Leclerc faz temporada excelente demais para entrar no balaio do desastre da Ferrari

Sim, Charles Leclerc errou e custou pontos. Mas saldo dele é inacreditavelmente positivo para uma fracassada Ferrari

FERRARI SUCUMBE, VERSTAPPEN BRILHA E ALONSO VAI PARA ASTON MARTIN | Paddock GP #298

A diferença de 80 pontos que separa Max Verstappen e Charles Leclerc na marca de 13 corridas e no meio do recesso de verão da Fórmula 1 é completamente irreal. Bom, ao menos assim é se estivermos falando do desempenho geral dos carros e pilotos. Sim, dos pilotos. Porque o GP da França trouxe a irreal impressão de que Leclerc é parte do problema. Falso. Leclerc é a solução que para na vilania de uma Ferrari despreparada para vencer.

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Esta análise começa quase no fim da história desta primeira parte da temporada. Até o GP da Hungria pouco ou nada se falava sobre Leclerc não estar preparado o bastante para a tarefa que tinha pela frente. O erro, claro e inconteste que cometeu para transformar um primeiro lugar em visita ao muro, custou bastante. Se vencesse com Verstappen em segundo, marcaria 25 tentos e privaria Verstappen de sete que acabou faturando a mais saindo do segundo para o primeiro lugar. Não é garantia, porém, que venceria aquela corrida. A Red Bull acredita que Max tomaria a vitória de qualquer forma e, assim, Charles ficaria num segundo posto que valeria 18 pontos a mais que o zero que se tornou a realidade.

O outro erro notório de Leclerc neste ano é bem menos grave. No GP da Emília-Romanha também escapou da pista e viu um segundo lugar virar sexto. Ainda pontuou, mas marcou oito quando poderia ter ficado com 18. Erros.

A história é contada do ponto de vista dos vencedores, porém. É curioso como a memória apaga rápido até naquilo que mal tem distanciamento histórico para ser chamado de passado. A comparação natural de Leclerc é sempre com Verstappen e tem o adendo: o holandês não erra. Não erra? Era importante andar limpo para superar um heptacampeão no auge dos seus poderes em 2021. Entretanto, Verstappen bateu sozinho na classificação da Arábia Saudita, na penúltima etapa do ano, bem no fim, aquele momento em que a pressão aumenta e a perna pesa. O momento é de sorte: fosse 24 horas mais tarde, custaria o título.

Charles Leclerc venceu a abertura de 2022 com baita desempenho no Bahrein (Foto: Ferrari)

Houve os dois confrontos com Hamilton, ainda. A batida pela qual foi considerado culpado, na Itália, tirou os dois e deixou a conta no zero a zero. Mas, novamente, sorte. Poderia muito bem, como aconteceu na Inglaterra, terminar com Max levando a pior e abandonando sozinho. Isso para não tratar das múltiplas vezes em 2021 em que o sábado terminou com a Red Bull ou o próprio Max admitindo que não tirara o possível do bólido. E a derrota para um adversário que saiu no fim do pelotão no Brasil? A recuperação derradeira de Hamilton, que se aproximava de enfileirar quatro vitórias nas últimas quatro corridas até a confusão do safety-car em Abu Dhabi para passar Verstappen e faturar o octa, selaria outra história. Não fosse aquele safety-car, a história contada seria a de um Verstappen que estava quase pronto para superar Hamilton.

A história contaria que é quase impossível bater Hamilton, alguém que não erra, sem levar em conta, por exemplo, a barbeiragem de Lewis em Ímola 2021.

Mas não. O safety-car de Abu Dhabi mudou o campeonato de mãos e a cultura dos resultados entrou em ação. Verstappen não erra, mas erra. Hamilton não erra, mas erra também. Leclerc erra e – checando a posição do campeonato – não poderia. Sempre do ponto de vista dos vencedores.

