Ferrari revive fantasma de 2022 com volta dos quiques e perde força até contra Mercedes
A falta de preparo na China foi o pontapé inicial da derrocada da Ferrari na temporada 2024 da Fórmula 1. Dali em diante, o time passou a acelerar atualizações, só que o tiro saiu pela culatra e ainda trouxe de volta um problema que já deu muita dor de cabeça às equipes: os quiques em alta velocidade
Verdade seja dita: a Ferrari começou a se perder sob o atual regulamento técnico da Fórmula 1 no GP da Bélgica de 2022. Esse foi o marco da introdução da diretiva técnica para conter o famigerado porpoising, fenômeno decorrente da volta do efeito-solo e que fazia os carros saltarem em alta velocidade. Dali em diante, forçada a subir a altura do assoalho da F1-75, a equipe nunca mais foi a mesma, porém a estabilidade das regras recolocou a esquadra comandada por Frédéric Vasseur nos trilhos no início da temporada 2024, ainda que de forma muito menor que a vista há dois anos. Foi a Ferrari quem se aproveitou da quebra de Max Verstappen na Austrália e ainda dominou de forma contundente o fim de semana em Mônaco. Como explicar, então, o time de Maranello chegar às férias como quarta força, sendo agora superada até pela outrora oscilante Mercedes?
É possível dividir a performance da Ferrari até aqui em três atos. O primeiro compreende as quatro corridas iniciais do campeonato, sendo o ápice a prova realizada no Albert Park. Claro que a quebra de Verstappen foi decisiva para o resultado final, porém é importante destacar que Carlos Sainz, de volta após perder a etapa da Arábia Saudita por conta de uma apendicite, conduziu a corrida com maestria, não sendo ameaçado em nenhum momento. Charles Leclerc ainda fechou a dobradinha, e com o tricampeão fora de jogo, Lando Norris foi quem surgiu em terceiro com a McLaren. Até então, todavia, era a Ferrari quem tinha vaga cativa no pódio.
Veio o GP do Japão, e novamente o Cavallino Rampante terminou no top-3, agora com Leclerc. O GP da China, então, foi o seguinte, de volta ao calendário da principal categoria do automobilismo mundial após a pandemia. Seria a primeira vez dos carros com o efeito-solo correndo na pista de Xangai, e a expectativa da Ferrari era manter o nível de performance, cada vez mais próxima da Red Bull, consolidando-se como segunda força. Os próprios taurinos, aliás, reconheciam os italianos como adversários mais perigosos, só que a China trouxe não só o primeiro revés da temporada como marcou o começo da ascensão da McLaren.
Em Xangai, a Ferrari foi apenas sexta e sétima na classificação e ficou fora do pódio, com Leclerc e Sainz cruzando a linha de chegada em quarto e quinto, respectivamente, enquanto Norris ficou em segundo, atrás apenas de Verstappen. Nas declarações, a constatação era de que a rival papaia havia sido, de fato, melhor, porém foi a fala de Vasseur que denotou a pretensão da equipe: não houve preparo adequado.
Essa subestimada foi suficiente para acelerar o trabalho na fábrica com o intuito de antecipar atualizações. Havia uma urgência em melhorar o ritmo aos sábados não apenas para alcançar o #1 da Red Bull, mas também para frear o ímpeto da McLaren. A ordem, contudo, já estava trocada, e o duo laranja passou a bater constantemente a Ferrari, emergindo como grande adversária da hexacampeã mundial em 2024.
Houve, entretanto, um segundo ato de esperança: o GP de Mônaco, pista tradicionalmente favorável ao carro vermelho, que gosta de circuitos mais travados e que exigem do downforce. A Ferrari fez o dever de casa e confirmou o favoritismo, ainda que a corrida nas ruas de Monte Carlo tenha sido um tanto enganosa por conta do ‘ritmo de F2’ que praticamente todos resolveram adotar para eliminar uma das paradas previstas. Mas há de se reconhecer o mérito de Leclerc pela quebra da ‘maldição’ em casa em um fim de semana que Verstappen apanhou muito mais que o esperado.
Mesmo assim, Oscar Piastri em segundo era o indicativo de que a briga agora era tripla, portanto qualquer falha seria decisiva. E o Canadá surgiu como o terceiro e cruel ato para Maranello, com Leclerc abandonando por quebra de motor e Sainz escapando da pista — e levando o pobre Alexander Albon junto! A Ferrari ainda sustentava a vice-liderança, porém apenas 40 pontos à frente do time chefiado por Andrea Stella. Passou a ser questão de tempo até ser ultrapassada, e o golpe de misericórdia aconteceu justamente numa pista em que se esperava outro renascimento, a Hungria.
A grande questão é que a Ferrari tem hoje um problema crônico para ser resolvido: o retorno dos quiques desde o robusto pacote de atualizações introduzido na Emília-Romanha, com sidepod redesenhado e ajustes nas extremidades do assoalho. Mas ao contrário do porpoising, o que tem dado dor de cabeça à cúpula italiana é o bouncing, que é decorrente da rigidez do carro. Mesmo assim, o efeito é o mesmo: um carro muito instável nos trechos de alta, que são exatamente os setores em que a SF-24 costuma sofrer mais. A situação é tão delicada que Vasseur chegou a dizer que o time precisa de uma solução “o mais rápido possível” para conter os solavancos “incontroláveis”.
É um problema que coloca, por exemplo, em dúvida a chance de se ver uma performance heroica diante da aficionada torcida como foi no ano passado, no veloz circuito de Monza, quando até Verstappen se surpreendeu com a velocidade de Sainz na reta. A Ferrari que vai para a parte final da temporada 2024 é uma Ferrari sem garantias até mesmo em pistas que ainda possam oferecer alguma coisa, como Singapura. Some-se a isso um time ainda oscilante nas estratégias e dois pilotos não tão motivados para a quarta posição final na classificação ganhar cada vez mais corpo.
E na contramão vem a Mercedes, o time que desencadeou aquela diretiva lá, em 2022, finalmente na direção certa e pronta para sacramentar de vez a derrota de Maranello.
A Fórmula 1 faz a tradicional pausa para as férias de verão na Europa e volta de 23 a 25 de agosto em Zandvoort, para a disputa do GP dos Países Baixos.
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