Do The Town à Fórmula 1: como Interlagos viu a transição em 50 dias

Na segunda parte da reportagem sobre a transformação de Interlagos, o GRANDE PRÊMIO explora a transição pela qual a pista passou entre o The Town e o GP de São Paulo, além dos planos futuros da prefeitura da capital paulista e de quem atua no automobilismo

Interlagos precisou se desmontar por completo para que voltasse a ser um palco de corridas após a estreia do The Town. As modificações promovidas no autódromo, detalhadas pelo GRANDE PRÊMIO também em seus valores, encontravam justificativa para o festival, mas era necessário ver como ficou o cenário sem aquela estrutura toda.

O GRANDE PRÊMIO foi atrás para entender como foi a transição e como a organização do GP de São Paulo e prefeitura trabalharam em pouco menos de dois meses.

Marcos Monteiro, secretário de Infraestrutura e Obras de São Paulo, contou que a prefeitura não atuou na elaboração de prazos para montagem e desmontagem na passagem de um evento para o outro: foi tudo conversado e acertado diretamente entre o festival de música e a Federação Internacional de Automobilismo.

“A gente tinha uma preocupação com esse prazo, mas a prefeitura nem precisou interferir. Foi uma negociação direta entre FIA e The Town. A gente está falando de dois meses entre os eventos, em que um precisa desmontar e o outro montar a estrutura. A F1 tem padrões muito rígidos de períodos para entrar, mas a negociação foi muito direta entre FIA e The Town e houve um período de convivência, em que o The Town ainda estava sendo desmontado e a F1 já estava com obras de revitalização da pista e a montagem de arquibancadas provisórias, como todo ano. Os promotores de ambos estiveram em contato muito próximo, temos certeza que não vai haver nenhum problema de interferência entre os eventos”, garantiu o secretário.

O GRANDE PRÊMIO entrou em contato com a FIA sobre as mudanças em Interlagos, mas não obteve resposta. O presidente da CBA (Confederação Brasileira de Automobilismo), Giovanni Guerra, confirmou ao GP que houve um entendimento e que tudo passou por Luís Ernesto Morales, engenheiro-chefe do GP de São Paulo e representante da entidade junto ao órgão maior.

F1 2023, GP DE SÃO PAULO, INTERLAGOS, REFORMAS
A preparação para a corrida deste domingo começou ao fim do The Town (Foto: Rodrigo Berton/Grande Prêmio)

Morales reconheceu que o pós-festival era o ponto mais crítico e que demandava atenção especial.  Tudo porque não há como esperar toda a estrutura desmontável ser retirada para começar os preparativos para a F1. “Com a desmontagem de um evento desse porte e a montagem da F1 acontecendo simultaneamente, não há tempo de esperar a desmontagem para começar. Mais do que isso, tivemos várias estruturas no autódromo que estão instaladas para o GP. Elas não atrapalharam a operação, mas nos permitiram avançar em alguns pontos. Caso contrário, não teríamos tempo hábil para montar tudo para o GP”, explicou ao GRANDE PRÊMIO.

Segundo Morales, a Fórmula 1 fará uso de estruturas atualmente estabelecidas para o The Town até pela questão logística e de prazo: não haveria tempo hábil para sumir com tudo relacionado ao festival.

“Vamos aproveitar algumas estruturas da parte interna deles [The Town] porque é mais fácil do que esperar desmontar a deles e montar a nossa. Sobre a pista, é uma parte mais esportiva, inteiramente sob minha responsabilidade. Das áreas de segurança até a pista, guard-rail, muro de proteção, tudo retirado. E esses itens removidos serão recolocados na mesma posição que estavam antes do The Town. Tudo isso em concordância com a FIA”, assegurou o engenheiro.

Morales detalhou a ligação de trabalho com a entidade máxima do esporte. “Eu tenho duas relações com a FIA: na parte esportiva, para ela, a pista interessa até a área de proteção. A área interna não importa, é sobre a pista, área de proteção e boxes. Só. Então, a FIA vê como estão essas questões”, declarou.

Depois da saída do The Town, Morales mandou relatórios para a FIA até chegar na inspeção feita anualmente, na semana da corrida, que avalia os últimos detalhes e libera efetivamente a pista para a Fórmula 1. “Depois do dia 11 de setembro, fizemos a manutenção na barreira de pneus e a limpeza para recuperar a aderência. Já estava previsto um reparo pontual na pista, na subida do Laranjinha, desde o início do ano e não tem nada a ver com o evento”, explicou Luis.