Seria um acinte terminar o ano passado dizendo que Verstappen não estava pronto, assim como é absurdo dizer que Leclerc não está pronto no ano de 2022. É olhar para a pista, não para a tabela de pontos, e fazer qualquer conta simples. É impossível olhar para a pista nas 13 corridas do ano até agora e sair com a conclusão de que Charles não está pronto.

Talvez, isso é possível conceder, que Leclerc não tenha se tornado um protótipo da liderança. Mas até isso parece um tanto injusto. Nos primeiros erros e problemas que mataram corridas suas em 2022, Charles respondeu incentivando a equipe e sem apontar dedos.

“Estamos na luta por um título, então cada ponto conta, mas dentro de uma temporada isso aconteceu. Não é uma desculpa nossa, mas aconteceu. Todos estão trabalhando muito duro para entender o que aconteceu e resolver o mais rápido possível. Todos estão chateados, não há motivo para eu sair do carro irritado com todo mundo. Só queria ver os mecânicos e animá-los um pouco, porque estavam cabisbaixos”, falou após o estouro de motor em Barcelona.

“Decepção não é a palavra. Erros acontecem, mas hoje tivemos erros demais. Nessas condições, você confia no que a equipe consegue enxergar, porque você não enxerga nada além do que os outros estão fazendo com os pneus intermediários. Fui questionado sobre se queria ir com os pneus de chuva extrema para os slicks e disse que sim, mas não naquele momento. Seria mais tarde na corrida, então não entendo o que nos fez mudar de opinião e ir para o intermediário. Sofremos o undercut. Não podemos nos dar ao luxo disse”, cobrou após a barbaridade de Mônaco, onde a Ferrari colocou pneus intermediários para Charles com a pista já seca e, quatro voltas depois, teve de pôr os slicks.

Afago e cobranças, mas sempre de maneira respeitosa e de forma controlada. É verdade que a postura após a Hungria e França já era de derrota, e isso é algo que precisa ser consertado. Mas tratar a postura de Leclerc ao longo do ano como se fosse a de um adolescente imaturo e descontrolado parece demais. Até porque, desde os erros anteriores, Charles está sempre tentando tirar um buraco gigantesco na classificação do campeonato. Está claro para quem fica de fora que o Mundial de 2022 já é de Verstappen, mas o piloto que já liderou e está em segundo sabe que aproveitar qualquer janela para ser campeão é fundamental. Vai saber quando algo assim acontecerá de novo. Em 2019, quando Leclerc chegou à Ferrari, era impossível dizer que os dois anos seguintes seriam de uma equipe de pelotão intermediário. Esse tipo de coisa não tem aviso e portas para a briga por título se fecham abruptamente e durante muito tempo.

Binotto e Leclerc: a Ferrari atrasa seu melhor piloto (Foto: Scuderia Ferrari Press Office)

Falemos, então, da Ferrari como instituição. Recordista em tempo de túnel de vento no ano passado, os italianos liderados pelo chefe Mattia Binotto e pelo diretor-esportivo Laurent Mekies conseguiram produzir um carro bem nascido. Rápido no motor e no conjunto, está claro que a parte de performance está solucionada: nem mesmo a Red Bull sobra para a Ferrari neste quesito.

A questão é que o carro não é confiável. Enquanto a Red Bull teve três abandonos nas duas primeiras corridas – duas com Verstappen -, conseguiu resolver os problemas de maneira notável. Enquanto isso, a Ferrari, que parecia extremamente confiável desde a pré-temporada, passou a apresentar confiabilidade frouxa após as atualizações de Barcelona.

Depois das cinco primeiras corridas do ano, Leclerc tinha duas vitórias contra três de Verstappen, mas pontuara mais: 104 a 85. Estava óbvio que o RB18 vinha sendo atualizado e tinha mais ritmo que a F1-75, apesar da desvantagem.

