FIA acerta regulamento e cria chance de nova era de ouro das corridas de longa duração

O novo regulamento elaborado entre FIA e ACO tem tudo para transformar as corridas de longa duração. E essa era começa já com as 24h de Le Mans da temporada 2021

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O Automóvel Clube do Oeste (ACO) e a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) custaram a acertar no que miraram. Mas o que teve início de forma tímida para o Mundial de Endurance (WEC) e as 24h de Le Mans deste ano, com apenas cinco carros inscritos dentro do novo regulamento dos hipercarros – se bem que um deles nem hipercarro é, é um LMP1 para que a Alpine – leia-se Renault – seja impelida a seguir na competição –, tem tudo para marcar uma nova ‘Era de Ouro’ das corridas de longa duração.

Isso se a própria FIA deixar, porque por algumas vezes a entidade máxima do desporto automobilístico jogou contra a modalidade, especialmente no quesito regulamentos. Quando o Endurance estava no auge da popularidade e com autódromos cheios, o que fazia a turma da Place de la Concorde? ‘Matava’ o Mundial. E em 1992, quando o regulamento previa motores iguais à F1 e só restaram Toyota, Peugeot e Mazda, além de uma equipe que usava o modelo Lola com motor Judd V10, muitos deram esse tipo de evento como morto e enterrado e as 24h de Le Mans de 1993 tiveram apenas 28 carros no grid – o menor plantel da história.

O ACO bateu cabeça por muito tempo. Na ânsia de trazer a Peugeot, elaborou um estapafúrdio regulamento plug-in onde os protótipos com sistemas híbridos teriam por obrigação completar a primeira volta pós-pit-stops somente no motor elétrico. Não colou: a marca do Leão não anunciou o retorno às provas longas – das quais estava afastada desde o início de 2012, quando de última hora mudou seus planos – e o CEO da marca, o português Carlos Tavares, sempre se declarou um apaixonado pelo esporte a motor. Foram anos de trabalho: vários regulamentos foram jogados no lixo, inclusive o anunciado em 2019 quando anunciou-se os hipercarros derivados de modelos de rua e, quando veio a nova proposta da classe sucessora da LMP1, a Peugeot viu, gostou e já prepara o regresso – e em grande estilo, pois o novo 9X8, com sua proposta arrojada que abre mão do aerofólio traseiro, impressionou positivamente.

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Peugeot anuncia retorno ao WEC após longa ausência (Foto: Divulgação/Peugeot)

A Ferrari, na esteira do corte de gastos da F1, limitando a R$ 800 milhões o orçamento das equipes, vai gastar parte de seu budget na construção do primeiro protótipo oficial de fábrica do construtor de Maranello em mais de meio século: desde 1973, não há nenhum carro da marca italiana na principal categoria em Le Mans e a edição dos 100 anos da clássica prova francesa terá o regresso, em grande estilo, do Cavallino Rampante. A AF Corse, tradicional equipe que representa a Ferrari no WEC e em La Sarthe, ficará a cargo de cuidar dos equipamentos.

Mas o grande acerto, que possibilitará ver um grid como nos velhos tempos, foi a convergência de regulamento com a série estadunidense IMSA, buscando não só a adesão das equipes dos EUA como também uma forma de baratear os custos a fim de atrair novos construtores, na criação da plataforma Le Mans Daytona Hybrid (LMDh), com base – a exemplo dos atuais Daytona Prototype International (DPi) nos modelos LMP2 homologados pela Federação Internacional de Automobilismo, aerodinâmica e motorização livres e sistema híbrido padronizado.

E o tiro foi certeiro. A Porsche foi a primeira a anunciar seu retorno às provas de longa duração e ao evento do qual é a maior vencedora com 19 conquistas – tendo como parceiro ninguém menos que Roger Penske e em duas frentes: IMSA e WEC, mirando uma inédita vitória da equipe do lendário Capitão em Le Mans. E sem precisar gastar muito como fez com o protótipo LMP1 919 Hybrid, possivelmente o carro mais complexo da história do automobilismo moderno.

Na esteira desse anúncio, vieram – surpreendentemente, aliás – a Audi (que também pertence ao grupo Volkswagen, dono da Porsche), a Acura (Honda) e a BMW. Os bávaros, assim como os quatrargólicos, deixam a Fórmula E com equipes oficiais e ambas as marcas alemãs miram novamente o Endurance da FIA.

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PORSCHE; LMDh; 2023; LE MANS; WEC; IMSA; GRANDE PRÊMIO
A Porsche vai voltar às principais provas do endurance mundial com um novo projeto de hipercarro na classe LMDh (Arte: Porsche AG)

O cordão de novos construtores promete aumentar ainda mais: se por um lado a Mazda já disse que está fora nos EUA, por outro a Lamborghini – mais uma marca do VAG – pode chegar à festa. A General Motors está por se decidir qual marca levará ao regulamento, se Corvette ou Cadillac – e tudo indica que será esta última. Ford e Bentley – uma quarta grife da Volkswagen – podem chegar também. E há a Alpine, que estuda a melhor plataforma e ainda não houve a decisão se vêm com um hipercarro ou um LMDh.

