Juntos em 2014, Massa e Williams renascem na F1 e voltam a lutar com frequência pelas primeiras posições
A RETROSPECTIVA 2014 do GRANDE PRÊMIO relembra nesta quarta-feira (17) como Felipe Massa e a Williams foram capazes de dar a volta por cima para tornar a lutar por pódios e vitórias com frequência na F1
Mais do que nas vitórias de Daniel Ricciardo, o único momento em que a Mercedes apareceu sem a máscara da invencibilidade foi no treino classificatório para o GP da Áustria de 2014. Com Felipe Massa na pole e Valtteri Bottas na segunda posição, o mundo da F1 viu que, de fato, a Williams tinha um carro rápido. Os alemães, por sua vez, arregalaram os olhos de espanto ao se verem batidos no quesito velocidade pura — foi uma derrota muito menos circunstancial do que nas três vitórias da Red Bull.
Aquele fim de semana representou também o resultado mais marcante da Williams no ano. O time não sabia o que era colocar seus pilotos em primeiro e segundo no grid desde o GP da Alemanha de 2003, há 11 anos.
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Tudo começou com uma profunda reestruturação organizacional lá em 2013, em meio a um dos piores anos da história da escuderia. Filha do dono, Claire Williams assumiu a chefia-adjunta — que, na prática, é a chefia — e passou a cuidar de tudo ao lado de Mike O’Driscoll, diretor-executivo.
O departamento técnico ganhou a liderança de Pat Symonds, ex-Benetton e Renault, e inúmeros reforços. Ex-Ferrari, Rob Smedley chegou para ser engenheiro-chefe. A mudança para os motores Mercedes no início da era dos V6 turbo foi fundamental, assim como o acordo de patrocínio firmado com a Martini. O salto se tornou evidente já na pré-temporada.
Para Massa, estagnado na Ferrari e sem apresentar um desempenho vistoso há anos, a mudança para a Williams representou uma nova motivação. Desde que foi a Grove pela primeira vez para conhecer a fábrica pela primeira vez e que se envolveu no projeto da escuderia, jamais escondeu o ânimo com a aventura. E já se dá ao direito almejar outra vez o sonho que o levou à F1 há mais de uma década: ser campeão.
Começo bom, mas nem tanto
Massa fechou os testes de inverno no Bahrein com o melhor tempo, e a equipe percorreu a segunda maior quilometragem, atrás só da Mercedes. Havia quem duvidasse e imaginasse que era blefe, mas a primeira corrida também chegou comprovando que o salto era verdadeiro. De nona colocada no Mundial de Construtores em 2013, a Williams poderia sonhar com pódios — e quem sabe até vitórias — em 2014.
O desempenho nos treinos livres na Austrália confirmou a teoria, mas o sábado tratou de trazer as primeiras confirmações: na chuva, faltava downforce para o FW36. Embora tenham se classificado para o Q3, Massa e Bottas não garantiram nada mais que a quinta fila no grid. Drama semelhante se repetiu nas classificações da Malásia e da China.
Na corrida em Melbourne, o pódio provavelmente era o resultado mais justo para os carros, mas não foi possível. Massa foi tirado da prova na largada por Kamui Kobayashi. E ficou irado: “Acho que, sem dúvida, temos que ir atrás da FIA para punir os pilotos que fazem algo assim. Tem que ser uma investigação pesada, porque o que ele fez é até perigoso”. O próprio japonês, arrasado, pediu desculpas, mas escapou de punições porque mais tarde ficou constatado que sua Caterham estava sem freios.
Bottas, 15º no grid após uma troca de câmbio, ia se recuperando primorosamente até, na quinta posição, distrair-se e bater com uma roda no muro. O safety-car foi acionado por causa do erro do finlandês, que conseguiu ir aos boxes e retornar à disputa após um pit-stop. Nova recuperação o colocou na quinta posição.
