reuniram com a IRTA (Associação Internacional das Equipes de Corrida) e decidiram pelo cancelamento das provas.
 
É perfeitamente aceitável que os fãs saiam decepcionados de Silverstone. Afinal, eles esperaram pacientemente sob chuva e num frio de 12°C durante horas a fio. É compreensível, também, que o público em casa se queixe por não ter assistido uma corrida que prometia ser dar boas. 
MotoGP teve de cancelar corrida em Silverstone (Foto: Yamaha)
Todavia, não dá para questionar a decisão. Sim, esporte a motor é perigoso. É da natureza da atividade, claro. Mas, por isso mesmo, ninguém precisa acrescentar armadilhas extras à equação.
 
A MotoGP acerta a dar voz ― e poder ― a seus pilotos. Em última análise, o ‘show’ só existe por causa deles. E se a saúde ― e as vidas ― deles não são prioritárias, o que haveria de ser?
 
Os pilotos de Moto3 e Moto2 não participaram ativamente deste processo de decisão, mas parece natural também que uma decisão como esta seja delegada aos mais experientes. Faz parte da incumbência dos pilotos da classe rainha ‘olhar pelos menores’. Desde sempre, eles são os mais envolvidos na Comissão de Segurança.
 
Entre os pilotos, a decisão de cancelar a corrida teve apoio maciço. Dono da pole e na lista de favoritos à vitória, Jorge Lorenzo falou em decisão “unânime”.
 
“Foi uma decisão unânime de todo o grupo de pilotos com a direção de prova. Quase todos os pilotos não queriam correr, com exceção de [Jack] Miller”, contou Jorge. “A verdade é que nada nos influenciou a tomar uma decisão diferente. Em um asfalto normal, com boa drenagem, teríamos corrido sem problemas. Havia chuva, mas não era um dilúvio, o problema era o asfalto, que não ajudou em nada”, frisou.
 
Líder do Mundial, Marc Márquez também celebrou o cancelamento. Com a não realização da prova, pontos não foram distribuídos. 
 
“Foi um dia longo, incomum e cansativo, que esperamos que não aconteça novamente. A Comissão de Segurança analisou a situação e acredito que a direção de prova deve ser agradecida; eles ouviram e, no final, segurança foi a principal consideração de todos”, comentou Marc. “Poderíamos esperar a chuva diminuir, mas quem garante que se começasse a chover no meio da corrida, não estaria tudo igual? Foi por conta das condições da pista, pelas condições do asfalto, que tomamos essa decisão. Todos nos reunimos, analisamos os prós e contras e acredito que a decisão foi correta. Todos queríamos correr, nos custa muito decidir isso, mas temos um companheiro no hospital, vimos o que aconteceu com este asfalto e não podemos jogar desta maneira até o final”, frisou.
 
Rabat também esteve nos pensamentos de Dani Pedrosa. 
 
“Acho que era óbvio que, com este tempo, a pista não estaria em condições ideais para corrermos hoje. A Comissão de Segurança concordou que não era seguro o bastante, e acho que foi a decisão certa. É uma grande pena, porque correr é o que sempre preferimos fazer. E nós tentamos muito na verdade, primeiro adiando a largada e depois adiando o máximo possível”, destacou Dani. “Claro, lamentamos pelos fãs que vieram nos ver e esperaram o dia todo, mas lamento ainda mais por Tito, que está machucado e tem uma longa recuperação pela frente”, seguiu.
 
Álvaro Bautista, que escapou da pista ainda na volta de instalação, deixou claro que o cancelamento partiu de uma decisão dos pilotos e agradeceu a Dorna pelo apoio.
 
“Por sorte, temos um organizador que se importa muito com os pilotos e, felizmente, eles não se mostraram contra a decisão”, comemorou. “Eles afirmaram que se a Comissão de Segurança disse que as condições não estavam seguras, então não se corre. A televisão e as outras coisas são problemas deles, mas primeiro é a segurança dos pilotos”.
 
Dono da casa, Cal Crutchlow se disse devastado com a decisão, mas avaliou que foi a escolha certa.
Acúmulo de água na pista foi decisivo para o cancelamento (Foto: Divulgação)
“Estou devastado por não poder correr minha corrida de casa, foi muito desapontador como as coisas aconteceram hoje com o clima. A Comissão de Segurança decidiu que ficaríamos adiando e adiando o dia todo e aí, no fim, decidiram que as condições de pista não eram seguras o bastante por conta da água acumulada no asfalto. Mas foi um dia muito, muito triste para os fãs e lamento realmente por eles que vieram me apoiar e aos pilotos da MotoGP. Nós lamentamos por não termos podido fazer um show”, disse o piloto da LCR.
 
Assim como fez no sábado, Andrea Dovizioso questionou o trabalho feito na pista e classificou os eventos de Silverstone como inaceitáveis para um campeonato do porte da MotoGP.
 
“Vamos conversar na Comissão de Segurança na próxima corrida, porque recapear uma pista e aí encontrar mais ondulações do que antes, junto com um problema de drenagem, não é bom o bastante para um campeonato deste nível”, atacou.
 
