Hamilton esmorece de novo e deixa claro que queda de confiança motiva saída da Mercedes
Recuperação do espírito brigador, notada claramente em sequência vencedora, caiu por terra para Lewis Hamilton. Que chega ao fim da festa desanimado que só
O último baile em prateado se aproxima a galope. Lewis Hamilton, marcado para deixar a Mercedes no fim da temporada 2024 e rumar a Maranello e às valsas vibrantemente avermelhadas da Ferrari, vive os últimos meses no time pelo qual conquistou seis títulos mundiais. Apesar do breve frescor de renovação vitoriosa nas provas antes do recesso da Fórmula 1, o ânimo despencou novamente pelos lados do heptacampeão. É demonstração de uma relação que todas as partes envolvidas torcem para terminar logo, ainda que não estejam em pé de guerra e que as memórias sejam gloriosas. Mas não dá para esconder que a hora já é extra.
Muitas vezes ao longo da temporada 2024, com a sombra de um futuro na Ferrari à espreita, é normal que as perguntas sobre Hamilton naveguem entre as duas equipes. Se a Mercedes vai melhor, o piloto talvez tenha se arrependido da mudança; se vai pior, talvez esteja ansioso para que a troca seja efetuada. Tudo isso, contudo, é mais uma movimentação de balança retórica do que real. As duas coisas não estão exatamente relacionadas. Lewis certamente quer concluir logo a promessa esperada e se vestir de vermelho, mas não é isso que preocupa no momento. O desgaste com a Mercedes, independente dos possíveis sucessos que pudessem pintar ao longo de 2024, foi alcançado apenas e tão somente com a relação entre equipe e piloto. Sem sedutores terciários ou lacaios de qualquer naipe. Hamilton e Mercedes, Mercedes e Hamilton. Somente.
Após mais um campeonato começar de maneira dramática, com a Mercedes como quarta força do grid nas primeiras provas, as atualizações fizeram a qualidade disparar. Nas seis corridas entre o GP do Canadá e a última prova antes do recesso, na Bélgica, a Mercedes conquistou um pódio por corrida, com direito a uma dobradinha cancelada em Spa quando George Russell foi desclassificado após inspeção técnica. De qualquer maneira, Russell venceu na Áustria e foi terceiro colocado no Canadá; Hamilton, por outro lado, venceu na Inglaterra e na Bélgica e foi ao terceiro posto na Espanha e na Hungria.
A Mercedes crescia inegavelmente e tinha contornos de carro melhor até que o da Red Bull. O clima interno era de festa. “De alguma forma, o carro é o mais rápido do grid no momento. Estamos muito perto e espero que as próximas atualizações possam nos colocar em uma posição muito forte para brigar pela primeira fila com mais consistência. Quando a temporada começou, nosso carro não estava perto da Red Bull. Não parecia que chegaríamos próximo de uma vitória nesse ano. Parecia que seria um campeonato agridoce, que não haveria algo como houve na Inglaterra”, afirmou Hamilton após a prova em Spa.
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“O fato é que nos unimos. Todos estão fazendo trabalho enorme para colocar o carro em um lugar onde estamos nos sentindo muito mais confortáveis. Isso mudou com relação ao ano passado. Não estou saindo em baixa, estou saindo em alta, que é o nosso objetivo”, apontou.
O espírito estava em alta, mas o retorno pós-recesso apresentou situação diferente. A McLaren disparou, a Ferrari teve alguns bons momentos e a Red Bull tenta segurar o Mundial de Pilotos na unha, mas a Mercedes voltou a viver a miséria com a qual se familiarizou desde 2022. O caminho que julgava ter encontrado, virou poeira. E Lewis voltou a apresentar enorme frustração, sobretudo com as decisões que passam por cima dele. É o caso da estratégia de pneus para o GP de Singapura, quando encontrou tempo no éter para classificar na terceira posição e, na hora de largar, terminou convencido a usar os pneus macios mesmo contra a própria vontade. Quando tudo deu errado, desesperou.
“Nós nos reunimos na manhã da corrida — na verdade, na noite anterior, eles já haviam mencionado que gostariam de dividir a tática dos carros —, e fiquei um pouco perplexo com isso”, começou Lewis.