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A fase 2 das modificações e o impacto no esporte nacional

A questão toda envolvendo a FIA, aliás, é um dos principais pontos da reformulação em parte da estrutura do autódromo. A entidade costuma ser rigorosa no que diz respeito à homologação de autódromos, com ajustes para os eventos e outras demandas. Mas a prefeitura de São Paulo assegurou também ao GRANDE PRÊMIO: a federação está por dentro de cada passo do que ocorre na pista paulistana. E está junto na promessa de que nada vai impactar negativamente na estrutura, no traçado ou na etapa da F1.

“De maneira alguma [vai ter algum impacto na pista]. Todas as intervenções foram apresentadas à FIA, acompanhadas por eles, afinal, esse equipamento é um autódromo. Em nenhum momento se perdeu isso de foco: é um autódromo extremamente utilizado o ano inteiro por diversas categorias. Além disso, temos também o WEC (Mundial de Endurance) lá, então, nunca se perdeu o foco do automobilismo e foi tudo acordado com FIA e F1. As características seguem as mesmas, mas com melhorias, porque a infraestrutura também vai atingir a F1”, garantiu Marcos Monteiro ao GRANDE PRÊMIO.

“E ainda teremos a segunda fase das obras, depois do Primavera Sound, em dezembro [festival de música eletrônica marcado para os dias 2 e 3 de dezembro], com construção de novas arquibancadas para as corridas, para ampliar o público da F1, além de um túnel de acesso no portão G para facilitar a entrada de caminhões e veículos de trabalho ao miolo, mesmo com a pista em uso. Também terá um novo prédio administrativo, isso tudo na segunda fase, com parte delas entre o Primavera Sound e o Lollapalooza, em março, e o resto entre o Lollapalooza e o WEC, em julho. É um túnel para facilitar acesso, arquibancadas ao lado do setor A para maior comodidade, uma estrutura de apoio ao lado do busto do Ayrton Senna, com banheiros no entorno. Mas nenhuma dessas obras vai mexer, interferir em nada na pista”, assegurou.

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Autódromo foi tomando forma aos poucos (Foto: Rodrigo Berton/Grande Prêmio)

Diretor do autódromo de Interlagos, Marcelo Shan seguiu na mesma linha de Monteiro e defendeu as obras, deixando claro o compromisso de manter intacto o traçado. “A FIA faz a inspeção dos itens de segurança do GP, mas todas as obras, todos os projetos foram acompanhados pela comissão de homologação de circuitos da CBA. O Luís Ernesto Morales acompanhou todas as etapas, tudo foi discutido junto entre a CBA, o autódromo, a Secretaria de Obras, a Secretaria do Verde. Foi um trabalho conjunto de todo mundo, então zero interferência nos quesitos de segurança da pista”, reforçou ao GRANDE PRÊMIO.

Morales indicou que a preocupação era fazer as obras causando o menor impacto possível na estrutura esportiva. “Em relação à pista em si, que não fosse feito nada capaz de alterar a questão da homologação internacional que temos. Os trabalhos foram feitos de forma organizada, com muito acompanhamento. Em março, tivemos programas semanais com todos os interessados, para que tudo que estivesse sendo feito tivesse efetivamente um acompanhamento. E, para o GP de São Paulo, além do que estava sendo feito — para não criar nenhum problema na execução —, o pós é o grande fato”, reiterou.

Mas houve questões envolvendo o risco ambiental de tamanha intervenção na área toda do autódromo. Duas grandes dúvidas sobre as obras tinham relação com águas. Inicialmente, sobre uma possibilidade de asfaltar a área de nascente que há em Interlagos. “Isso é especulação”, garantiu Morales. “O que foi delimitado como estacionamento teve a anuência da Secretaria do Meio Ambiente, teve vistoria dos técnicos. Tudo que foi feito aqui foi em conjunto com a Secretaria do Meio Ambiente, que definiu os limites de até onde poderia ir o estacionamento”, comentou.

