Opinião GP: Como ineditismo de Mugello pegou F1 de surpresa e deixou corrida histórica

É bem verdade que a Fórmula 1 precisou revisar e mexer no calendário por conta dos efeitos da pandemia, mas é igualmente certo dizer que a categoria foi muito bem recompensada pela criatividade e ousadia em buscar pistas como a de Mugello para integrar a temporada

NÃO FOI SÓ a pintura retrô da Ferrari que fez a Fórmula 1 voltar no tempo neste fim de semana. O fenomenal – definição acertadamente usada pela maioria dos pilotos – circuito de Mugello fez a maior das categorias reviver uma sensação um tanto perdida em tempos de halo e outros elementos: o flerte com o risco e, portanto, com o perigo. Acredite, de vez em quando, é bom lembrar que este esporte também exige coragem. O autódromo de curvas rápidas e de uma longa reta de mais de 1 km desafiou os astros do grid, que não se fizeram de rogados e se jogaram nessa experiência de encarar um traçado de características que remetem décadas atrás, anos em que muitos sequer eram nascidos. Os trechos estreitos e velozes encantaram, e a estreia do circuito de propriedade da equipe mais famosa do grid não decepcionou.

A impressão que fica é que a Fórmula 1 levou tempo demais para reparar no potencial de Mugello. Foi um momento extremo que criou a chance. A pandemia do novo coronavírus, assim como o mundo todo, forçou a categoria a buscar alternativas para que o campeonato pudesse acontecer. A opção foi mesmo manter grande parte da temporada na Europa. E foi dessa forma que surgiu a possibilidade de ir à Toscana. Era uma oportunidade também de agradar à Ferrari, abrindo caminho para uma festa caseira dos 1.000 GPs. Tudo bem que não saiu nada como a escuderia queria, mas o Mundial ganhou muito com a prova italiana. Ficou um gostinho honesto de quero mais.  

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Mugello foi uma surpresa para todos e já faz parte da história da Fórmula 1. Até o hexacampeão Lewis Hamilton precisou rever sua preparação. Ainda que não seja comum, o inglês procurou o simulador semanas antes para entender melhor o traçado. Não foi o suficiente. O líder do campeonato enfrentou dificuldades nos primeiros treinos e se debruçou sobre as planilhas dos engenheiros até compreender setor por setor da ardilosa pista. Daí não é de se espantar com tamanho desempenho apresentado neste domingo.

Esta pista é fenomenal. É um circuito desafiador, realmente. Trabalhei muito no carro com a equipe e todos fizeram um grande trabalho. É uma das pistas mais difíceis de guiar, ainda mais com essas áreas com brita. É um circuito fantástico, espero que não mudem nada. Adoraria voltar aqui”, reconheceu o homem que está a apenas uma vitória de igualar o recorde de triunfos de Michael Schumacher, o maior vencedor da história da F1.

Quer dizer, Mugello exigiu mais de seus contestadores. Foi implacável com erros e criou um roteiro dos mais intrigantes ao longo das 59 voltas. Isso porque a previsão de uma procissão não se concretizou, tampouco o temor de poucas ultrapassagens. E isso se deve à natureza dessa pista, o que acabou por tornar a tarde de domingo na Toscana mais dramática, diante de um singular cenário idílico.

A festa de Lewis Hamilton pela 90ª vitória na Fórmula 1 (Foto: AFP)

Alguns dos movimentos mais emocionantes da corrida se deram ao longo da grande reta e na entrada da primeira curva, como a retomada da liderança de Hamilton para cima de Valtteri Bottas na segunda relargada. Ou o duelo entre Alex Albon e Daniel Ricicardo. E outros mais. Só que também houve o caos. Logo na largada, um Max Verstappen estranhamente lento assustou o pelotão intermediário e acabou por desencadear uma enorme desordem que envolveu seis carros. O holandês, atingido pela Alfa Romeo de Kimi Räikkönen, foi parar na brita, junto com Pierre Gasly, que se viu ensanduichado naquele momento. Resultado: abandono de ambos, devida à combinação certeira de pista estreita mais área de escape com cascalho.

Sete voltas mais tarde, o safety-car deixou a pista e abriu caminho para que a corrida recomeçasse, mas aí uma especificidade desse traçado talvez tenha contribuído para uma enorme confusão. Com a linha de chegada mais longe do que normalmente acontece nas pistas atuais do calendário – em relargadas, a linha de chegada é o limite, a partir dela é que a corrida é retomada –, o líder Bottas demorou até o último instante para acelerar de vez. O finlandês tentava fugir de Hamilton, que estava colado. Só que quem vinha mais atrás não percebeu essa manobra e entrou na reta acelerando, mas aí encontrou muita gente reduzindo a velocidade por conta do ritmo de Valtteri antes da sinalização que autorizava o recomeço da corrida. Então, um novo salseiro tirou mais quatro pilotos da prova.

Por causa dos detritos, a bandeira vermelha parou a corrida. Nova largada parada, novas brigas e troca de liderança: Hamilton tomou a ponta do colega de Mercedes. E isso foi até o acidente com Lance Stroll, que escapou em um trecho de velocidade e bateu forte. Outra interrupção, mas aí o inglês não permitiu qualquer ataque do nórdico e permaneceu na frente. O dono do carro #77 acabou perdendo posição para Ricciardo, mas a recuperou sem demora. O australiano ainda teve de lidar com um valente Albon no fim.

Embora o resultado não tenha sido propriamente uma surpresa, o enredo todo certamente foi. Mugello ofereceu de tudo: belas ultrapassagens, dramas por desgaste de pneus e estratégias, acidentes e alguns sustos. Não dá para reclamar.

É claro que os chefes do Mundial trabalham agora com a intenção de resgatar em 2021 o calendário originalmente proposto para este ano. Mas não se pode descartar completamente esse grande acerto que foi o GP da Toscana. Talvez uma revisão mais apurada possa dar algum equilíbrio à temporada. É muito fácil notar também que alguns dos circuitos substitutos são melhores que outros traçados atuais. Um exemplo é Sóchi, que raramente produz um bom espetáculo ou gera qualquer expectativa.  

Se há algo a aprender também com esse período de adaptação é que a Fórmula 1 não pode se virar contra os clássicos e deve apostar em circuitos de verdade. Como Mugello provou aí: pista boa, faz corrida boa.

A décima etapa da temporada 2020 está marcada para dentro de duas semanas, o GP da Rússia, realizado em circuito cravado no Parque Olímpico de Sóchi.

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