Chefe da Mercedes ganha moral para expor podres da F1. Mas não é nenhum santo

Toto Wolff conhece a Fórmula 1 como poucos, empilhando anos de sucesso na Mercedes. O chefe de equipe tem autoridade para dizer que o esporte é um ninho de cobras, mas precisa reconhecer também que não teria chegado onde chegou sendo inocente

Assista aos melhores momentos do GP de Doha de MotoGP (Vídeo: GRANDE PRÊMIO com Reuters)

Enquanto a Fórmula 1 não volta às pistas, os bastidores parecem tomar conta do noticiário. Em um ano de negociações importantes na categoria, incluindo a provável introdução de corridas de classificação em pelo menos um GP de 2021, Toto Wolff tratou de expor podres. O chefe da Mercedes falou abertamente em perder respeito por certos membros do paddock e depois atacou diretamente representantes de Red Bull e McLaren. Tudo isso vindo da boca de um dirigente que nunca pareceu muito disposto a comprar brigas frente ao público. Afinal, o que mudou para Wolff nos últimos meses?

O dirigente dá sinais de estar um pouco de saco cheio da F1, usando aqui um português bem formal. Negociações de bastidores são sempre duras, já que ninguém nunca está disposto a ceder mais do que o necessário quando o assunto é acertar um novo regulamento técnico ou esportivo. Isso é algo que muitos estão dispostos a aceitar em um começo de carreira, ou quando estão comprometidos com o posto de chefe no longuíssimo prazo. Toto não está em nenhum desses dois grupos: o austríaco já ganhou tudo que podia ganhar nas pistas e já sinalizou também que a aposentadoria pode estar mais próxima do que se imagina, dado o desgaste dos últimos anos.

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Toto Wolff reclamou de pessoas maquiavélicas na F1 (Foto: Mercedes)

O motivo que ainda segura Wolff nas pistas? Não seria exagero imaginar que seja Lewis Hamilton. O dirigente e o piloto sentiram na pele o peso dos últimos anos, tão exigentes quanto vitoriosos. Não é surpresa que o próprio britânico também tenha falado abertamente em planejar a vida fora da F1. Quando um dos dois sair, Lewis ou Toto, o outro terá motivos de sobra para reagir e seguir o mesmo caminho.

As reações de Wolff, entretanto, são curiosas. O dirigente falou particularmente mal de colegas que causam furor nos bastidores, mostrando comportamento “manipulador ou maquiavélico”. Disse que ainda ama o esporte, mas que perdeu o respeito por algumas figuras. A reação óbvia é imaginar que se trata de um ataque a Mattia Binotto, por trás do escândalo dos motores da Ferrari ao fim de 2019, e a Christian Horner, com quem Toto troca farpas com certa regularidade. Os dois merecem críticas, mas será mesmo que podemos tratar o mandatário da Mercedes como alguém puro, incapaz de ser tão maquiavélico quanto nos bastidores da Fórmula 1?

A resposta é não, claro. Ser maquiavélico ou manipulador depende muito de um ponto de vista e de interesses próprios. Será que os chefes de outras equipes, principalmente as do meio do pelotão, não acharam Wolff malvadão por ajudar a vetar a ideia de grid invertido na F1, que colocaria a Mercedes no fundão e em desvantagem? Ou quando a Mercedes quis que as então parceiras Racing Point e Williams seguissem o mesmo voto nas tomadas de decisão da F1? É difícil reclamar dos outros usando noções de certo e errado, que sempre variam, e variam ainda mais em um ambiente tão politizado quanto a F1. A sensação é de que todo mundo tem as mãos pelo menos um pouco sujas, mas alguns estão mais dispostos a admitir isso do que outros.

Toto Wolff, entretanto, não é nenhum santo (Foto: AFP)

Se a F1 virou um ninho de cobras com o passar das décadas, não foi por ação de uma ou duas pessoas. É algo generalizado, talvez até institucionalizado através de figuras hoje icônicas do automobilismo. Bernie Ecclestone nunca foi um anjo, longe disso. Wolff nunca chegou ao nível do ex-chefão da F1, mas deve saber mais do que ninguém que é preciso ser pelo menos um pouco ardiloso para alcançar sucesso. Não ao ponto de acreditar cegamente que os fins justificam os meios, frase icônica do pensamento maquiavélico, mas ao ponto de saber que pessoas inocentes acabam devoradas vivas em um ambiente como o do esporte a motor. E, de fato, Toto certamente não seria capaz de encontrar muitos ingênuos no paddock.

Posto tudo isso, não dá também para tirar de Wolff o direito de se incomodar com as sujeiras da F1. É possível jogar o jogo sem estar feliz com isso. No fim das contas, é mais um bom motivo para pensar em deixar o paddock e fazer algo diferente no futuro. Se Toto não está feliz, pode encerrar o ciclo como chefe de equipe sabendo que já está na história do esporte e com mais sucesso do que qualquer um poderia imaginar no começo da jornada.

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