“Antes, quando nos encontrávamos nessa posição, se George se classificou bem, como geralmente faz, e eu estou fora do top-10 ou algo do tipo, então dividimos as estratégias. Mas quando estamos tão próximos, não faz sentido para mim. Briguei o máximo que pude para ter o pneu médio [no primeiro stint], mas a equipe continuou sugerindo que eu largasse com o macio. E aí, quando tiraram os cobertores dos pneus, todos estavam com os médios”, completou, salientando que ficou “muito irritado” com a decisão.
É algo que levanta o maior problema da relação e que, no fim das contas, foi o ponto definitivo na decisão de Hamilton em encerrar o vínculo. Dono de mais de 10 anos na equipe, seis títulos de Pilotos e oito de Construtores pelas cores da Mercedes, acredita, com bons motivos, que deveria ser ouvido com mais afinco. Ter certos desejos acatados, até. E provavelmente está certo.
A estratégia para uma corrida que chega após fazer muito mais do que se esperava na classificação é algo relevante, mas não dramático. O que potencializa o incômodo é à tona o elefante na sala: as opiniões ignoradas acerca do W14, carro da Mercedes para a temporada 2023.
Há mais ou menos um ano, o heptacampeão contou que pediu à Mercedes, na fase de desenvolvimento do projeto para 2023 – mas ainda em 2022 – para que o time abandonasse por completo o conceito ‘zeropod’ com o qual os prateados resolveram ingressar na atual era dos regulamentos atuais. A turma da engenharia da Mercedes ignorou e confiou nas melhoras do fim daquele 2022 para seguir em frente. E, então, 2023 chegou e foi mais um ano de sofrimento. Durante o ano, a equipe desistir e abandonar o ‘zeropod’.
“Lembro de reclamar com a equipe e dizer, ‘olha, temos de fazer essas mudanças, senão esse é o caminho que vamos seguir e teremos problemas. Por favor, façam algo a respeito'”, recordou da história em que simplesmente tomou um passa-fora dos engenheiros. Lembro que eles disseram, algo como, ‘nós sabemos o que estamos fazendo, você está errado’. E esse foi um momento interessante. Eu estava tipo, ‘ok, vou recuar, não quero pisar no calo de ninguém’. Então, quando entramos na temporada, conversamos novamente e eles disseram ‘ah, talvez você estivesse certo’”, contou.
“Lembro de ter sentido exatamente a mesma coisa que em 2022”, disse Hamilton em entrevista à emissora britânica BBC ao lembrar o primeiro teste com o carro de 2023. “Definitivamente, não era algo bom de sentir. Em fevereiro, quando começamos a ver para onde o carro estava indo, fiquei um pouco mais apreensivo porque, no ano passado, era aquilo de ‘o carro é incrível, é único, ninguém vai ter nada igual. E aí veio o primeiro teste…”, pontuou, admitindo a decepção na primeira experiência com o monoposto.
“Então, estava mais cauteloso enquanto ouvia as explicações e fiquei tipo: ‘vamos ver’”, explicou. “E então, o carro teve todos esses problemas. Simplesmente soube que seria um longo ano. Fiquei frustrado, porque pedi por determinadas mudanças e elas não foram feitas. Ninguém sabia exatamente qual era o problema. Ninguém sabia consertar. Com a experiência do ano anterior, simplesmente me esforcei em termos de me aprofundar e sentar com os caras [engenheiros e mecânicos]”, comentou.
As declarações são antigas, mas permeiam o que restou da relação. No momento de maior dificuldade, um heptacampeão mundial tentou argumentar com a equipe que defende há uma década e foi ignorado. É o tipo de coisa que não vai embora. Trata-se de quebra de confiança, traição de uma ligação profissional construída ao longo do tempo, na visão de um supercampeão.
Hamilton e Mercedes não estão em pé de guerra e provavelmente não haverá uma briga pública no que sobra de 2024. As partes vão trabalhar uma para a outra com afinco, respeitando a história que estabeleceram lado a lado desde 2013, mas ambas sabem que a rachadura no dique é incurável. A Mercedes, ao buscar o reencontro com o eldorado das glórias, tem vitalidade para nutrir pilotos famintos pelo próprio lugar ao sol, enquanto Hamilton está pronto para passar os últimos anos de F1, um amor que não perdeu, com a Ferrari, com quem pode ser um parceiro comercial para além de piloto.
O fim de festa entre Hamilton e Mercedes é, agora, imune a qualquer rajada de sucesso que possa aparecer. É hora de dizer adeus.
A Fórmula 1 agora só volta entre os dias 18 e 20 de outubro para o GP dos Estados Unidos, em Austin.
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