Após morte de Bianchi, Coulthard fala em evolução na F1 pós-Senna, mas diz: “Risco não pode ser totalmente removido”

David Coulthard destacou a evolução da segurança na F1 desde a morte de Ayrton Senna, mas ponderou que o risco jamais será completamente removido do esporte. Ex-piloto destacou que o acidente de Jules Bianchi em Suzuka já resultou em medidas que tornam o esporte mais seguro

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David Coulthard também se manifestou sobre a morte de Jules Bianchi na última sexta-feira (17) em decorrência do grave acidente sofrido no GP do Japão do ano passado. Ao contrário de muitos outros, que preferiram exaltar os talentos do jovem francês, o ex-piloto de F1 decidiu abordar a segurança no Mundial.

 
Na volta 43 da corrida em Suzuka em outubro passado, Bianchi perdeu o controle na curva 7 e acertou em cheio o guindaste que tinha entrado na área de escape para remover o carro de Adrian Sutil, que tinha batido no giro anterior. Socorrido ainda na pista, Jules foi levado ao hospital e submetido a uma cirurgia de cerca de 4 horas. Um boletim médico divulgado pela Marussia dois dias depois da batida informou que o piloto de 25 anos sofreu uma lesão axonal difusa, que é uma lesão ampla e devastadora e que, em mais de 90% dos casos, deixa suas vítimas em coma definitivo.
David Coulthard traçou um paralelo entre os acidentes de Bianchi e Massa (Foto: Reprodução / Facebook)
Sete semanas após o acidente, Jules foi transferido para um hospital em Nice, na França, onde permaneceu inconsciente até o fim.
 
Em sua coluna no site da emissora britânica BBC, Coulthard lembrou que a ausência de acidentes fatais na F1 desde as mortes de Roland Ratzenberger e Ayrton Senna em 1994 transmitiu a falsa imagem de segurança.
 
“Ao longo das duas últimas décadas, a F1 se acostumou a ver pilotos saírem ilesos de grandes acidentes, como a derrapada de Robert Kubica no Canadá em 2007 ou a capotagem de Mark Webber em Valência em 2010”, recordou. “Isso é uma prova do trabalho que foi feito para melhorar a segurança após os terríveis eventos do GP de San Marino de 1994, no qual Ayrton Senna e Roland Ratzenberger morreram em dois incidentes separados e outros três incidentes sérios foram um alerta para todos os envolvidos”, continuou.
 
“As lições daquele fim de semana em Ímola nunca foram esquecidas por aqueles em posições de influência na F1”, assegurou. 
 
Na visão do ex-piloto, o que aconteceu com Bianchi em Suzuka em outubro passado foi um “acidente bizarro”, ainda mais do que o que vitimou Felipe Massa na Hungria em 2009.
 
“De muitas formas, o que aconteceu com Bianchi pode ser descrito como um acidente ‘bizarro’. As chances de ele escapar da pista, em um setor cheio de bandeiras amarelas duplas — a forma mais extrema de alerta antes da paralisação da corrida — e bater em um veículo de resgate eram mínimas”, ponderou. “Tiveram circunstâncias ainda mais incomuns no acidente mais sério desde Senna e antes de Bianchi, quando Felipe Massa sofreu uma fratura no crânio quando foi atingido no capacete por uma peça de suspensão que tinha se soltado de outro carro na Hungria em 2009”, seguiu.
 
 “Nos dois casos, entretanto, as lições foram aprendidas”, opinou. “Os capacetes foram redesenhados e fortalecidos como consequência do acidente de Massa. E após o acidente de Bianchi, duas mudanças chave foram feitas por razão de segurança. Uma foi a adição de resistência extra ao cockpit e a outra foi a introdução de um sistema chamado de safety-car virtual em certas circunstâncias nas corridas”, apontou.
 
Ainda de acordo com Coulthard, todos os procedimentos foram executados corretamente no dia do acidente de Bianchi e o safety-car virtual poderia ter evitado a colisão do francês com o guindaste.
Marussia de Jules Bianchi bateu no local onde Sauber de Adrian Sutil era retirada (Foto: Divulgação/Twitter)
Após o acidente de Bianchi, a FIA (Federação Internacional de Automobilismo) reuniu uma comissão de notáveis para investigar o que aconteceu em Suzuka. Após o estudo, os especialistas concluíram que o piloto falhou ao não reduzir o suficiente a velocidade ao contornar a curva 7 e minimizou a presença de um trator na área de escape sem que o carro de segurança fosse acionado.
 
O grupo, presidido por Peter Wright e que contava com mais nove pessoas, dentre elas o bicampeão Emerson Fittipaldi e os ex-dirigentes da Ferrari Ross Brawn e Stefano Domenicali, constatou que se Bianchi tivesse tirado o pé, não teria perdido o controle do carro. Também foi apontada uma falha nos sistemas de segurança da Marussia, embora ela não tenha sido determinante para o que ocorreu.
 