Na Malásia, veio a única polêmica envolvendo o time. No fim da prova, com Massa em sétimo e perseguindo Jenson Button, Bottas chegou com pneus mais novos e talvez representando uma chance maior de ataque ao inglês. Dos boxes, o pedido para que o brasileiro abrisse caminho. Massa não obedeceu e manteve o sétimo posto até o fim. Depois, o time correu para tentar explicar a ordem e não teve vergonha de assumir que errou. A situação foi bem resolvida internamente e não provocou mais problemas.
“Não houve crise, não houve animosidades, eles entenderam”, falou Claire Williams mais tarde sobre o tema. A inglesa nunca escondeu a satisfação com a dupla, que seguirá como titular no ano que vem: “Passa confiança ter uma dupla como essa”.
Bola para a frente, na semana seguinte a F1 desembarcou no Bahrein para a terceira etapa, a chance de pódio foi grande, porém o time deu azar. Com Massa em terceiro e Bottas em quarto, a estratégia era fazer três paradas e compensar o tempo perdido nos boxes com um ritmo de corrida mais forte foi prejudicada por um safety-car fora de hora, e novamente a dupla fechou em sétimo e oitavo lugares.
A seguir, mais três provas medianas. Na China, Massa brigava pelo top-5 quando um pit-stop desastroso o jogou para o fim da fila. Bottas foi sétimo. Na Espanha, o finlandês se saiu até que bem e foi quinto, ao passo que Massa sofreu para administrar o desgaste dos pneus e ficou só em 13º. Em Mônaco, Bottas era sétimo até o motor quebrar, e Massa acabou fechando nessa posição. No classificatório, o brasileiro fora atingido em cheio por Marcus Ericsson, ficando forçado a largar de trás nas apertadas ruas de Monte Carlo.
Enfim lutando por pódios
O GP do Canadá mostrou um pouco da inexperiência, ou melhor, da falta de hábito da Williams em lutar pelas primeiras posições. A Red Bull venceu na primeira vez em que os dois carros da Mercedes tiveram problemas porque ainda é a melhor equipe do grid. Foi a que soube se posicionar melhor para superar Lewis Hamilton e Nico Rosberg. Massa liderou parte da prova e imaginou arriscar uma parada a menos para manter a posição, mas os pneus precisariam resistir muito. Na volta final, o brasileiro foi acertado por Sergio Pérez ao tentar ultrapassá-lo pela quarta posição e perdeu o melhor resultado do ano para a Williams.
A frustração pelo acidente foi superada duas semanas depois, em Spielberg, no Red Bull Ring. Em meio a erros e dificuldades dos pilotos da Mercedes, uma Williams genuinamente rápida levou a melhor na classificação.
Na corrida, uma vez mais, a Williams demonstrou imaturidade. A estratégia de parar depois dos pilotos da Mercedes custou a dianteira da prova, bem como os pit-stops mais lentos. Acabou que Bottas foi terceiro e Massa teve de se contentar com a quarta posição.
A verdade é que a Williams não estava pronta para vencer, mas ao menos levou para casa seu primeiro troféu. “Acho que fomos batidos por um carro mais rápido e um time melhor organizado, não há dúvida sobre isso”, frisou Smedley naquele domingo.
Todavia, o conjunto tinha motivos para comemorar. “Estou realmente feliz pelo time, fomos fortes durante todo o fim de semana. É bom ter uma corrida limpa e somar alguns pontos”, afirmou Bottas.
Troféus foram conquistados também nas duas corridas seguintes, na Inglaterra e na Alemanha, com Bottas em segundo lugar. Massa, em ambas, abandonou por causa de acidentes na primeira volta. Primeiro, bateu em Kimi Räikkönen — tentou desviar do finlandês, atravessado na pista à sua frente, mas nada pode fazer. Depois, com Kevin Magnussen ao dividir a curva 1 em Hockenheim — e capotou.
Em Budapeste, não se esperava muito, pelas características da pista, mas Massa buscou um bom sétimo lugar por lá. E foram todos para as férias de verão.
