Alpine implode outra vez, faz Renault fugir e transforma guerra de pilotos em rodapé
Desde que voltou à Fórmula 1 como equipe de fábrica, em 2016, a Renault/Alpine viveu poucos momentos de estabilidade. Mas a absoluta implosão contínua dos últimos 12 meses é notável
Como avaliar o que é a Alpine? Há uma estação contínua de implosões e instabilidade que torna o antes imponente time francês em case de insucesso. Ao preparar o pior carro dos últimos anos, facilitou a tormenta que viria na sequência. Gerência trocada novamente, guerra entre os dois pilotos – e escolha pública por um deles – e até a confirmação do status de equipe cliente marcam um ano desastroso.
Alpine é o braço de esportes da Renault, serve de continuidade natural da equipe oficial francesa, que voltou ao grid desta maneira em 2016 – até 2021 como Renault, depois como Alpine. Quando a mudança foi efetuada, houve todo um rebranding para mostrar que havia ali uma mentalidade e desafios novos para dar o passo seguinte na F1. A verdade, porém, é que a experiência tem sido desastrosa até a escolha da Renault de abandonar o barco e deixar a equipe à própria sorte.
Um novo bota-abaixo foi posto à frente na metade da temporada 2023, marcando novos planos para o futuro. Saíram o CEO, diretor-técnico e o chefe de equipe, ao passo que o vice-presidente Bruno Famin foi efetivado como novo chefe – interino originalmente, foi efetivado sem nenhuma informação oficial a partir de janeiro. Era a chance de recomeçar, mas nada disso aconteceu. O começo de 2024 ofereceu um furacão, com a A524 rapidamente se mostrando carro malnascido e de desempenho terrível. A Alpine chegou algumas vezes, sobretudo antes do começo da perna europeia da temporada, a ter o pior carro do grid.
As dificuldades suscitaram desconforto que foi apenas reforçado quando Pierre Gasly e Esteban Ocon, desafetos desde moleques e companheiros de equipe por ali nos últimos dois anos, passaram a dar defeito e se achar na pista. Já tinha acontecido antes, claro, na Austrália 2023, mas um pedido de desculpas deixou tudo ok.
Em Mônaco, tudo foi pelos ares de vez. Com Gasly saindo em décimo e Ocon na 11ª posição, a Alpine vislumbrava rara chance de pontuar com ambos os carros. Até que, nos primeiros metros da corrida, Ocon fez manobra estapafúrdia para mergulhar e passar o companheiro, mas bateu nele. Ocon abandonou e ainda foi punido com a perda de cinco posições do grid da corrida seguinte, enquanto Gasly deu sorte e seguiu adiante. Até pontuou, no mesmo décimo lugar.
A equipe jurou. “É triste e exatamente o que não queríamos ter visto. Haverá consequências apropriadas para isso, vamos ter de tomar uma decisão muito difícil. A responsabilidade dele é bastante clara. Se estivéssemos lutando por pódio no final da corrida, ainda vá lá”, afirmou o chefe Famin.
“Mas na primeira volta, francamente, não é o lugar ideal para atacar. Só estou decepcionado com Esteban porque isso não deveria ter acontecido com a equipe. Não podemos nos dar ao luxo de ter esse tipo de comportamento”, completou.
Apenas dias depois, o anúncio: Ocon não teria o contrato renovado e estava fora da equipe depois de 2024. Aqui não há juízo de valor sobre manter ou não Ocon, mas há, sim, sobre a maneira como conduziu o caso, expondo o único piloto capaz de vencer uma corrida pela equipe desde 2016 e passou cinco temporadas nos quadros franceses. Ainda haveria outro problema na Áustria.
Com a briga terrivelmente gerida e o péssimo rendimento, o presidente da companhia, Luca de Meo, concluiu que o melhor a fazer era recorrer ao passado. Assim, contratou Flavio Briatore para retornar à F1 após 15 anos de ausência – quando saiu banido, pena mais tarde abrandada, por arquitetar o ‘Crashgate’ de Singapura 2008. Briatore apareceu como consultor, mas tratava-se de um título meramente por questões de relações públicas. Pega mal, afinal, contratar alguém afastado por manipulação de resultados para ser CEO, mas é o que o italiano se tornou na prática.
O primeiro grande movimento de Briatore foi forçar a mão no fato de que a Alpine tinha de se livrar dos motores Renault. Assim, para um vexame histórico, a Renault decidiu realmente deixar a categoria e não levar a cabo o projeto de motor que tinha para a geração que inicia em 2026. A Alpine, equipe da marca francesa, terá motores de uma montadora rival na categoria. Provavelmente a Mercedes.
A chegada de Briatore fez ainda com que Famin decidisse sair do dia a dia da corrida. “Não acho que tenhamos a mesma abordagem”, disse o agora ex-chefe, embora negasse problemas com Flavio. “Internamente e externamente, ficará claro para todos se deixarmos claro quem manda na equipe”, garantiu.
O novo chefe será o mais jovem da F1 em tal posição: Oliver Oakes, de apenas 36 anos e que é inexperiente na categoria. Oakes vem das categorias-satélite, onde conquistou sucesso à frente da Hitech – que, aliás, está na disputa pelos títulos de 2024 tanto na F2 quanto na F3.
Nada contra Oakes, mas ter Briatore por trás – e até nas três fotos de anúncio do novo chefe foi o italiano quem apareceu mais -, dá a entender que o time terá liderança dividida ou um CEO que controlará todas as atividades. Quem conhece a cobra criada que é Briatore sabe disso muito bem.
O primeiro grande desafio de Oakes será definir o companheiro de Gasly no ano que vem. Com a recusa de Carlos Sainz, Jack Doohan, piloto pupilo da fábrica francesa, é o grande favorito.
É cansativo chegar neste ponto e jogar a situação para o universo, dizendo que o futuro vai provar se as mudanças são acertadas. Não dá. Com a Alpine, há que se ver para crer. Apenas quando mostrar o mínimo sinal de reação é que será possível acreditar num passo adiante. É a vida na equipe mais à deriva da F1, mais perdida, mais sem rumo, que fez a própria companhia-mãe desistir. A Alpine é vexame que não tem fim.
A Fórmula 1 faz a tradicional pausa para as férias de verão na Europa e volta de 23 a 25 de agosto em Zandvoort, para a disputa do GP dos Países Baixos.
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