Para 2023, justamente quando as 24h de Le Mans completam um século de existência desde a primeira corrida ganha por René Leonard e André Agache com um modelo Chenard & Walcker, o cenário é de sonho. Na ponta do lápis, a categoria principal poderá ter nada menos que 13 construtores envolvidos com o evento – isso se todo mundo confirmar projetos de hipercarro ou LMDh de aqui até menos de dois anos. E o momento dos anúncios tem que ser por agora ou até o fim de 2021.

Essa expectativa gerada em torno das novas regras também faz crer que ACO e FIA terão outras dores de cabeça a resolver – tão sérias quanto imediatas. E dizem respeito às subclasses menores de Esporte-Protótipos e Grã-Turismo.

A LMP2, por exemplo, vive um dilema. Equipes como o Team WRT e a Risi Competizione claramente ingressaram na divisão para ganhar expertise e assim trabalhar com o conceito de carros protótipos de 2023 para a frente. O problema é: será que a divisão seguirá tendo valia tecnológica após a convergência ACO/IMSA?

GUIA 2021
Todos os pilotos e as equipes da classe dos hipercarros
Todos os pilotos e as equipes da classe LMP2
Todos os pilotos e as equipes da classe LMGTE-PRO
Todos os pilotos e as equipes da classe LMGTE-A

O que será da categoria LMP2? (Foto: FIA WEC)

Neste ano, para o WEC e Le Mans, a FIA decidiu que os protótipos dessa classe perderiam potência, além de usar um kit de baixo arrasto aerodinâmico e o pneu mais duro da gama Eagle Sport do fabricante estadunidense Goodyear, único fornecedor da categoria. Aliás, mesmo com a proposta ‘cost capped’ que definiu fornecedores únicos de motor, câmbio e agora pneus, a LMP2 não está tão mais barata quanto já foi em outros tempos. A classe ainda teria serventia para um regulamento Pro-Am, mas mesmo esse regulamento desportivo é dúbio: muitos pilotos de graduação Prata são bastante velozes e há trincas mais profissionais do que deveriam ser de fato.

Com 80 chassis vendidos, a Oreca, hoje o principal construtor de LMP2 do mercado, se vê entre a cruz e a caldeirinha. Mas certamente a espera será menos longa e menos dolorosa do que os fabricantes de modelos Grã-Turismo, que aguardam por uma decisão definitiva do que será feito com o regulamento atual.

Hoje, somente quatro marcas têm modelos homologados, após a debandada de Ford e BMW, que fez o grid da divisão principal cair pela metade em menos de dois anos: Porsche, Ferrari, Corvette e Aston Martin. O construtor britânico pode sair de cena a partir de 2022, mas há quem garanta que a classe LMGTE-AM está mantida no atual formato até 2023 e o último ano da LMGTE-PRO no WEC e em Le Mans é o próximo. E é aí que mora o perigo.

Laura Wontrop-Klauser, que sucede Doug Fehan no comando das operações da Corvette, já acena com a possibilidade de o construtor dos EUA vinculado à GM mudar o foco. Como não há a decisão por um regulamento GT3 FIA – e a Corvette não tem o C8.R enquadrado nessa plataforma e muito menos o ACO não bate o martelo acerca do futuro – e esperava-se que isso fosse definido para já, dando aos construtores a chance de investimentos num regulamento mais barato – a postura da dirigente é de incerteza diante da dubiedade da postura do presidente do ACO, Monsieur Pierre Fillon.

A Corvette fica ou não? (Foto: FIA WEC)

“Não estamos preparados ainda para dizer se estamos prontos ou não”, afirmou a dirigente. “A permanência da Corvette Racing é algo que temos discutido e ainda não temos uma ideia clara do que faremos. É parte dessa ambiguidade que paira no ar. A IMSA já pôs as cartas na mesa com relação às classes de Grã-Turismo. Temos que ver onde nos encaixamos de 2023 para a frente”, completou.

Nos EUA, o fim da divisão GTLM – com base no regulamento LMGTE do ACO/FIA foi definido com vistas à próxima temporada e os fabricantes têm liberdade de escolher entre a plataforma GTD-PRO com investimento oficial e a GTD atual, com a mescla Pro-Am de pilotos e times ‘oficiosos’, com discreto apoio de montadoras. Esperava-se que na Europa se despisse de vaidades e os homens de Le Mans e do WEC se sentassem à mesa com Stéphane Ratel, que hoje organiza a maior parte dos campeonatos baseados nos regulamentos GT3, para poder chegar a um denominador comum. E até agora, nada formal ou oficial.

O piloto brasileiro Augusto Farfus, ausente nas 24h de Le Mans este ano e que defendeu a equipe Northwest AMR na classe LMGTE-AM em Spa, Portimão e Monza, junto a Marcos Gomes e Paul Dalla Lana, desenvolveu ao longo de todo o ano o modelo M4 no regulamento GT3. Ele acredita que é a melhor plataforma para que mais construtores venham a se interessar competir não só no WEC como – e principalmente – em Le Mans.

“Os boatos que ouvi em Monza foram de que em Le Mans pode haver lugar para os GT3 futuramente. E com a quantidade de construtores envolvidos e equipes interessadas nessa plataforma, pode faltar lugar no grid. Ter BMW, Porsche, Ferrari, Audi, Lamborghini, Bentley, Aston Martin, Mercedes, Lexus e Acura nesse regulamento seria memorável. Tá todo mundo falando da LMDh, mas estão esquecendo que a plataforma GT3 pode ser tão incrível quanto a nova série de protótipos”, contou o piloto.

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