O sonho do vice
Em meio àquela crescente, a Williams se viu no direito de sonhar com o vice-campeonato. Teria pela frente uma sequência de pistas favorável e estava mais confiante. Seria preciso capitalizar corrida após corrida. E, na Bélgica, veio mais um sinal de como o time ainda não amadureceu 100%.
Depois do toque entre Hamilton e Rosberg na segunda volta, um pedaço de pneu ficou preso no assoalho do carro de Massa, que passou a virar 2s mais lento que o restante do pelotão e saiu da zona de pontuação. Só no segundo pit-stop que a tira de borracha foi removida — a corrida já fora jogada fora. Também faltou perícia para colocar Bottas à frente de Ricciardo, que veio a vencer devido à colisão entre os dois F1 W05 Hybrid. O finlandês outra vez foi terceiro, porém o sonho do vice praticamente sem mal ter nascido.
Para Massa, o primeiro pódio demorou, mas chegou: foi na Itália, em Monza, em uma grande e constante apresentação do brasileiro. Felipe largou em quarto, pulou para segundo nas voltas iniciais até ser superado por Hamilton, e seguiu em terceiro até o fim. Diante da torcida que o acompanhou nos tempos de Ferrari, até em italiano falou. Bottas foi quarto. Em Cingapura, Massa foi bem de novo mesmo guiando “feito uma vovó” para poupar pneus e dar conta de chegar até o fim em quinto.
No Japão, mais uma vez a chuva atrapalhou: Bottas foi sexto e Massa, sétimo. Na Rússia, o finlandês foi rapidíssimo na classificação e até ameaçou a soberania da Mercedes, mas não foi capaz de alcançá-los. Foi terceiro na corrida. Massa, que ficou sem motor na classificação e largou do fim do grid, contentou-se com o 11º posto. E, em Austin, um drible lindo da Red Bull na estratégia colocou Ricciardo na terceira posição e relegou Massa e Bottas ao quarto e quinto lugares.
Excelente fim de ano
O GP do Brasil foi uma corrida que deixou a Williams bem contente. Massa foi ao pódio apesar de dois erros nos boxes — um deles rendeu punição por excesso de velocidade. Bottas foi décimo e uma volta atrás, mas isso depois de sofrer com diversos problemas que custaram muito tempo. Tê-lo ali foi motivo de orgulho para Rob Smedley.
“O principal foi que não cedemos à pressão. Poderíamos ter cedido e não marcado pontos com Valtteri, poderíamos ter perdido o pódio com tudo o que deu errado nos pit-stops do Felipe, mas não perdemos. É isso que temos que fazer para continuar crescendo”, disse o engenheiro-chefe. Ele lembrou um ensinamento de Ross Brawn: “Corridas assim formam o caráter”.
E, em Abu Dhabi, o ano acabou com os dois pilotos no pódio — algo que a Williams não conseguia desde o GP de Mônaco de 2005. Massa, aliás, desafiou Hamilton pela vitória em sua melhor apresentação desde 2008, terminando só 2s5 atrás do bicampeão mundial.
Os 320 pontos somados colocaram o time na terceira posição no Mundial de Construtores e representaram um desempenho 64 vezes melhor que o da temporada 2013.
"Nós realmente demoramos para começar a somar pontos e pódios na temporada. Mas essa transição, esse salto do nono posto para o terceiro lugar entre os construtores, é motivo de muito orgulho. Estamos muito orgulhosos do trabalho que fizemos nessa temporada", afirmou Claire Williams.
E 2015 já começou. Nesta semana, o time anunciou a contratação do primeiro reforço para a nova temporada, o gerente esportivo Steve Nielsen, ex-Toro Rosso.
HISTÓRIAS QUE VÃO ALÉM DA MERCEDES
O GRANDE PRÊMIO dá início nesta segunda-feira (15) à RETROSPECTIVA 2014 e começa a mergulhar outra vez no que foi a temporada do Mundial de F1 — um ano de uma equipe só.