Exaustão e uso de remédios: mecânico revela lado brutal da F1 com calendário insano

Mecânico da Fórmula 1 critica expansão do calendário da categoria e revela condições extremamente precárias de trabalho para os integrantes do paddock, que usam remédios e álcool para aguentarem cargas de trabalho de até 12 horas/dia

VERSTAPPEN CAMPEÃO SOBRE HAMILTON: TUDO SOBRE A F1 2021 | Paddock GP #272

A Fórmula 1 vai expandir mais uma vez seu calendário para a próxima temporada, com um recorde absoluto de 23 corridas programadas para 2022. Com a grande quantidade de etapas, as rodadas triplas se tornam cada vez mais comuns e, consequentemente, a jornada de trabalho aumenta bastante. A questão é que o efeito disso não acontece apenas sobre pilotos e chefes de equipe, mas se aplica principalmente aos mecânicos, engenheiros e ao staff em geral, que dá suporte ao trabalho das escuderias. E as condições profissionais dadas a esses membros têm se tornado cada vez piores na F1.

A revista britânica Autosport trouxe um relato revelador de um mecânico que atualmente trabalha na Fórmula 1, sob condição de anonimato. Em um ano que promete uma carga de trabalho ainda maior do que 2021, o funcionário detalhou como é a vida na estrada para quem não está nos holofotes da Fórmula 1 e tem de lidar com os riscos reais de um verdadeiro colapso — tanto físico quanto mental.

Noites mal dormidas, jornadas absurdamente longas de trabalho, remédios e álcool para que os profissionais consigam se manter ativos são apenas alguns dos relatos feitos pelo mecânico, que alerta: “Alguém pode perder a vida”.

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A Fórmula 1 teve 22 finais de semana de corrida e mais um de pré-temporada (Foto: DPPI/Alfa Romeo)

A expansão do calendário já gerou fortes críticas pelo paddock, já que as etapas precisam ser aglutinadas de maneira que caibam em cerca de nove meses do ano. Com mais corridas, viagens longas, muitas vezes rodadas triplas e tempo cada vez mais reduzido para descanso, os efeitos são brutais para profissionais que nem de longe têm as mesmas regalias disponibilizadas aos pilotos — como salários milionários, viagens em primeira classe ou até em jatinho e um tempo maior para descanso antes das atividades nos autódromos.

As reclamações vêm de todos os lados, com um consenso entre pilotos como Sebastian Vettel e chefes de equipe como Günther Steiner, da Haas, e Simon Roberts, ex-comandante da Williams: o calendário inchado pode ser mais lucrativo, trazer mais dinheiro para a Fórmula 1, mas é um verdadeiro castigo para a saúde dos trabalhadores. Um fardo cada vez mais difícil para carregar. E que pode, sim, sair caro demais.

Eis alguns destaques sobre o depoimento do mecânico sobre as condições de trabalho ao longo de uma temporada inteira, com pouco direito a descanso, muitas e muitas horas de trabalho, quase nenhum reconhecimento e suporte dos organizadores da maior categoria do automobilismo mundial — e a que possui maior faturamento.

“São muitas horas de trabalho. Da quarta-feira, antes da corrida até a noite de domingo, são no mínimo 12 horas de trabalho por dia. Você não tem noção do que isso causa em você até que retorna ao trabalho normal na fábrica, e uma jornada de oito horas parece até cômica, porque parece muito curta.

O que faz disso especialmente duro é o fato de que é tão implacável, sem tempo para se recuperar. Você trabalha do momento em que deixa o avião, e isso pode acontecer depois de um voo realmente ruim em que você ficou espremido na classe econômica e não conseguiu descansar.

E então, quando você está voltando para casa em uma segunda-feira de manhã ou de tarde e não dormiu direito por dias, isso começa a afetar como você se sente em seu tempo livre. Significa que seus relacionamentos podem sofrer — tanto porque você está muito agitado com seu parceiro ou tem outras coisas na cabeça. E isso não é justo nem com eles, nem com você.

