McLaren impressiona por capacidade técnica e incapacidade de vencer na F1 2024
A primeira parte da temporada 2024 da McLaren foi assombrosa. Do ponto de vista técnico, positivamente, já que o time atingiu um nível que não alcançava desde, pelo menos, o final da década de 2000. Pelo lado operacional, negativamente, afinal, é uma equipe que tem tudo para enfileirar vitórias. Mas simplesmente não consegue
A McLaren é uma gigante adormecida e a primeira metade da temporada 2024 da F1 mostra isso bem. Atual vice-líder do Mundial de Construtores e candidatíssima ao título, a equipe britânica precisou voltar para perto do topo para dizer que, no fim das contas, o último passo da escalada para voltar a vencer é o mais difícil deles. E isso não é só culpa de Lando Norris e Oscar Piastri.
O fato é que a temporada 2024 da McLaren é uma enorme contradição. Analisar o desempenho dos laranjas é quase que incômodo, tamanhos são os contrastes: de um lado, o excepcional lado técnico; do outro, a total incapacidade de converter oportunidades. E as duas faces dessa moeda passam diretamente pela figura de Andrea Stella.
O ponto central aqui é que seria totalmente injusto fazer uma análise de meio de ano que apenas batesse na McLaren. Novamente: é uma equipe que tem grandes chances de vencedor o Mundial de Construtores. Não é pouca coisa, não. E a história de recuperação é linda, tem de ser exaltada.
A McLaren faz parte do que seria uma ‘santíssima trindade’ de equipes históricas da F1, com Ferrari e Williams. Os britânicos só perdem dos italianos em vitórias, somam 12 títulos de pilotos e outros 8 entre equipes. É grande até não poder mais.
A equipe de Woking navegou em mares absolutamente tortuosos a partir do começo da década de 2010. Até 2012, ainda encaixou algumas vitórias, mas penou pelo fato de que a Red Bull tinha o domínio técnico da parada e não conseguiu se encaixar verdadeiramente na briga pelo título como fez Fernando Alonso com uma Ferrari menos eficiente, por exemplo.
Só que as coisas piorariam muito nos anos seguintes: entre 2013 e 2020, nenhuma vitória. Zero. E algumas campanhas vexatórias que dariam orgulho a times sem nenhuma tradição. Foram vários sextos lugares gerais e até dois infames nono lugares. Um horror que, não, não foi só culpa do motor Honda. E a Red Bull pode provar.
Pelas mãos de Zak Brown e Andreas Seidl, o time voltou a respirar, venceu corrida, somou bons pódios, tornou-se figura mais constante na chamada ‘F1 A’. Mas ainda faltava o último passo. E ele veio sob o comando de Stella.
Por anos peça importante na engrenagem da Ferrari, Stella se mudou para a McLaren e também atuou ativamente no processo de reconstrução do time. Só que era um trabalho silencioso, muito mais técnico. Foi em 2023 que o italiano assumiu o posto de chefia, deixado por Seidl, numa decisão que não era fácil de ser tomada, já que o antecessor era figura central na reestruturação.
Andrea foi ao trabalho e, depois de apresentar um carro incrivelmente mal-nascido, arregaçou as mangas e apresentou atualizações quase que impecáveis. A ponto da McLaren chutar a porta da ‘F1 A’ e passar a maior parte da segunda metade da F1 2023 como força principal da categoria. Tirando a Red Bull, claro.
Veio 2024 e, de novo, a McLaren não começou legal. Mas a reação foi muito mais veloz e muito mais forte: os britânicos não deixaram só Mercedes e Ferrari para trás, mas também a Red Bull. E já em Miami, na sexta prova do campeonato. Ou seja, a McLaren virou o melhor carro na maioria das corridas quando a F1 encerrava apenas o primeiro quarto de temporada. Ainda tinha muito chão pela frente, certo? Palmas para o tão técnico Stella e seus comandados.