“A nascente foi preservada”, reforçou Shan. “Fica no comecinho da nossa pista de off-road e está preservada, e o lago também. O brejo que fica perto da curva do lago também, porque toda a água da nascente para o lado esquerdo da Curva do Lago, passa por debaixo da pista e aí, sim, abastece o lago. Tudo isso foi preservado. As árvores que foram removidas aqui na vegetação que a gente tinha foram plantadas. Fizemos um replantio de 1.720 árvores na perimetral do autódromo e essas árvores, crescendo daqui uns quatro ou cinco anos, vão criar uma barreira acústica para melhorar também o impacto sonoro na vizinhança”, completou.

Outro ponto diz respeito às chuvas. A água desabou firme na primeira semana do festival de música, com direito a pontos de alagamento na pista. Morales diz que nada foi alterado com relação à drenagem. Se o público presente em Interlagos no último dia 2 de setembro teve de colocar os pés n’água, segundo o engenheiro, é porque choveu mais que o normal, não por causa de mudanças na relação do autódromo com a água.

“Eles haviam falado que chove muito pouco em setembro. Eu avisei: ‘Interlagos tem um microclima próprio'”, contou. “Pelas características da represa, pelas mudanças de temperatura, chove muito. No sábado [2 de setembro], choveu muito, 28mm. Historicamente, chove 20mm o mês todo. Pela topografia de Interlagos, a água corre pela pista, e correu para onde sempre foi, com a drenagem que já existia. Em relação a isso, não houve nenhum problema. Na hora da chuva, não teve jeito, mas quando ela passou, não havia nenhuma área alagada. A água correu normalmente”, assegurou.

Shan também deu o seu parecer sobre a preocupação com a drenagem. “Anualmente, como é época de chuva entre novembro e março, a gente tem um grande volume de água que desce ali da Junção, passa por baixo na saída da Curva do Lago e vai dar no brejo, que é a parte baixa do autódromo. Anualmente, a gente faz uma limpeza dessas galerias, que é para dar mais vazão dessa água. E raramente a gente tem tido problemas de alagamento nessa região, muito raro acontecer. Só se o volume de água for absurdamente grande”, completou.

Um dos planos é aumentar a capacidade de público em Interlagos (Foto: Rodrigo Berton/Grande Prêmio)

A Fórmula 1 também como entretenimento

Ainda que a Fórmula 1, neste primeiro momento, tenha uma atenção apenas voltada para a parte esportiva, há um nítido desenho da prefeitura em transformação da etapa do Mundial também em algo voltado para o entretenimento. É a tendência atual da própria categoria, que vem buscando praças que ofereçam bem mais do que um traçado para as provas. Embora tenha tentado “evitar spoilers”, o secretário de infraestrutura de São Paulo reconheceu que já se olha com interesse para o que tem sido feito em etapas como Miami e o que a F1 prepara para a volta de Las Vegas ao calendário neste ano.

“O que vemos na F1 é justamente isso: você deixar de ter apenas o evento corrida e ter atividades complementares, como você já tem em outras corridas do mundo. Na F1, ano passado, já houve alguns espaços de patrocinadores internos, mas, com todas essas obras que estão sendo feitas, teremos ainda mais eventos complementares. Acho que teremos uma etapa da F1 ainda mais legal, com não só a corrida, mas eventos paralelos. Que é o que a F1 quer transformar”, contou Monteiro.

Diante deste cenário, o GRANDE PRÊMIO ouviu também Gustavo Pires, presidente da São Paulo Turismo, a SPTuris, empresa de eventos e turismo da prefeitura da capital paulista. Indo além da F1, o que mais o município vai querer colocar em Interlagos? “Já estamos agregando mais coisas. Trouxemos o WEC, mas ficamos felizes também por ter uma relação muito boa com a Stock Car e a Porsche Cup, estamos motivando ao máximo o bom uso do autódromo”, disse.

Pires vê o autódromo como um dos principais espaços da cidade. “Temos muitas datas ocupadas lá, mas se acharmos oportunidades de aproveitar com outros eventos, que gerem impacto econômico e geração de empregos, conseguimos viabilizar”, detalhou.

Pires também revelou ao GRANDE PRÊMIO um projeto que a prefeitura busca colocar em prática ainda nesta década: ampliar a capacidade de Interlagos também na prova da F1, como aconteceu, por exemplo, no The Town.