Mesmo citando o ‘erro’ de Bianchi, Coulthard admitiu que um carro de F1 pode aquaplanar até mesmo a baixa velocidade.
 
“Todos os procedimentos corretos foram adotados no momento, mas, mesmo assim, Bianchi perdeu o controle do carro e saiu da pista”, falou. “O safety-car virtual tira do piloto a decisão de quanto reduzir para estar seguro em tais circunstâncias. Quando ele é acionado, o que tipicamente seria em uma situação exatamente como a do Japão no ano passado, os pilotos tem de guiar em um tempo ‘delta’ indicado no painel”, detalhou.
 
“Isso significa que as chances de um acidente similar acontecer novamente são ainda menores do que eram antes. Ainda assim, no entanto, o risco não pode ser completamente removido — até 50 mph (cerca de 80 km/h) é potencialmente rápido o bastante para um carro de F1 aquaplanar e sair da pista”, reconheceu.
 
Ainda, Coulthard destacou que a cabeça exposta do piloto ainda é o maior risco da F1, mas apesar das muitas pesquisas feitas pela FIA, a decisão foi de não interferir com o DNA do esporte.
 
“Assim, há um paralelo com o boxe, onde o esporte profissional continua sem a proteção de cabeça que é usada na forma amadora”, citou. “Existem outras formas de esporte a motor onde a cabeça está coberta, mas a F1 é o pináculo em termos de velocidade e desafio e é onde aqueles que têm a habilidade e a oportunidade sempre vão querer chegar”, defendeu.
 
 No fim do ano passado, a Associação Internacional de Boxe Amador (Aiba) anunciou a proibição definitiva do capacete a partir de 2015, incluindo aí os Jogos Olímpicos de 2016. De acordo com um estudo feito pela entidade, o uso da proteção aumenta o número de lesões cerebrais nos boxeadores.
 
Segundo os números apresentados por Charles Butler, médico-chefe da entidade, em 0,31% das lutas em que os boxeadores utilizaram capacete, um deles saiu com traumatismo craniano. Sem a proteção, o número cai pela metade.
O acidente de Felipe Massa aconteceu na Hungria em 2009 (Foto: Shell/Getty Images)
Coulthard, que assumiu a vaga de Senna na Williams após a morte do brasileiro, afirmou que o risco é uma parte inerente da vida e todos os pilotos sabem o que está em jogo.
 
“Ninguém no esporte a motor tem a ilusão de que o que estão fazendo não é perigoso. Apesar de a F1 não ter tido uma fatalidade entre as mortes de Senna e Bianchi, vários pilotos morreram em acidentes em outras categorias”, mencionou. “O perigo é uma parte inerente da vida e, dependendo as escolhas de vida que você faz, você se coloca em mais ou menos risco”, seguiu.
 
“Todos que entram em um carro de corrida sabem que o que estão fazendo pode colocar a vida deles em risco, mas ainda assim eles escolhem fazê-lo, por conta do que isso dá a eles”, defendeu. “Nós todos sabemos que vamos morrer um dia, mas não olhamos para cada passo que damos por medo de cair em um buraco que pode estar prestes a abrir”, declarou.
 
O ex-piloto lembrou, também, que ingressos e credenciais do esporte já trazem a inscrição de que é um esporte perigoso, não apenas para os pilotos, mas também para torcedores e fiscais.
 
“Quando os carros estão rodando a 200 mph (cerca de 320 km/h) ou mais, não é possível mitigar todos os riscos”, sublinhou. “Quando você compra um ingresso, ‘esporte a motor é perigoso’ está escrito por uma razão. A mesma frase está nos passes que você precisa para ter acesso ou trabalhar na F1”.
 
“Aceitar isso, porém, não é o mesmo que não fazer nada a respeito. Aqueles em posição de responsabilidade no esporte têm sensível e continuamente buscado soluções para reduzir os riscos”, frisou.
 
Por fim, Coulthard tratou de defender a pista de Suzuka e avaliou que os pilotos certamente vão preferir continuar correndo no traçado nipônico ao invés de passar para um autódromo mais seguro.
 
“Aconteceu em uma das pistas mais antigas, nas circunstancias mais desafiadoras — chuva, crepúsculo, em uma curva bastante exigente, em um ponto cego”, disse. “Tem menos risco de acontecer em uma das novas e planas pistas, com vastas áreas de escape. Mas, sem dúvida, os pilotos diriam que tem menos prazer em guiar lá do que em Suzuka”, seguiu.
 
“Isso não é porque eles pensam por um minute que a possibilidade de morte é parte do desafio. É porque as consequências de um erro são muito maiores. Ao invés de escapar e voltar para a pista, eles podem danificar o carro, até mesmo bater. E mesmo se você sai ‘ileso’ do acidente, acredite em mim, todos eles machucam”, observou. “Quanto maior a competição, quanto mais está em jogo, maior a satisfação. É aí que reside o conflito fundamental — e o apelo — no coração da F1”, concluiu.
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