Mas agora vem a parte chata. Sabe aquela história de que a última impressão é a que fica? Pois é, no caso da McLaren ela está bem viva e meio que contamina todo o resto. Por exemplo: há uma parcela considerável de fãs da categoria que não vai ligar a mínima para todos os parágrafos anteriores deste texto simplesmente porque os ingleses têm o melhor carro e são incapazes de encaixar uma sequência de vitórias. E dá para dizer que essas pessoas estão completamente erradas?
A McLaren tem, sim, o melhor carro da F1 2024 e não é de hoje. Não adianta espernear, isso hoje é um fato. Quer dizer que tem de dominar sempre ou mesmo que vai ser mais forte que todo mundo toda semana? Longe disso, não é o RB19 também, mas é simplesmente melhor. O ponto é que os britânicos não se portam como tais.
O time laranja vai para as férias com inacreditáveis duas vitórias até agora. É menos que a Mercedes, que acabou de acordar para a vida, é o mesmo número da Ferrari, que hiberna desde Mônaco. São cinco a menos que a Red Bull, que tem um pódio da Áustria para cá e vive uma crise interna sem precedentes.
E aqui volta a figura de Stella. Se os méritos técnicos no carro são inegáveis e dignos de muitos elogios, a falta de comando também é gritante. Não é exagero dizer que a McLaren hoje tem carro de time grande e operação e decisões de equipe pequena. E isso não pode ser normalizado.
As estratégias são calamitosas, a gestão dos pilotos vai de mal a pior, é realmente uma incapacidade de vencer. Uma trava, uma pane tão grande que é difícil de colocar em palavras. Mas o GP da Hungria, em que o time empilhou undercut de um piloto dele em outro e depois ordens de equipe envergonhadas, provou isso: a equipe venceu, fez uma dobradinha e a manchete foi o constrangimento gerado ao mandar Norris e Piastri inverterem posições. Venceu para mostrar que não sabe mais vencer. Confuso, né?
Mas não é justo botar tudo na conta da operação e do comando. Os pilotos têm muita parcela de culpa no fato de Max Verstappen ser virtual tetracampeão sem ter o melhor carro em mais da metade das corridas. Ambos vão ganhar textos só para eles, claro, mas falemos rapidamente dos dois: Piastri, porque ainda peca em classificações e sofre um pouco com gerenciamento de pneus. Norris, porque parece mais alérgico ao sucesso do que a própria equipe.
Lando é talentoso, rápido, isso não se discute, mas até quem mais o defendia já começa a perder a paciência. São muitos erros em sequência, falta ação em disputas decisivas e as largadas são absolutamente tenebrosas. A última, na Bélgica, foi coisa constrangedora, com mergulho na brita ao esquecer de tracionar na curva. Sozinho, sem pressão alguma de carro ao lado.
No ápice técnico apresentado em muitos e muitos anos, a McLaren agora precisa decidir como vai fazer para atingir o sucesso real. Isso pode passar, inclusive, por começar a ver Piastri como o primeiro piloto do time. Aliás, isso em tese depende só do australiano: é classificar melhor que o resto deve vir junto.
A McLaren pode até vencer o Mundial de Construtores, mas demorou a perceber o tamanho do potencial que tinha em mãos. E dizer agora que vai brigar pelo Mundial de Pilotos também tem mais cara de bravata do que qualquer outra coisa. Parece que o bonde já passou e pegar Verstappen, com todos os problemas que a Red Bull tem, é bastante improvável.
No auge da eficiência técnica, o time sai em meio a uma chuva de críticas pela forma que perde as corridas. E a tarefa maior talvez seja tirar o ‘ranço’ que boa parte da opinião pública já criou pelo time atual e suas derrotas. Não vai ser fácil.
A Fórmula 1 agora faz a tradicional pausa para as férias de verão na Europa e volta de 23 a 25 de agosto em Zandvoort, para a disputa do GP dos Países Baixos.
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