“A nossa meta, sonho mesmo, é em cinco, seis anos crescer a capacidade para 100 mil pessoas sentadas na F1. Nossa expectativa é crescer em relação ao ano passado para 2023, mas como alguns setores ainda estão trabalhando em novidades com os promotores da F1, não tenho como dar um número exato de previsão de crescimento. A gente ainda não vai estar perto dos 100 mil, mas esperamos um pouco acima do que estivemos no último ano”, diz. O mesmo projeto foi confirmado pelo secretário Monteiro.

Foram 235 mil pessoas nos três dias de evento, um pouco menos de 80 mil de média diária. Em 2021, o recorde batido era de 182 mil pessoas, média um pouco acima das 60 mil diárias.

Pires ainda falou de mais um projeto, para o final de 2024, visando facilitar a chegada e saída do público que vai ao autódromo de trem. É pela estação da CPTM que a maior parte dos torcedores se desloca para a pista no extremo sul de SP. E no primeiro fim de semana do The Town, o caos foi enorme por ali, por falhas da linha privatizada operada pela ViaMobilidade e alto contingente de passageiros.

“Tem uma obra muito interessante que deve acontecer até o final do ano que vem, que o prefeito tem cobrado muito, que é uma passarela ou um túnel que ligue a estação de trem da CPTM Autódromo à pista, para garantir uma chegada com mais conforto para o público que vai ao autódromo. Esperamos que ocorra até o fim de 2024”, emendou.

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A edição das 6 Horas de São Paulo é um dos grandes eventos do esporte a motor de São Paulo em 2024 (Foto: FIA WEC/FocusPackMedia – Tim Hearn)

Por fim, o lado do esporte a motor: o uso da pista está garantido?

A prefeitura falou sobre o bom uso do autódromo e de que como o calendário é cheio. De fato, Interlagos recebe as principais categorias nacionais do automobilismo e do motociclismo, além de eventos estaduais. Em 2024, a pista ainda será sede das 6 Horas de São Paulo, etapa que integra o Mundial de Endurance. E tem, claro, a Fórmula 1. Mas também abriga os grandes festivais — uma vez que todas as mudanças foram feitas prioritariamente para eles. Então, a impressão que fica é que essa conta não fecha.

Por isso, pelo lado do esporte a motor, o presidente da CBA garantiu que o autódromo de Interlagos seguirá tendo como principal função a prática esportiva. No entanto, Guerra entende que as obras também ajudam a perpetuar esse espaço para o esporte, daí a importância de transformar a pista em uma arena multiuso.

Interlagos vai seguir como um autódromo mesmo, eu garanto isso”, afirmou Giovanni ao GRANDE PRÊMIO. “E o autódromo passa a ter agora oficialmente também uma função multiuso não só para São Paulo, mas para o mundo em termos de entretenimento. Isso assegura a permanência da pista.”

Questionado sobre como formar um calendário que atenda às demandas do esporte a motor, o dirigente respondeu: “Quem vai homologar as datas para o autódromo é a CBA, com a anuência do prefeito, dos promotores e da FASP. Provas do automobilismo nacional, F1, WEC e qualquer outra grande categoria que possam vir a Interlagos. Essas são as prioridades. Depois vem, concomitantemente, em termos de entretenimento, três grandes eventos anuais no autódromo. E não vão atrapalhar, de forma alguma, o uso do autódromo. E vão funcionar concomitantemente”, garantiu.

O GRANDE PRÊMIO reforçou a questão: há uma garantia da prefeitura que o foco vai continuar sendo o automobilismo, então? “Sim, o foco é o automobilismo internacional, nacional e estadual. E vão ser realizados também três grandes eventos ao longo do ano.”

“Por isso, eu apoio todo esse movimento, porque entendo que os autódromos precisam ter uma função multiuso, sim. É de fato uma garantia.”

A garantia de que o autódromo segue sua função foi dada a Guerra pelo secretário de governo municipal, Edson Aparecido dos Santos, durante o anúncio do acordo para a corrida do WEC no Brasil.

*Matéria escrita por Pedro Henrique Marum, Gabriel Curty, Ana Paula Cerveira, Luana Marino, João Pedro Nascimento, Evelyn Guimarães e Victor Martins. Colaboraram Guilherme Bloisi, Juliana Tesser e Rodrigo Berton.

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