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Rotina dos funcionários das equipes da F1 traz muitos finais de semana sem folga (Foto: Mercedes)

Você não está apenas mentalmente cansado, mas também fisicamente esgotado. Conforme a temporada avança, há um monte de lesões acontecendo. As equipes têm médicos e fisioterapeutas para ajudar a cuidar de você, mas a solução mais fácil é injetar analgésicos apenas para mantê-lo ativo. Não há nenhuma maneira, nem em um milhão de anos, que um médico normal lhe daria o que recebemos para nos manter. Para aqueles que não querem seguir o caminho dos analgésicos, eles recorrem ao álcool. E isso também não é bom.

Além de tudo isso, as regras com a pandemia de Covid-19 adicionaram outro ponto de estresse, especialmente porque as equipes gostam de gerenciar o tempo dos testes em termos do que é melhor para elas, e não do que é melhor para o indivíduo. Algumas equipes não querem que você teste muito cedo, caso isso o coloque para fora da classificação ou da corrida. Em vez disso, eles preferem que você espere até o mais tarde possível para fazer seu PCR pré-retorno.

Mas se houver um problema e o resultado do teste não voltar por algum motivo, então é o mecânico que sofre, pois tem que ficar mais um dia longe de casa para voltar a fazer o teste.

Quando você erra, acontece apenas uma decepção silenciosa dos outros. Você é questionado sobre por que deixou isso acontecer, por que não estava mais ciente das coisas, e é difícil aguentar isso com todo o resto. Então você começa a duvidar de si mesmo. Isso o confunde e o faz arriscar ainda mais cometer erros, porque você começa a ficar mais estressado com isso. É mentalmente fatigante.

A conscientização sobre a saúde mental nas mídias sociais das equipes costuma ser sobre os pilotos, mas não sobre o restante de sua força de trabalho. Você fica com a impressão de que a alta cúpula não quer avaliar seus mecânicos e técnicos, pois ficarão com medo dos resultados. Se eles conhecem os resultados, eles sabem que têm que agir de acordo com eles e, em última análise, um mecânico não é importante o suficiente para se preocupar, nem para gastar dinheiro extra.

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Mecânicos serão levados ainda mais à exaustão na F1 em 2022 (Foto: Alfa Romeo/DPPI)

Isso deixa alguns de nós com a sensação de que, se você sofrer um colapso mental – e eu conheço alguns colegas que o fizeram – não há apoio extra para nós. Ninguém vai vir nos ajudar.

Frequentemente, quando as pessoas falam sobre o estresse e as tensões do gigantesco calendário da F1, elas dizem que, se você não gostar, pode ir embora. Alguns chefes de equipe já disseram isso. Mas essa atitude apenas mostra como alguns estão fora de sintonia com a realidade do que é necessário na F1, e essa crença de que você pode simplesmente colocar uma equipe de reposição como novas lâmpadas.

O salário de um mecânico praticamente se estabilizou nos últimos 20 anos — e que motivação isso lhe dá para a quantidade de tempo, esforço mental e físico que você está dedicando ao longo dos anos no esporte?

Além disso, como as equipes estão tentando conter os gastos devido ao limite de custos, elas simplesmente não podem pagar aumentos salariais que acompanhem a inflação. Portanto, isso vai estagnar os salários e matar o mercado de trabalho na F1, que ficará atrás de outras categorias. Mas talvez a coisa que mais ajudaria seria um pouco de empatia do topo da F1.

Todos nós fazemos esse trabalho porque amamos as disputas, mas chega um ponto em que nosso bem-estar físico e mental precisa ter prioridade sobre as necessidades do esporte para continuar rendendo nas corridas.

Maior tempo de inatividade para exercícios e recuperação, alguns exames de saúde adequadas para garantir que possamos ter o nosso melhor desempenho e apenas uma melhor compreensão de como é realmente nossa vida quando você atinge aqueles pontos baixos brutais no meio de mais uma rodada tripla, significaria o mundo.”

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