De Barcelona em diante, com a Ferrari mexendo bastante, as duas equipes passaram a trocar socos de desempenho. Cada uma tinha vantagem dependendo da pista e das condições climáticas dentro de um mesmo fim de semana. Divertido de ver.

Agora, leitora e leitor, leve em conta. Nas cinco corridas seguintes, entre os GPs da Espanha e da Inglaterra, o que aconteceu com Leclerc. Estouro do motor quando liderava na Espanha; erro inacreditável de estratégia no GP de Mônaco, onde Leclerc liderava e partia para uma vitória tranquila, acabou parando nos boxes duas vezes em quatro voltas, teve de esperar atrás de Carlos Sainz e caiu para quarto; outro estouro de motor, agora no GP do Azerbaijão; largou da última fila no GP do Canadá porque a Ferrari trocou o motor e excedeu o limite de três componentes de toda a unidade de força; mais uma vitória fácil, agora no GP da Inglaterra, foi jogada fora quando a Ferrari aproveitou uma bandeira amarela para resolver trocar os pneus apenas de Sainz, que vinha em segundo. Com pneus muito velhos contra uma sequência de pilotos de borracha nova, terminou em quarto – e a Ferrari teve tempo para decidir se parava Charles.

Essas foram as corridas seis, sete, oito, nove e dez de Leclerc na temporada. Com os cumprimentos ferraristas, o que era liderança após as primeiras cinco provas era um terceiro lugar do campeonato e desvantagem de 43 pontos cinco corridas depois.

Lewis Hamilton passou Charles Leclerc após a decisão da Ferrari em Silverstone (Foto: LAT/ Mercedes)

Nas três desde então, uma vitória foi acompanhada por um equívoco pessoal grave e mais um erro da Ferrari. A distância passou a ser de 80: virtualmente inalcançável.

Leclerc sabe quando erra. Admitiu em Ímola e jogou duro demais consigo mesmo em Paul Ricard, mas a Ferrari sequer disso é capaz. Binotto quis contrariar o mundo inteiro após a bisonha estratégia da Hungria.

“Certamente hoje não tivemos performance com nenhum pneu, médios ou duros”, disse mesmo após Charles ter ampla vantagem na liderança da corrida minutos antes. “O carro não se comportou bem e foi a primeira vez em 13 corridas que isso aconteceu”, foi o que falou negando qualquer erro de estratégia. E assim também foi na Inglaterra, onde sustentaram a decisão pró-Sainz.

Binotto não apenas erra e nega, mas demonstra uma postura covarde. Depois do começo do ano forte, o italiano chegou a dizer que o mundo esperava a Ferrari brigar pelo título e que o time estava melhor preparado para tanto que um ano antes, assim como a briga pelo título era a meta de 2022. Em junho, depois de alguns reveses, mudou tudo sem qualquer explicação. “Nossa meta para 2022 é ser competitivo, não ganhar o campeonato. Seria errado mudar isso para ‘vamos tentar ganhar porque somos tão competitivos”, falou. Assim como na Hungria, mudou totalmente o ponto sem se justificar como se ninguém se recordasse.

Nem sempre a postura de um coletivo é exatamente a de seu chefe, sobretudo quando se trata de alguém que acabou de assumir o comando. Não é esse o caso. Binotto está no quarto ano à frente da equipe e age e transpira uma covardia que invade a pista. Em outro momento, a Ferrari será novamente bem abordada enquanto equipe, mas, já que o assunto aqui é Leclerc, é importante de destacar essa parte.

É possível dizer que Leclerc tem de se impor mais nos bastidores e perder um pouco a postura de bom moço ou que tem de se controlar melhor nos erros e aprender a ter memória curta para deixá-los para trás? Sim, é. Mas é justo dizer que Leclerc trava a equipe e que não está pronto para ser campeão? Não. Leclerc está pronto, mas está preso a uma âncora muito potente.

FERRARI: ESPECIALISTA EM FRACASSO E DERROTA NA FÓRMULA 1 2022
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