Mulheres ganham mais espaço no esporte a motor, mas igualdade ainda não existe

Embora algumas iniciativas pontuais estejam dando mais espaço para pilotas, o esporte a motor ainda não é um universo igual de oportunidades

O esporte é um espelho da sociedade e, sendo assim, como haveria de dar igualdade de oportunidades para homens e mulheres? Se a discriminação de gênero ainda existe em vários segmentos do cotidiano, não dá para ser diferente no esporte. Deveria ser, mas essa ― pelo menos ainda ― não é a realidade.

E não é nem preciso ir muito a fundo para perceber isso. Basta olhar os grids das categorias do esporte a motor. Fórmula 1, MotoGP e suas categorias menores ― com exceção da MotoE ―, Indy, WRC… O caminho simplista seria dizer que não existe nenhuma mulher capaz de estar nessas categorias. Isso pode até ser verdade ― e eu não estou dizendo que é ―, mas a base forma muito mais pilotos do que pilotas, então essa conta não vai fechar.

É óbvio não vai brotar do chão amanhã uma campeã de MotoGP, por exemplo. Mas cabe às federações buscar meios de atrair meninas para os campeonatos de base e desenvolvê-las. Fomentar o esporte. E aí é preciso que as equipes estejam dispostas contrariar a tradição e dar uma chance.

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O trio feminino da Richard Mille vai competir no WEC. (Foto: Richard Mille Racing)

Quando esse ciclo se completa, dá para ver histórias como a de Ana Carrasco. Amparada pela Provec, braço da Kawasaki no Mundial de Superbike, a espanhola se tornou a primeira mulher a vencer um campeonato individual de asfalto promovido pela FIM (Federação Internacional de Motociclismo). Foi em uma categoria de base? Foi. Foi competindo com homens? Sim, muitos deles. E ela venceu. Ela provou que, com as condições justas, uma mulher pode vencer um homem.

Mas não é todo mundo que pensa desse jeito. Nós chegamos em 2021 com gente ainda achando que mulher não pode fazer as mesmas coisas que homens. Infelizmente, tem muita gente neste mundo com um apego excessivo pelo atraso, pelo retrocesso.

E é exatamente por isso que é preciso ter representatividade. Para que essas mulheres que hoje são minoria, sejam o espelho daquelas que virão depois. Então, claro, há de se comemorar a confirmação da Paretta, equipe 100% feminina, no grid da Indy 500 em 2021. Comandada por Beth Paretta, a equipe faz parte do projeto ‘Race for Equality and Change’ (Corrida pela Igualdade e Mudança, em tradução livre), e vai contar com a veterana Simona de Silvestro.

É de se comemorar também a presença do trio feminino da Richard Mille formado por Tatiana Calderón, Beitske Visser e Sophia Flörsch na temporada completa do Mundial de Endurance.

Também é importante a existência de uma categoria como a W Series. Embora esteja muito distante de ser um exemplo de igualdade, é uma classe que oferece uma vitrine para uma série de mulheres que talvez não fossem visíveis ao grande público se o certame não existisse.

Mas essas são iniciativas que favorecem a representatividade. Elas não são atestados de igualdade.

Provavelmente, a única categoria onde dá para falar em igualdade é a Extreme E, já que, por regulamento, as equipes têm de inscrever um homem e uma mulher.

Beth Paretta terá equipe feminina na Indy 500 (Foto: Indycar)

Mas embora as questões de igualdade de gênero sejam mais frequentemente tema de debate, é preciso reconhecer que ainda há muito a ser feito. Ainda nesta semana, a FIA (Federação Internacional de Automobilismo) condenou a postura de dois participantes do Rali Dakar por atos de racismo e sexismo. Mas sabe do que a entidade comandada por Jean Todt ‘esqueceu’? De nomear os agressores.

Ales Loprais e Petr Pokora acharam que era uma boa ideia fazer comentários discriminatórios e degradantes em relação às irmãs Aliyyah e Yasmeen Koloc às vésperas da largada da sexta especial na Arábia Saudita. E, pior, os marmanjos cometeram esse ato contra duas meninas, já que as gêmeas têm só 16 anos.

O nome deles deveria ter sido exposto pela FIA. No fim, a entidade máxima do esporte não se furtou em divulgar o nome das vítimas, mas não se acanhou em se referir Loprais e Pokora como “dois competidores no Rali Dakar”.

E é bom ressaltar que a maior e mais dura prova off-road do planeta tem as portas abertas para as mulheres competirem. Laia Sanz completou neste ano o 11º Dakar em sequência. Um feito que muito homem jamais conseguiu. Mas tem gente que ainda não sabe que a espanhola existe. Nem com os muitos títulos de Trial e Enduro que precedem o rali.

Mas, como nas outras categorias, o Dakar é um ambiente predominantemente masculino. Muito antes de a competição promovida pela ASO migrar para a Arábia Saudita ― onde as mulheres estão sujeitas a toda sorte de discriminação ―, eu vi com meus próprios olhos quando estive no acampamento, ainda na Argentina. Na época, viajei a convite de uma montadora com um grupo majoritariamente masculino. Eu era a única mulher em um grupo de cerca de 20 jornalistas convidados para uma noite de camping junto com a caravana da disputa.

Laia Sanz é uma das lendas do Rali Dakar (Foto: RallyZone/GasGas)

Um deles quis me perguntar durante um almoço anterior à viagem se “homens e mulheres dividiriam o acampamento”. Eu respondi que sim, mas foi um outro repórter que quis saber a razão da curiosidade. “Pois desde que o mundo é mundo, as pessoas olham para onde não devem”, ele respondeu.

E, não terminou por aí. Ele também se interessou em saber se homens e mulheres dividiriam o banheiro. Desta vez, nem fui eu que respondi. O próprio piloto, que estava sentando em outra mesa, de frente para mim, foi quem tomou a frente: “Não se preocupa, Ju. São banheiros coletivos, mas divididos entre homens e mulheres”. No fim, por causa da chuva, não teve acampamento para nós.

Só estou dividindo essa experiência para explicar que nos bastidores também existe uma considerável diferença entre homens e mulheres. Por muitas vezes, muitas mesmo, fui a coletivas onde era a única mulher. Especialmente em eventos de moto. E tantas outras vezes ouvi a frase: ‘Af, mulher escrevendo sobre moto? Não dá!’.

Quantas mulheres atuam nos bastidores das equipes da sua categoria preferida? Quantas são engenheiras? Quantas são mecânicas?

Recentemente, na esteira dos protestos de Lewis Hamilton contra o racismo e a desigualdade, a Fórmula 1 prometeu ser mais inclusiva. Mas na primeira oportunidade de mostrar que era um ambiente acolhedor com mulheres, deixou de levantar a voz para condenar a postura de Nikita Mazepin, que se sentiu no direito de enfiar a mão no seio de uma mulher, gravar em vídeo e divulgar na internet.

É verdade, teve uma nota dizendo que apoiaria a ação da Haas. Mas que ação? A Haas disse que trataria o caso internamente. E, como ele leva um caminhão de dinheiro para lá, não seria de se espantar se o caso tivesse sido tratado com um: ‘pô, cara, vacilou’.

Igualdade fica bonito em discurso ― e deve até render uma grana ―, mas não pode ser apenas uma bandeira vazia. Homens e mulheres devem ser iguais em oportunidades, deveres e direitos. E já passou da hora disso acontecer. Dentro e fora do esporte.

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