Chefe da Yamaha, Massimo Meregalli apoiou a decisão de cancelar a corrida e avaliou que “teria sido irresponsável” mandar os pilotos para a pista.
 
“Essa é uma experiência particular em condições especiais. Ter a corrida cancelada é o pior cenário e o último recurso. Entretanto, acho que todos concordamos que a segurança dos pilotos deve sempre vir em primeiro lugar. Teria sido irresponsável mandá-los para a pista hoje, sabendo as preocupações deles em relação a aquaplanagem”, considerou Maio. “Lamentamos pelos fãs que ficaram pacientemente esperando e que estava ansiosos pelo GP da Grã-Bretanha. Também somos gratos aos comissários e voluntários, que não abandonaram seus postos por várias horas enquanto esperavam por um veredito. Nós todos estamos desapontados, mas respeitamos e concordamos com essa decisão”, completou.
 
Chefe da Tech3, Hervé Poncharal não ficou satisfeito por ver abandonado o plano de correr na segunda-feira.
 
“Eu sempre respeitei a maioria. Eu respeito, acima de tudo, os pilotos, pois são eles quem assumem os riscos e podem decidir, acima de qualquer um, se é seguro de pilotar ou não”, falou Hervé. “Pessoalmente, logo após a formação do grid e quando decidimos ― o que foi uma decisão acertada da direção de prova, de atrasar a largada, todos os chefes de equipes tiveram uma reunião. Lá, havia a possibilidade de trazer a corrida para segunda-feira, pois tem um feriado no Reino Unido, a previsão é de sol, o traçado vai estar seco, então tudo estaria pronto para a corrida da MotoGP. Mas alguns dirigentes decidiram que eles não queriam isso, apesar de já termos feito isso no Catar e não é o fim do mundo organizar alguns quartos a mais ou mudar algumas passagens de avião”, ponderou. 
 
“Eu sempre sou franco e digo o que penso e acredito que sempre temos que tentar correr. Existia uma possibilidade de fazer isso de uma maneira segura e estou decepcionado que não aproveitamos”, desabafou. 
 
Diretor de provas da MotoGP, Mike Webb lembrou que não seria a primeira corrida com pista molhada em Silverstone, mas culpou o novo asfalto pelo cancelamento.
As motos protegidas da chuva (Foto: Michelin)
“Nós tivemos vários anos aqui com condições muito molhadas recentemente com o antigo asfalto e conseguimos correr. Este ano, com a nova superfície, é a primeira vez que encontramos tanta água empoçada em lugares críticos da pista”, declarou Webb. “Sim, é um resultado direto da superfície da pista. Devo dizer que, do ponto de vista da pista, a equipe fez um esforço enorme ao longo de todo o fim de semana, não apenas hoje, mas um esforço enorme para tornar a pista segura. Até o último minuto, eles ainda estavam trabalhando, mas, infelizmente, não podemos lutar com a natureza”, concluiu.
 
Pelas redes sociais, Franco Morbidelli também lembrou que é impossível vencer a natureza, especialmente em condições tão adversas.
 
“Sei que é uma pena, mas a natureza é mais forte do que nós (especialmente se você não faz um asfalto compatível com o humor dela)”, lembrou.
 
É um fato. Ninguém conseguiria controlar a natureza e muito pouco podia ser feito assim em cima da hora. Mas, e antes? E FIM homologou esta pista, mas não conseguiu utilizá-la como deveria.
 
Comissário de Segurança da entidade máxima do esporte, Franco Uncini foi questionado se chegou a testar o asfalto no molhado, mas classificou como impossível tal avaliação.
 
“Não existe um sistema para checarmos a pista no molhado. Nós não costumamos checar a pista no molhado. Nós costumamos checar no seco e assumimos que no molhado deve ser ok, com a drenagem correta, com a correta drenagem na lateral e a inclinação da pista em todas as áreas. Você confia na companhia que fez o asfalto, e confiamos no circuito”, apontou o ex-piloto. “Nós só checamos se está ondulado, se tem uma boa aderência, se não está escorregadio. Nós vemos se não existe um espaço entre as zebras e o asfalto, nós checamos todas essas particularidades, mas não podemos checar no molhado, porque, um exemplo, o quanto está molhado? Como poderíamos ver se está ok ou não? Qual é o sistema para checar? O único sistema seria com a moto de MotoGP em uma pista completamente molhada. É bem impossível”, resumiu.
 
Titular da Ducati no Mundial de Superbike, Chaz Davies cobrou um envolvimento maior da FIM na hora de atestar a qualidade das pistas.
 
“O processo de inspeção de pistas da FIM durante e depois de um reasfaltamento total ou parcial não é bom o bastante. Eles precisam se envolver mais”, escreveu. “Eles estão cientes da minha opinião, mas ainda não vi uma mudança”, completou.
 
No fim das contas, Dorna, IRTA, direção de prova e Comissão de Segurança acertaram em suas decisões. A FIM pode ser mais cuidadosa (ou chata, dá na mesma) na hora de aprovar a obra feita na pista. A Aggregate Industries, essa sim, precisa explicar que raio de trabalho porco foi esse.
 

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